“Noite Escura da Alma” mescla depoimentos documentais com performances experimentais
A Mostra Cinema Conquista segue a todo vapor exibindo curtas e longas-metragens nacionais da recente safra do cinema brasileiro. Na noite desta quarta-feira, 22, foi a vez do público conferir o longa baiano “Noite Escura da Alma”, de Henrique Dantas.
Muitos filmes têm se debruçado sobre o tema da Ditadura Militar. Mas poucos são aqueles que saem do lugar comum da mera denúncia – e não deixam de ser importantes por isso. Além de que o retrato de uma Bahia nos tempos de regime é raramente visto em tela.
“Noite Escura da Alma” tenta preencher essa lacuna com um registro duro, mas necessário de se encarar no contexto da historiografia baiana. Também propõe uma construção narrativa que mescla depoimentos documentais com performances experimentais. O resultado é uma experiência forte como panorama histórico e como proposição estética.
Dantas expande seu olhar para toda uma cena de militância e pelas ações cruéis da polícia militar na Bahia. Para tanto, entrevista uma série de pessoas que viveram aquele período e guardam memórias duríssimas do tempo de resistência.
De pessoas conhecidas, como o sociólogo Juca Ferreira, até a cineasta Lúcia Murat, passando por um conjunto de pessoas de esferas diferentes da sociedade, o filme constrói um painel riquíssimo que dá conta de mapear certas atividades não só da militância baiana contra a Ditadura, mas da própria repressão do Estado.
Dantas possui no currículo uma série de filmes que resgatam histórias dos tempos obscuros do regime militar, especialmente na Bahia – filmes como “Ser Tão Cinzento” e “Sinais de Cinza – A Peleja de Olney Contra o Dragão da Maldade”.
Todo filmado à noite, no Forte do Barbalho, lugar que funcionou como porão e cárcere dos presos políticos em Salvador, “Noite Escura da Alma” vem a se somar a essas narrativas memorialistas, assumindo desde o início a atmosfera sombria e pesada que o tema exige.
“Causos” do sertão
O cinema feito na cidade de Vitória da Conquista também teve espaço reservado na programação da Mostra. O longa “Contra o Veneno Peçonhento do Cão Danado” é dirigido por um filho da terra, Marcelo Lopes, e resgata histórias de teor fantasioso que fazem parte de certo imaginário sertanejo.

Longa resgata histórias de teor fantasioso que fazem parte de certo imaginário sertanejo (Foto: Divulgação)
Lopes vai ao encontro de estudiosos e gente simples do interior para extrair depoimentos e “causos” populares ligados aos saberes regionais, religiosos e místicos que povoam a região. O filme mistura momentos mais engraçados com aqueles mais amedrontadores, a depender do conteúdo de cada uma das falas.
São histórias que constituem o imaginário nordestino, seja través dos contos que circulam de boca em boca, seja via narrativas registradas em música e literatura – indo desde as canções de Elomar até os clássicos escritos por Guimarães Rosa.
“É um filme que fala sobre a minha realidade em Conquista, mas é uma realidade baiana também. A Mostra é um lugar especial para a exibição do filme, é esse espaço de democratização de olhares”, contou o diretor.
Labirinto de memórias
No primeiro dia da Mostra, houve ainda a abertura da exposição “Tuna – Traço do Tempo”, em homenagem ao cineasta e homem de cinema Tuna Espinheira, morto em 2015. Nos corredores adjacentes ao auditório da Escola Normal, onde acontecem as principais exibições dos filmes, a exposição multimídia rememora as obras de Tuna, realizador de mais de 30 trabalhos no cinema.
A exposição é assinada pelo artista visual Vinicius Gil (Purki) e contém um rico acervo de imagens, seja dos bastidores dos muitos trabalhos que Tuna desenvolveu, especialmente como diretor, seja dos próprios filmes, com cenas icônicas.
Yara Maria Espinheira, viúva de Tuna – que trabalhou em muitos de seus filmes, como produtora ou assistente de direção –, esteve presente durante a abertura da exposição para receber o troféu da Mostra Cinema Conquista, em homenagem ao cineasta.
“A minha vontade agora é de seguir caminho mostrando os filmes de Tuna. Não só dele, mas de outros realizadores da mesma geração com filmes maravilhosos. Eu quero continuar dando ‘viva’ ao cinema, esse é o meu papel”, contou, emocionada.
Durante a abertura, foi exibido o curta-metragem dirigido por Tuna, “Cajaíba, Lição das Coisas – O Fazendeiro do Ar” (1976). Trata-se de um registro da obra de um dos grandes artistas plásticos conquistenses, que criou na cidade um museu a céu aberto – que existe até hoje. “A homenagem mais importante para mim é ver o filme na tela”, completou dona Yara.
A Mostra segue até a próxima sexta-feira. Toda a programação é gratuita e pode ser acessada no site.