Cristina Santos Pita, da Sucursal Sto. Antônio de Jesus
A mandioca resiste bem às altas temperaturas, exige pouco trato, por isso é tão atrativa para os pequenos produtores do Nordeste brasileiro. As temperaturas altas são fundamentais para um bom rendimento da raiz. Mesmo assim, a ameaça do aquecimento global deixa em alerta os produtores baianos. Se nada for feito para conter o aumento da temperatura, os agricultores temem que esta realidade derrube a produção no Estado, segundo maior produtor do País.
Com o aquecimento global, o cultivo de mandioca, cujos maiores produtores estão concentrados no Recôncavo e semi-árido baianos, pode migrar para o Sul do País e a Amazônia em busca de melhores condições de plantio. O Recôncavo tem grande representatividade com a cultura por ser uma região rica e fértil, portanto a diminuição de área plantada e de produção já preocupa os pequenos produtores frente aos novos desafios que terão em 2020.
Traduzindo em números, a perda de área da mandioca deve ser de 3,1%, com um prejuízo de R$ 137 milhões já em 2020 ocasionado pelo aumento do calor. Nas décadas seguintes, a situação melhora para a raiz, que encontrará áreas mais favoráveis no Sul do País por conta da redução do risco de geada e na Amazônia, pela diminuição do excedente hídrico. O aumento da área apta começa com 7,29% em 2050, chegando a 16,61% em 2070. O avanço da área chega a 13,49% a mais em 2050 e 21,26% em 2070, com ganhos de R$ 589 milhões a R$ 929 milhões.
A mandioca (Manihot esculenta Crantz) não sairá perdendo com o aquecimento global, segundo as projeções dos pesquisadores. Por outro lado, o Nordeste poderá até deixar de produzir. A Bahia é o segundo produtor nacional da cultura, com quatro milhões de toneladas. Uma produtividade média de 12 toneladas por hectare e uma área plantada de 400 mil hectares, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2007. É cultivada em todos os municípios, principalmente por pequenos produtores e envolve predominantemente a mão-de-obra familiar.
Temendo pelos prejuízos de área cultivada e queda na produção, alguns agricultores começam a planejar a cultura para o aquecimento global, diminuindo os riscos, como por exemplo, evitando o desmatamento e protegendo as nascentes. É o que já estão fazendo os produtores das comunidades rurais do município de Santo Antônio de Jesus (a 185 km de Salvador).
Segundo o presidente da Associação Rural dos Pequenos Agricultores da Sapucaia e Região, Ivan de Jesus, as nascentes localizadas na zona rural estão, na maioria, secando rapidamente. “Isso nos preocupa porque, com água dos poços artesianos acessível a todas as comunidades, as nascentes foram desprezadas. Vamos começar o plantio de árvores frutíferas como caju, ingá, açaí e cajá para protegê-las”, garantiu.
O agricultor Agnaldo Souza de França herdou a roça de mandioca do avô na localidade da Joeirana. São 2,5 hectares de área plantada. Além do cultivo, beneficia a raiz na casa de farinha da família e vende nos mercados. A idéia de deixar de plantar mandioca assustou o agricultor. “O aquecimento global não pode ser enfrentado só por nós, mas também pelos governos, ONGs e autoridades. Toda minha família trabalha no cultivo da mandioca, que é a principal cultura que temos aqui e nossa fonte de renda e alimento”.
As casas de farinha são tradicionais no interior do Estado. A transformação da mandioca em farinha é feita de forma artesanal. É uma fonte de renda importante para as famílias. Perto da Joeirana, na localidade de Sapucaia, a agricultora Marinalva Santos de Santana, diz não saber o que plantar para substituir a mandioca. “Vai ser difícil, pois vivemos da mandioca. Se deixar de cultivar, morremos de fome. Por isso, a gente já está plantando outras árvores para não ter desmatamento e também ajudar as nascentes que estão morrendo”.
Considerada a raiz do Brasil, a mandioca também é alvo de estudos e pesquisas na área alimentar, por isso tem ampliado seus usos como importante alternativa alimentar. Para o pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura e estudioso quando o assunto é mandioca, Joselito Motta, a situação é “alarmante”. Ele diz que não encontra outra cultura que possa substituir a mandioca na região. “Se tirarem esse suplemento alimentar da vida dos agricultores será um prejuízo inestimável e não vamos encontrar substituto. Será como tirar o pão da boca dos pobres, principalmente a farinha. A mandioca tem importância desde o desbravamento do País”, lamentou.
Alerta Geral – De acordo com o pesquisador em mudanças climáticas global da Embrapa Informática Agropecuária, de Campinas (SP), Giampaolo Queiroz Pellegrino, é preciso começar a reverter o quadro agora. “A idéia do estudo é de alertar para começar a nos adaptar desde já as mudanças que possam ocorrer. A intenção é não deixar chegar a essas projeções, mas se preparar para um cenário futuro que pode acontecer se não tomarmos algumas medidas”, alertou.
Saída para a mandioca - A alternativa para os agricultores do Nordeste, segundo Pellegrino, seria uma adaptação no manejo ou genética da cultura. Para ele, a mais simples seria o manejo visando melhorar as condições hídricas do solo para aumentar a capacidade de reter água. “São várias alternativas, como também incorporar matéria orgânica, a rotação da cultura, aprofundamento do solo o integração pecuária e lavoura. A adaptação mais barata e simples é o manejo do solo”, orientou Giampaolo Pellegrino. Além dessas opções, o pesquisador destacou a busca de novas espécies, através da diversidade local, que possa ter uma base genética que possa ser aproveitada.
Os efeitos das mudanças climáticas são ambientais, econômicas e sociais para o País e as regiões atingidas, como o Nordeste. “Um dos efeitos sociais são os refugiados climáticos. Se acontecer a falta de opção no Nordeste e as ações não forem feitas agora, pode haver desemprego, as casas de farinha fecharão e as pessoas terão que sair de suas regiões, mas não podemos chegar a isso. A intenção é alertar sobre os riscos e começar a mitigar seus efeitos”, finalizou Giampaolo Pellegrino, que participou dos estudos sobre o “Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira”.