O futebol é uma paixão nacional. É difícil resistir-lhe e comigo não tem sido diferente. Até hoje está entre as minhas distrações preferidas assistir a uma partida desse esporte, que nasceu na Inglaterra, mas, como admite também o atual presidente da Fifa, Joseph Blatter, virou arte nos pés dos brasileiros.
Meu prazer nunca se limitou apenas a jogar. Muito pelo contrário. Apreciar e observar a arte, o movimento, as técnicas e as estratégias das disputas futebolísticas também me deleitavam. Isso acabou contribuindo para me tornar um precoce comentarista esportivo. Aos 14 anos, já estava empunhando o microfone da Rádio Cultura de Ilhéus.
O curioso é que o futebol e o rádio acabaram sendo fundamentais na minha vinda para Salvador. Nos anos 1960, cheguei à capital com o objetivo de fazer a então inovadora Faculdade de Geologia da Universidade Federal da Bahia. Os recursos familiares eram parcos e foi a oportunidade de ser um dos cronistas esportivos da Rádio Sociedade que me permitiu a manutenção na cidade, onde me graduei como geólogo.
Até a formatura, consegui dividir os estudos com o prazeroso trabalho de comentarista esportivo. Depois o compromisso profissional com a geologia falou mais alto. Mas nunca deixei de lado o interesse pelo futebol. Ainda hoje, uma parte dos meus finais de semana é absorvida assistindo, além de jogos no Brasil, a partidas dos principais campeonatos estrangeiros, o que me permite antever o que será a Copa deste ano.
E, por falar em Copa do Mundo, a minha expectativa é grande com a realização dela novamente em território brasileiro. Há 64 anos, eu ainda era uma criança quando o fatídico gol do uruguaio Gighia causou a tragédia de 1950 no Maracanã, que calou os 200 mil torcedores presentes e levou milhões de brasileiros às lágrimas.
Naquela época, certamente não fui capaz de avaliar o significado daquele inesperado fracasso do país do futebol. Eu tinha apenas seis anos e morava em Canavieiras. Na memória ainda está clara a lembrança de meu irmão mais velho chorando. Ele ouvia no aparelho radiofônico, sintonizado na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a narração desesperada de Jorge Khoury, o mais famoso narrador esportivo da época.
Nem tive coragem de abrir a revista Esporte Ilustrado que, acreditem, chegava religiosamente todas as segundas-feiras, por meio de aviões que saíam do Rio e faziam escala em Caravelas, Canavieiras e Ilhéus, com destino a Salvador. Inovadora à época, Esporte Ilustrado, no verso da capa e contracapa, trazia ilustrações mostrando os gols dos principais jogos do final de semana. Era uma novidade.
Naquele tempo, o sul da Bahia tinha ligações muito fortes com o Rio de Janeiro. As emissoras cariocas eram captadas com facilidade na região. Era tão comum se acompanhar o campeonato carioca, que, ao lado do clube preferido na Bahia, todos tínhamos outro do Rio. Eu mesmo era Colo-Colo, mas era fascinado pelo Fluminense, cujo escrete reunia craques como Didi, Carlyle, Telê e o goleiro Castilho nos anos 1950.
Voltando à Copa do Mundo. Em 1958, a conquista do primeiro título mundial pelo Brasil, na Suécia, lavou a alma dos brasileiros. Pelé, Garrincha, Nilton Santos, entre outros, iniciaram um ciclo que elevou a seleção canarinho a maior campeã ainda hoje, com cinco títulos mundiais: além de 1958 (Suécia), 1962 (Chile), 1970 (México), 1994 (Estados Unidos) e 2002 (Japão/Coreia).
Será que Neymar fará este ano o papel de Pelé em 1958, iniciando, quem sabe, um novo ciclo vitorioso em nosso futebol? Tomara que este novo ciclo aconteça e venha acompanhado também de uma reforma estrutural na parte extracampo do futebol brasileiro, reconhecidamente ultrapassada e viciada. Os problemas vividos pelo Brasil, especialmente a má qualidade dos serviços públicos oferecidos à população, bem como a frustração pelo atraso de obras que deveriam ser o principal legado da Copa, indignam os brasileiros. Com razão, questionam os gastos públicos no torneio, quando há tanta carência de serviços básicos para a população. Temos que encarar este descontentamento com naturalidade, mas vamos torcer pelo Brasil.