O chef australiano Richard James
A calda no ponto de caramelo é lançada no ar, de um lado a outro, pelo chef e seu ajudante. Rindo à beça, em um instante, eles tecem a teia de açúcar que vai decorar uma panacota de laranja com mousse de cappuccino e geleia de café. Com diferentes texturas sobrepostas em camadas, a sobremesa surge na taça como se fosse um daqueles jogos de montar. Quem vê a cena, pela vidraça da cozinha, não tem dúvida: eles estão se divertindo.
Todos os 39 pratos que o australiano Richard James, 31, criou para a nova carta do Ciranda, no Rio Vermelho, nasceram nesse clima - muito leve e lúdico. O chef gosta de expressar a sua alegria quando está compondo novas experiências para o paladar. O "imenso prazer em descobrir novos sabores" ele só compara à paixão pelo surfe. Criado nas praias da costa nordeste da Austrália, para Richard, cozinhar é tão mágico quanto pegar uma onda.
Na verdade, ele cresceu assim, entre pranchas e panelas. Ainda era bebê quando a mãe e a avó o colocavam sobre a mesa da cozinha enquanto preparavam o jantar. Para o pequeno, aquela farra com chuva de farinha de trigo cheirando a alho na manteiga rendeu mais que portraits na memória afetiva. "Aos 13 anos, eu já sabia que queria ser chef", diz Richard em claro e bom baianês. Casado com uma baiana, morando há meses em Salvador, aprendeu a língua, o sotaque e os segredos do dendê preparando moquecas e outras delícias da cozinha brasileira que o deixaram apaixonado quando provou os primeiros pratos, ainda em seu país.
Sabores do mundo
Desde que terminou a escola, este é seu ofício, hobby, deleite. A gastronomia é um caminho natural, e muito valorizada na Austrália. Há trezentos canais de culinária na TV e todo mundo se mete a pilotar um fogão. As pessoas gostam de comer bem, de frequentar os ótimos restaurantes da ilha. "Os australianos estão impregnados dessa cultura que leva para lá os sabores do mundo".
No país jovem, com pouco mais de 200 anos, boa parte de seus 20 milhões de habitantes é contemplada com uma mostra incrível de culturas do mundo. "Os pratos australianos têm influência principalmente asiática e árabe". Estranho seria se seu espírito curioso não o levasse a optar por uma gastronomia que reunisse de tudo um pouco. "Minha linha de comida é contemporânea, e a fusion food está dentro disso. Gosto de ir fundo nos sabores do mundo e combiná-los; de trazer a essência de cada ingrediente e realçá-los. Depois harmonizo tudo".
De sua cozinha cultural, cheia de sabor e identidade, saem surpresas perfumadas e refrescantes, como a paella de quinoa e arroz negro, que ele prepara com gengibre, sementes, grão-de-bico e brócolis e serve com limão caramelizado na chapa. Experimente fechar os olhos enquanto come para entender o que ele quer dizer exatamente com "explosão de sabor".
Experiência orgânica
O chef gosta de ouvir música enquanto cozinha. Jorge Benjor, um reggae ou um rock'n'roll embalam seu imaginário sofisticado povoado por signos das culturas diversas e técnicas internacionais de gastronomia. Ele já esteve à frente da cozinha da mais respeitada universidade de hotelaria do mundo, o International College of Management, do grupo Cesar Hitz.
Com esse background incomum, consegue transformar um simples tira-gosto em um ensaio cultural de sabor requintado. Prove suas tarteletes de cebola roxa caramelizada com queijo feta. Ele põe açúcar mascavo e vinagre balsâmico nisso tudo só para mostrar que é possível reinterpretar um monte dos nossos conceitos.
Inspirada na natureza, a marca Richard James se fundamenta na originalidade. Por isso, o menu do Ciranda tem a alma do chef. Seus insights brilhantes partem de questionamentos simples: o que faria um robalo de água doce se harmonizar tão bem com banana-da-terra? "A banana cresce nas margens do rio".
Para conhecer a cozinha de cada país, James gosta de fazer residência. Sua proposta original é uma espécie de gastrô roots. Na Indonésia, ficou quatro meses em uma ilha, sem energia nem comunicação, vivendo em uma comunidade de 200 pescadores. "Eu pescava e aprendia a cozinhar com eles, com os ingredientes que tinham à mão. Sempre busco produtos do lugar onde estou cozinhando". A intenção está até nos detalhes. Observe as folhas de coentro sobre suas tiras de lula grelhada, uma entradinha refrescante que ele serve com molho de maracujá apimentado.
Antes de criar pratos com inspiração verde e amarela, Richard viajou muito pelo Brasil. Passou por 17 estados e, de cada um, trouxe ingredientes essenciais para suas combinações explosivas. Da floresta amazônica, vem um dos pratos principais do menu do Ciranda: lombo de porco com mandioquinha souté na manteiga de garrafa com molho de açaí com cupuaçu.
A imersão cultural o distingue. Quando entrou na faculdade, já era um craque no manejo dos temperos. Mas, como Richard é daqueles que gostam de conhecer o berço dos alimentos que cozinha, com 20 anos trocou o emprego em um restaurante chique do elegante bairro de Notting Hill (Londres) pela experiência orgânica que o levou a atravessar continentes. Com feijoada carioca, moqueca e xinxim de galinha no menu, o CocoMar Brazilian Cafe Restaurant, que ele abriu anos depois, em Sydney, é fruto dessas viagens.
Agora, ao vê-lo preparar sua lagosta grelhada na manteiga de garrafa, estrela da nova carta, não há como não se admirar com tamanha habilidade para recriar uma iguaria tão explorada. Montada, no prato, com lascas de amêndoas e infusão de limão-siciliano, ele acrescenta um mini rosti de batata-doce com um creme para lá de original. "Misturei cacau com espumante". Depois, rega tudo com um azeite feito com a casca do próprio crustáceo. Não parece, mas Richard surfa enquanto cozinha.