Atriz baiana será um dos personagens centrais da próxima novela das seis da Globo
Com o monólogo Love e duas estreias planejadas - o filme Redemoinho e a nova novela das seis da Globo, Sete Vidas -, Cyria Coentro firma-se na carreira, iniciada há 20 anos em Salvador
Mais de 20 anos depois de iniciar a carreira de atriz em Salvador, Cyria Coentro, 48, vai experimentar pela primeira vez a superexposição. A baiana, que vive na ponte aérea desde que foi descoberta pelo diretor Luiz Fernando Carvalho, nos anos 1990, quando deu vida a Morena na primeira fase da novela Renascer (1992), estará no cinema, no teatro e na TV em 2015. Na telona, será Hélia, uma mulher densa e angustiada, no filme Redemoinho, de José Luiz Villamarim, que a dirigiu em O Rebu, seu último trabalho na TV. Em março, será Marlene, mãe de um dos personagens centrais da próxima novela das seis, Sete Vidas, escrita por Lícia Manzo.
No folhetim, Cyria voltará a ser dirigida por Jayme Monjardim, a quem considera um dos seus padrinhos na emissora carioca, desde que trabalhou com ele em 2010, em Amor à Vida, de Manoel Carlos. No palco, cumpre temporada de Love, monólogo que há dez anos sonhava montar. A peça, roteirizada por Elisa Lucinda e dirigida por Jackson Costa, é uma ode ao amor. Nele, Cyria interpreta uma mulher em busca do amor pleno. O roteiro é costurado com poemas da própria Elisa, de Mario Quintana, de Baudelaire e de muitos outros poetas universais que falam da convivência amorosa.
"Ufa!", diz a atriz enquanto aspira o ar puro dos jardins do Palacete das Artes, para em seguida enrolar um cigarrinho de palha, "orgânico", como faz questão de frisar. Após a primeira tragada, segue falando dos projetos futuros, do começo da carreira, da família e das filhas Maia (11) e Aisha (9). "As meninas são a minha prioridade. Como vou estar gravando no Rio no próximo ano, elas irão passar este ano lá comigo".
Anticelebridade
Embora passe longe de querer virar uma celebridade (tipo que abomina), a grande exposição, em breve, deverá torná-la mais popular, ou melhor, mais conhecida do grande público. "Como costumo interpretar mulheres mais velhas, poucas pessoas me reconhecem e me abordam nas ruas", diz sorrindo.
Compreensível. A mulher de estilo jovial, vestido esvoaçante, cabelos ao vento e um permanente sorriso nos lábios que se apresenta para a entrevista em nada lembra a sofrida Marleide, mãe doente do ladrão Alain, interpretado por Jesuíta Barbosa na novela O Rebu (2014), sua participação mais recente na TV.
"É comum as pessoas se surpreenderem comigo fora da televisão. Até os diretores. Quando cheguei para a primeira reunião com Villamarim (José Luiz) para discutir a composição da personagem, ele ficou me olhando desconfiado, mandava a figurinista colocar uma peça, mandava tirar, pedia outra e nada. Aí eu disse: 'Você tá me achando muito jovem pra fazer a Hélia, né?'. Ele riu, sem graça. Aí eu disse: 'Não se preocupa, não, que já, já ela baixa aqui'".
Ao longo de mais de duas décadas na Globo, onde é contratada por obra, Cyria fez oito novelas, seis minisséries e muitos episódios do extinto Você Decide. "Fui a rainha do Você Decide". Na TV, sempre viveu papéis coadjuvantes, o que para ela não é demérito. "O que importa são bons papéis, independentemente de serem grandes ou pequenos. A gente costuma dizer lá na Globo que quando um personagem ganha cenário é porque vai emplacar".
O primeiro cenário ela só ganhou em Viver a Vida (2010). Depois, veio Flor do Caribe (2013) e nunca mais ficou sem casa. "Eu sempre tive muita sorte na televisão. A produtora Maria Carmem Barbosa me viu fazendo Los Catedrásticos e foi até o camarim. Me deu um cartão e disse que qualquer tempo que eu resolvesse ir para o Rio que a procurasse. Foi aí que, em Renascer (1992), ela sugeriu meu nome e o Luiz Fernando disse que também tinha visto a peça e me levou para a novela sem fazer teste".
Acabou chorare
Teste, aliás, ela só fez para Viver a Vida. De Manoel Carlos, ela fez também Em família (2014). "Acho que o fato de ter facilidade para chorar acabou ajudando a me escolherem para personagens com esse perfil de mulher sofrida. Devem achar que sou uma mulher triste e deprimida", ri. A atriz confessa que adora sofrer em cena, mas que, na vida real, é pouco sofredora. "Não recorro à memória afetiva ou qualquer outro recurso para chorar. Se é para chorar, choro mesmo. Na minha vida pessoal costumo me desinteressar pelo que me faz mal. Sou otimista, alegre, leve, mas em cena gosto de deixar o drama me conduzir. Adoraria fazer um personagem mais jovem, mais leve, mas ainda não apareceu. Acho que os diretores gostam de me colocar mais velha".
Paulo Dourado, que a dirigiu em Los Catedrásticos, diz que Cyria tem uma característica rara: "Ela pode fazer qualquer tipo de papel, porque é uma atriz aparelhada. Tem uma neutralidade que lhe permite uma variação grande no teatro".
A atriz e poeta Elisa Lucinda, que assina o roteiro de Love, em parceria com Cyria e Jackson Costa, concorda. "Ela é, sim, uma atriz rara, daquelas que vai do drama à comédia sem perder o tom. É uma honra dividir com ela esse espetáculo". Lucinda diz que, durante o processo de criação, a baiana refez o roteiro várias vezes. "Ela é incansável, trabalhou mais que eu".
Se hoje a atriz se joga com tudo no trabalho, no passado, a timidez quase a fez desistir do sonho de ser atriz. "Fiz uma oficina com o diretor Fernando Guerreiro e aí não teve mais jeito, fui parar na Escola de Teatro da Ufba, de onde saí sem concluir o curso". Vieram então Los Catedrásticos, Suburra, Bróder - uma odisseia. Nesse meio tempo, fez o filme Três histórias da Bahia (2001), onde protagonizou um dos três episódios, O diário do convento, de Edyala Iglesias. O cinema, aliás, virou uma paixão. No currículo estão cinco longas-metragens, entre eles, Era uma vez (2008) e Gonzaga de Pai pra Filho (2012), ambos do diretor Breno Silveira.
A baiana garante que nunca sofreu preconceito na emissora por ser nordestina. "Acredito que exista, sim, até pelo perfil dos personagens que me dão, mas acho que isso está mudando. Tanto que a Marlene de Sete Vidas é uma professora mineira que vai para o Rio para acompanhar o filho em busca do pai".
Entre os amigos que fez na televisão estão as atrizes Nanda Costa, Giulia Gam, Patrícia Pillar e Dira Paes. Esta última diz que virou fã desde que a viu na minissérie global Dona Flor e seus Dois Maridos (1997). "A minha primeira impressão foi: que voz de diva do teatro! Pensei na hora. Mal sabia que, naquela época, ela já era inteiramente diva. No charme da sua beleza, na sua inteligência e na sua humanidade", declara. A paraense se derrete ainda mais ao falar da amiga. "Ela é um tipo raro de atriz, capaz de tirar o nosso fôlego com um simples olhar, sem precisar falar. Sou fã".
Outro fã declarado é o ator Luiz Carlos Vasconcelos, que dividiu o estúdio com a baiana, no ano passado, na novela Flor do Caribe. Ele diz que Cyria é uma atriz que lhe dá especial prazer em contracenar. "Com ela a gente realiza tudo que um ator sonha. Ela é uma atriz e uma pessoa extraordinária. Todas as vezes em que contracenamos, seja na televisão ou no cinema, a parceria e o convívio foram sensacionais".
Namorando um chef de cozinha, Cyria conta que pauta a sua vida pelo amor. "O amor é o lema da minha vida. Sempre adapto minha vida profissional ao amor, que é a base de todos os sentimentos, de todas as coisas boas". Não à toa, quis tanto montar o monólogo Love. Assim, no palco, mais do que nunca, pôde, enfim, exercitar o seu mantra: viver o amor com intensidade. "Com verdade mesmo", assegura.