A polícia está filmando e fotografando pessoas identificadas como "lideranças"
Policiais militares da Bahia se infiltraram nas redes sociais depois das manifestações nacionais nas últimas semanas, e estão participando clandestinamente de reuniões dos grupos que organizaram as passeatas na Bahia, na semana passada, filmando e fotografando pessoas identificadas como "lideranças".
A revelação foi feita em entrevista por um capitão da PM baiana há duas semanas na Academia da Polícia Militar, onde acontecem os cursos de formação para policiais civis e militares para a Copa de 2014. Embora afirme considerar esse tipo de operação "normal", o oficial pediu para que seu nome não fosse revelado pela reportagem por temer punições do comando da corporação. As informações foram confirmadas e detalhadas nesta quinta, 27, dessa vez em entrevista realizada por telefone.
Segundo o capitão, o acompanhamento dos movimentos pela Coordenadoria de Missões Especiais (CME), a central de inteligência da PM, na Bahia, começou a ser realizado antes mesmo do primeiro protesto em Salvador, dia 17 de junho. A essa altura, as manifestações já eclodiam pelo país, e a inteligência da PM passou a vigiar a troca de informações pelo Twitter e, principalmente, pelo Facebook. Agentes criaram perfis falsos e se inseriram em comunidades com objetivo de obter informações sobre os eventos marcados, os locais das reuniões preparatórias, o trajeto das passeatas e para identificar os possíveis líderes.
"A gente busca saber quem é o líder, porque se ele for neutralizado o movimento perde a cabeça. Isso é estratégia militar para qualquer situação do gênero: a gente identifica para ter noção de espaço, coordenação, de norte", explica o oficial da PM.
Nos protestos desta quinta, diz ele, os líderes não se apresentam, o que dificulta a atuação da PM. "A gente busca informações até para subsidiar as negociações, mas há uma certa dificuldade. O perfil do líder pode surgir tanto nos comentários nas redes como nas reuniões. Monitoramos também as pessoas que estão à sua volta, porque é normal, se algo acontecer com aquele líder, ter um outro para assumir. Tem que identificar a segunda cabeça e verificar se tem uma organização pensante", diz.
Outros alvos de atenção são definidos através de "bandeiras sociais", "dos partidos políticos" a que pertencem e pela atitude dos manifestantes, "se as pessoas estão escondendo o rosto, ou se declaradamente se apresentam e como agem", detalha.
Com os dados e fotos levantados pelos infiltrados, um grupo específico de policiais, via de regra oficiais da PM, faz a "análise técnica" para planejar as ações na hora do conflito, ele explica: "Hoje no Brasil não existe possibilidade de prisão para averiguação. Então, o que fazemos é dar corda para essas pessoas que identificamos como suspeitas. O infiltrado sugere algo, a liderança não acata, pode também incitar atos. A ideia é esperar que ela cometa ações previstas em lei, como incitação à violência, ou outros atos criminosos, gravar e ter, com isso, respaldo jurídico para a sua responsabilização", afirma o capitão.
Apesar do monitoramento, o oficial da PM diz que também eles foram surpreendidos nas últimas manifestações. "Pessoas atiraram coquetéis molotov contra os policiais. A gente não tem como prever, como dizer, que 'esse grupo é radical, então vamos descer madeira' (partir para o confronto), mas também é muito raro que a gente identifique a liderança na hora do conflito. Normalmente, fazemos isso antes, mas nem sempre esse tipo de radical se manifesta nas redes ou nas reuniões".
A Polícia Militar prendeu dezenas de pessoas nas últimas manifestações em Salvador durante a Copa das Confederações. A primeira, do dia 17/06, convocada pelo Movimento Passe Livre foi mais branda. Mas a partir do segundo dia de protestos, em 20 de junho, data do jogo Uruguai e Nigéria, os confrontos se intensificaram, principalmente em Campo Grande e no entorno da Arena Fonte Nova. Dois dias depois, houve mais violência em Campo Grande, Vale dos Barris e Iguatemi (Avenida Paralela), no centro financeiro da cidade.
Dezenas de pessoas foram atendidas em hospitais intoxicadas com gás lacrimogêneo, feridas por balas de borrachas e até com fratura nas pernas. Entre os feridos, vários jornalistas. Três PMs forçaram ainda o fotógrafo de um jornal local a apagar as fotos do conflito. Os abusos estão sendo investigados pelo Ministério Público Estadual da Bahia.