Bruna Castelo Branco | Foto: Gilberto Júnior / Ag. A TARDE
O educador financeiro lançou um livro para ensinar as pessoas a lidar com o dinheiro
Até os 31 anos, o educador financeiro George Wander, hoje com 48, era um endividado. “Eu achava que ganhava pouco e estudava para receber uma promoção e ganhar mais. Mas, ainda assim, não dava”, conta. Foi quando percebeu que o problema não era quanto ganhava, mas quanto gastava. Ganhasse R$ 5 mil ou R$ 50 mil por mês, sempre acharia o salário insuficiente. Tudo começou a mudar depois de uma viagem aos Estados Unidos. Lá, descobriu que, diferentemente do Brasil, falar de dinheiro com os amigos não é esquisito ou inconveniente. “As pessoas falam quanto ganham, sobre investimentos, hipoteca, aluguel, dívidas… Aqui, a gente prefere discutir futebol, religião, mas ninguém fala abertamente sobre as próprias finanças”. Voltou a Salvador com uma namorada americana, que não podia se sustentar sozinha, e uma missão: aprender a lidar com o dinheiro e prosperar financeiramente. Aprendeu tanto que passou a ensinar. É educador financeiro, instrutor de finanças pessoais e autor do livro Educação Financeira - Histórias de Como Aprender a Lidar com Dinheiro, lançado em 2015. A publicação conta casos que ouviu nas palestras que deu sobre o assunto, além dos altos e baixos que enfrentou para chegar até aqui. “Durante um tempo, achei que dinheiro era só acumulação. E esquecia do equilíbrio, esquecia das coisas que eram realmente importantes”. À Muito, ele fala sobre opções de investimento, bolsa de valores e dá dicas de como economizar, fazer o dinheiro render e ter uma vida financeiramente estável.
No começo do ano muita gente diz estar endividada. Por que isso acontece e como evitar?
São algumas razões. Primeiro, os gastos de final de ano. As pessoas querem confraternizar, querem presentear seus entes queridos e acabam comprando um pouquinho mais do que estava planejado. Verão, as pessoas querem sair de férias, merecem sair de férias, só que às vezes também não estava planejado. Aí compra lá na agência de viagens e divide em 10 vezes. E há as despesas de início de ano mesmo, escola, IPTU, IPVA, e por aí vai. São alguns fatores que se juntam. E termina o Carnaval e a pessoa pergunta: “Caramba, o que é que eu vou fazer?”. Então, a resposta seria o planejamento durante o ano anterior. Se a pessoa passou 2018 endividada, vai ser inevitável que esse endividamento vá aumentar em 2019. Uma alternativa é trocar dívida, se a pessoa tiver dívida com cartão de crédito, cheque especial, trocar por uma mais barata, um CDC (Crédito Pessoal Automático) de longo prazo. E já pensar no endividamento de 2020. Durante o ano de 2019, já pode fazer as suas reservas. IPVA com 10% de desconto é ótimo, temos que aproveitar; a matrícula da escola do filho, se a gente antecipa alguma coisa, também tem desconto… então, essas coisas que a gente pode ter desconto, já planeja.
De acordo com dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), 63,4 milhões de brasileiros estão inadimplentes, o que corresponde a 41% da população adulta. Em média, ainda de acordo com a pesquisa, cada consumidor tem quatro dívidas. Para o senhor, o que faz o brasileiro ser tão endividado?
A fé no futuro. Nosso povo é um povo muito legal, que tem essa fé de que o melhor sempre virá. Só que essa fé, em demasia, termina criando armadilhas para a gente. Durante muito tempo, nós passamos por um período inflacionário em que as pessoas tinham que consumir. Tínhamos que gastar hoje porque amanhã o nosso dinheiro valeria menos. Então, eu acho que isso de alguma forma ficou no inconsciente coletivo. “Olhe, dinheiro na mão, a gente tem que consumir, senão a gente vai perder”. É diferente de outras nações, sobretudo lugares frios como na Europa, porque lá, vamos pensar aqui na Idade Média, neva e não tem condições de caçar, de plantar. E o que as pessoas faziam na primavera, no verão? Plantavam, colhiam e guardavam. E nós nunca precisamos disso, podemos plantar o ano todo. Então, a gente tem essa impressão de que os recursos estão lá, disponíveis. Acho que é um fator bem cultural que faz a gente pensar que não precisa se planejar, não precisa poupar.
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Se alguém me pergunta se vai ter que fazer um planejamento e deixar de tomar a cerveja no final de semana, de jantar, eu digo que não
George Wander
Será que esse alto índice de endividados também é decorrente da ausência de aulas de planejamento financeiro pessoal nas escolas?
Sim, bastante. Nós estamos com índices de endividados mais elevados nos últimos tempos por causa da crise, isso é verdade. Mas, fora da crise, os números mostram que nós sempre fomos um povo endividado. Tem a ver mesmo com essa falta de incentivo na criança, de planejar. Consumir é muito bom, consumir é maravilhoso. Eu fui sócio de um judeu, israelense, que consumia muito, viajava, comprava moto. E aí eu brinquei, fiz uma piada com ele: “Olhe, no dia em que você voltar para Israel, tendo esse tipo de consumo, vão caçar a sua carteirinha de judeu”. Ele riu, me olhou nos olhos e disse: “Olha, George, falam muitas coisas inventadas sobre os judeus, as pessoas não conhecem a nossa cultura e falam o que acham. Verdade, nós economizamos. Se eu puder economizar 10 centavos, 50 centavos, eu vou procurar a melhor maneira de fazer isso. Mas gastar é importante. O dinheiro só é bom para mim e para todos os judeus quando ele sai do meu bolso e se transforma naquilo que me dá prazer. Num restaurante, num jantar, numa viagem, num carro”. Eu nunca esqueci essa lição. Então, se alguém me pergunta se vai ter que fazer um planejamento e deixar de tomar a cerveja no final de semana, de jantar, eu digo que não, senão ele vai pensar que o planejamento financeiro é ruim, porque traz sofrimento. Mas também tem que pensar que se você deixar de consumir algo agora, porque não tem recurso, e deixar para consumir lá na frente, você vai consumir melhor. Nós, brasileiros, antecipamos os nossos sonhos. A pessoa sai da faculdade e tem o sonho de ter um carro. O que ela faz? Antecipa esse sonho, ao invés de sair da faculdade e trabalhar durante um ano, dois, para comprar o carro, compra agora e faz a dívida, naquela coisa de satisfazer o sonho. Isso é errado.
Há muita gente que diz que a solução para evitar dívidas é cancelar o cartão de crédito. O que o senhor acha dessa medida? O cartão de crédito é tão vilão assim?
Quando mal administrado, sim. Mas o cartão de crédito pode ser também uma grande ferramenta de controle financeiro. Lá vão estar registradas todas as suas compras e aí você vê o seu perfil, para onde está indo o seu dinheiro. Você pode, quando for fazer a sua planilha, usar a sua fatura do cartão de crédito e saber como está gastando. Sem falar que alguns cartões têm programas de benefícios. Quase tudo o que eu compro é no cartão de crédito para ter a pontuação. Só que, quando eu compro no crédito, eu tenho a minha planilha, eu abato da conta corrente. Mesmo tendo dinheiro no banco, para mim, eu já abati, porque quando chegar a fatura eu vou quitar a fatura integralmente. Porém, algumas pessoas dizem que não conseguem lidar bem com o cartão, têm a tentação. Se você acha que não está lhe fazendo bem, corte.
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As pessoas, às vezes, vão para o empreendedorismo por necessidade, perdeu o emprego, está com um dinheirinho ali. Aí entra, mas a chance de quebrar é muito grande se não estudar
George Wander
Qual o melhor caminho para se negociar ou renegociar dívidas?
Ser honesto. Primeiro você vai levantar todas as suas dívidas, todos os credores, ver quando você realmente deve, separando as suas despesas mínimas, como conta d’água, condomínio, energia, e ver qual é a sua capacidade de pagamento de cada dívida em específico. Depois, procurar um a um e dizer: “Eu devo tal quantia, não tenho condições de pagar”. O credor, de forma geral, é bem receptivo para negociar. Sobretudo, aí vem uma armadilha, eles querem que você fique adimplente novamente para que possa ter o crédito e voltar a consumir. Isso é uma armadilha em que muitas pessoas caem. Porque uma vez em que você faz o acordo, pagou a primeira parcela, já está adimplente. Eles tiram a restrição do seu nome e aí você já pode comprar de novo. Ter dívida não é o problema. Empresas têm dívidas, países têm dívidas. O Brasil já quebrou, a Rússia já quebrou e eles renegociaram as dívidas. Nós, pessoas físicas, também podemos negociar.
Para alguns analistas, o Brasil só deve sair da atual crise econômica em 2020. Qual é a melhor forma de investir nesses tempos?
Essa pergunta é clássica, quando termino uma palestra, todo mundo quer saber onde é que está o pulo do gato, qual é o melhor investimento… porque as pessoas acham que o consultor financeiro tem nas mangas aqueles investimentos que ninguém conhece. Mas, na verdade, isso não existe. Não existe o melhor investimento, existe aquele investimento próprio para cada um. Vou dar um exemplo. Durante um período da minha vida, eu operei em bolsa de valores. E os rendimentos, que variam, costumam ser bem melhores do que renda fixa. Só que eu pagava um preço por isso. Acordava cedo para ver como foi o fechamento da Ásia, a abertura de Londres, de Madrid, para saber como vai ser o comportamento da bolsa brasileira. E isso me dava um certo nervosismo, uma ansiedade, com aquela expectativa se naquele dia eu iria ganhar ou perder dinheiro. E essa ansiedade, aos poucos, vai tirando a paz. Era um preço que eu não queria mais pagar. Ganhei dinheiro por um bom tempo, ganhei, mas já estava perdendo saúde. Não é para mim. Então, se alguém me pergunta se bolsa de valores é algo bom, depende. Qual é o seu apetite para o lucro? Você está disposto a perder parte do seu capital? Tem também pessoas que optam por investir em um negócio próprio, em que o lucro pode ser 100% ao ano. E aí eu pergunto, você tem disponibilidade e conhecimento para isso? As pessoas, às vezes, vão para o empreendedorismo por necessidade, perdeu o emprego, está com um dinheirinho ali. Aí entra, mas a chance de quebrar é muito grande se não estudar. Então, o que a pessoa precisa saber é: quanto eu quero ganhar, por que eu quero ganhar, qual a minha necessidade e o que eu estou disposto a dar em troca? Muito estudo? Agora, nós estamos com um mercado de bolsa de valores muito bom, batendo recorde mês após mês. É fácil ganhar dinheiro com o mercado subindo, mas quando começa a cair, as pessoas começam a se desesperar e saem correndo da bolsa. E perdem dinheiro.
O Brasil tem aproximadamente 13 milhões de desempregados. De que forma o empreendedorismo se torna uma alternativa ao desemprego? Vale a pena pensar em empreender nesse momento ou é um risco que pode formar ainda mais dívidas?
Eu acho que estamos caminhando, não só no Brasil, mas no mundo todo, para que a menor parte da população economicamente ativa esteja no emprego formal. O empreendedorismo vai ser algo que vai dominar os pequenos negócios, as pessoas trabalhando para elas mesmas ou em parceria. O atual quadro que nós temos de desempregados dificulta muito a situação, porque são consumidores que estão fora e não podem comprar o produto comercializado pelo empreendedor. E, como eu disse antes, tem a ver com a necessidade. Você era empregado, perde o emprego e, com o desespero, pega o dinheiro e vai abrir algum negócio; sem planejamento, a chance de perder é muito grande. Agora, quando a pessoa tem uma formação, sabe o que quer fazer, junta com duas pessoas e abre uma empresa, não é por necessidade, é por oportunidade, você se planejou para isso. Eu acredito muito que o jovem está com essa pegada, e vai conseguir superar esse desafio de desemprego.
E quais dicas o senhor dá para quem não segue esse perfil criativo, empreendedor, já que cada vez mais as formas tradicionais de trabalho estão dando lugar para startups?
As pessoas técnicas, sobretudo, têm que se juntar às pessoas com perfil de empreendedor. Fazer um grupo e dizer assim: “Olha, você é bom de comunicação, você fala bem, você vende bem esse produto que eu faço, eu vou me unir a você”. Esse compartilhamento, essa união, é a solução das pessoas.
Pequenos empreendedores reclamam que o Brasil é cheio de burocracia para se abrir uma empresa. De acordo com dados do Banco Mundial, o processo leva até 107 dias. De que forma o Estado poderia facilitar a vida de quem está planejando abrir o próprio negócio?
Já começou a facilitar. Já tem o Simples Nacional e outras coisas que acredito que esse governo vai desburocratizar. Mas, da parte do lado de cá, do empreendedor, a gente não pode esmorecer só porque existe uma burocracia. É tentar contornar e, ao mesmo tempo, exigir mais facilidade de pagamento de impostos, para que haja a liberdade de fazer negócios. São os negócios que vão enriquecer o país, gerar a riqueza da economia da gente.
Há quem acredite que só pode investir na bolsa de valores quem já tem muito dinheiro. O cidadão de classe média também pode pensar em investir?
Pode, sim. Em países desenvolvidos, as pessoas usam a bolsa para fazer a sua poupança. Ou diretamente, ou através de corretoras. E hoje é muito fácil operar em bolsa. O que precisa muito mesmo da pessoa é investir em conhecimento. É fundamental. Porque você pode operar em minimercado, em mercado fracionário, é fácil operar, é acessível. Mas você saber a hora de entrar, de sair, isso requer muito tempo e dedicação.
Para quem tem pouco dinheiro, R$ 10 mil na poupança, por exemplo, vale a pena investir em moeda digital?
Amigos já me perguntaram se eu estava investindo na criptomoeda, e eu falei que não. E nem pretendo, em curto prazo. É algo que não tem regulamentação. O mundo ainda está se descobrindo nisso, não existe um lugar em que você vá estudar, entender o funcionamento. Não dá para saber as regras do jogo, elas ainda estão sendo formadas. E também acho que não adianta se pensar em investimento se você não tem a sua reserva de emergência. Vez por outra você vai ter que trocar de carro, vai ficar doente, precisar de remédio, ou vai precisar ajudar alguém da família. Então, recomendo que a reserva de emergência seja no mínimo seis vezes o valor que você necessita para viver. Exemplo: eu gasto com alimentação, condomínio, transporte… R$ 3 mil por mês. Seis vezes seria R$ 18 mil, um valor que preciso ter numa aplicação conservadora e que, a qualquer momento, posso ir lá e tirar uma parte. A partir dos R$ 18 mil, eu posso começar a pensar onde é que vou investir, a depender também da minha idade. Se a pessoa é mais jovem, pode ser mais agressiva, tentar a bolsa. Se você perde na bolsa ainda jovem, tem muitos anos para recuperar. Mas uma pessoa com 60 anos, que já está pensando em se aposentar, ou já está aposentada, investir em bolsa? Não é recomendável. Se ela perde, tinha lá R$ 100 mil de aposentadoria de reserva, aí perdeu, virou pó, como é que vai recuperar?
É possível sobreviver com um salário mínimo? Quais alternativas pessoas que ganham um salário mínimo têm para construir um pequeno patrimônio em longo prazo?
Não… não dá para viver com um salário mínimo. As pessoas sobrevivem com o salário mínimo. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) disse que deveria ser R$ 3.636, mas não é nem um terço disso aí. Mas é o que digo para as pessoas, independentemente de quanto você ganha, um salário mínimo, dez salários mínimos, a gente deve procurar uma renda extra. Vender alguma coisa, ensinar. É algo que pratico na minha vida. Se acomodar com o que você ganha não é uma boa alternativa. Mas, ao contrário do que se pensa, o brasileiro é muito empreendedor. Vá à praia que você vai ver. As pessoas pensam que precisa ter uma habilidade acadêmica. Mas, não, basta ter criatividade.