Jaime Sodré | Professor universitário, mestre em História da Arte, doutorando em História Social | sodre@atarde.com.br
A bela Jaguaracy tendo os seus cabelos escorridos atribuía este a sua herança indígena, além de utilizar para a sua defesa a expressão tão conhecida na Bahia: “Minha bisavó foi pega a dente de cachorro, por isso eu tenho esta pele morena e este cabelo liso”. E assim, construiu-se o seu nome Jaguaracy, que segundo o Mestre Ary Txay, tem raiz tupy. Mas afinal, que índio ou índia mora em você?
Para auxiliar nesta descoberta chegou a Salvador a magnífica exposição “Os Primeiros Brasileiros”, do Museu Nacional-UFRJ, que propõe uma viagem concreta por uma parte da história do Brasil, onde a presença indígena é assinalada nos mais diversos aspectos, numa abordagem de como estes indígenas nordestinos foram vistos e incorporados ao processo de construção nacional.
A exposição, além da sua qualidade estética, está integrada por cenas alocadas em quatro espaços distintos: o primeiro encontro, o mundo colonial, o mundo indígena e os indígenas no Brasil contemporâneo.
O objetivo da amostra é “estimular o visitante a exercer, perante os índios, um processo de reavaliação efetiva do ‘nós’ e do ‘eles’, que resulte numa postura positiva em relação a estes nossos ancestrais e desperte novos aspectos da sua presença e permanência no espaço brasileiro”. Poderemos, como prova de sabedoria, aproveitar a oportunidade para rever conceitos arraigados, preconceitos cristalizados e simples ignorância atuante até hoje, detectados do senso comum até mesmo na fala de representantes eruditos ou populares.
José Pacheco de Oliveira lembra que “a imagem que se tem do índio permanece... comprometida com o passado... e equiparadas a primitividade”. Logo, necessitando ampliarmos nossa visão, descompromissada com o etnocentrismo.
A questão do tempo nesta exposição assume uma dinâmica dialética e interativa, o que fornece ao visitante um conteúdo marcado pela originalidade. No referente à nomenclatura, “os primeiros brasileiros”, expressão que dá nome a este evento, na verdade seria um anacronismo, como também entende José Pacheco, visto que quando do descobrimento não existiria este Brasil da atualidade. O Brasil que conhecemos, na condição de territorialidade e política, é uma criação do século XIX. Já os fundamentos legítimos de direitos especiais que assistem aos indígenas, hoje brotam do reconhecimento da sua condição de herdeiros, portanto, desfrutando do direito ao bem-estar e a sua identidade indígena. A exposição enfatiza em tão boa hora a pertinente luta dos atuais indígenas por uma cidadania que modele a sua ideia do que é ser índio, atualmente senhor de direitos, respaldado no imaginário de que o índio é “o dono da terra”, detentor de saber e privilegiada cultura material e imaterial. Ainda hoje, visões que beiram a estereótipos correm em paralelo ao desconhecimento da verdadeira história dos nossos antepassados, sua diversidade e saberes.
A terceira parte da exposição nos remete ao universo das atividades materiais e tecnológicas, onde são apresentados objetos e imagens referentes as atividades socioculturais. Neste módulo, nos deparamos com um Brasil mais distante, onde as aldeias e as memórias indígenas e a interlocução com os objetos são realizadas através de imagens e músicas, evitando-se a mediação pela palavra. Apreciaremos também relatos de lideranças femininas indígenas. Remetendo a João Pacheco de Oliveira-Antropólogo e Professor, “A exposição é, assim, um convite ao público urbano para aproximar-se de maneira nova, crítica e participativa da experiência indígena”. Parabenizamos a sua Curadoria, ao Museu Nacional e a equipe do Museu de Antropologia e Etnologia da UFBA comandada pelo Prof. Claudio Pereira. Visite, “Cara Pálida”, até 29 de dezembro de 2016.