Bruno Luiz Santos e Roberto Aguiar | Fotos: Raul Spinassé e Joá Souza | Ag.A TARDE
A má conservação dificulta o acesso
“Mãe, nunca mais fiz dever da escola. Quando vou fazer? Eu gosto”, diz o menino Michael à mãe Maísa Correia, 32 anos. Há um mês, os estudantes do povoado de Mangabeira, localizado em Candeias – cidade da região metropolitana de Salvador (RMS) – não assistem às aulas regularmente. As péssimas condições da única estrada da região têm impedido que alunos e professores cheguem às escolas.
No último dia 13, um caminhão que presta serviços à Petrobras ficou atolado no meio da estrada, impedindo a passagem de outros veículos. Nossa equipe de reportagem conseguiu chegar até a Escola Municipal Benito Sarno, mas a unidade educacional estava vazia, com os portões trancados com cadeados. Mais um dia sem aula.Retornamos no dia 17.
A comunidade realizava um protesto por melhorias da estrada. Revoltados com a situação, pais e estudantes resolveram aderir à mobilização. “É mais um dia sem aula, mas precisamos fazer alguma coisa. Não podemos ficar de braços cruzados. Meus filhos estão aqui esperando o transporte escolar desde 7h. Vamos nos juntar com o povo que tá protestando”, afirmou a dona de casa Maria de Araújo, 37 anos, enquanto caminhava na estrada de chão com os quatro filhos estudantes, vestidos com o uniforme da rede municipal de ensino.
Cerca de 80 alunos da região não estão conseguindo chegar às escolas. A adolescente Raquel Correia, 13 anos, estudante do 7º ano do ensino fundamental, perdeu as avaliações finais. “Assim como eu, tem vários outros alunos que também não fizeram as provas. Os pais terão que ir conversar com a diretora para saber como resolver a nossa situação. Isso não pode ficar assim”, questiona a estudante.
O Povoado de Mangabeira está localizado a 25 km do centro de Candeias. São 15 km de estrada de chão que liga o povoado à BR-324. Nesta região, estão localizados vários poços de extração de petróleo da Petrobras. A via é bastante movimentada por caminhões e sondas de perfuração. A comunidade exige que a empresa petroleira ajude na manutenção da estrada. No dia do protesto, os moradores impediram a saída de uma sonda de perfuração. Representantes da Petrobras se reuniram com uma comissão de moradores para buscar saídas para resolver o problema.
Por nota enviada ao A TARDE, a Petrobras se limitou a ressaltar que a estrada que possibilita o acesso à comunidade de Mangabeira é pública, e que a pavimentação e manutenção da via são de responsabilidade do poder público local. “A companhia tem mantido contato ativo com a comunidade e prefeitura municipal de Candeias, em busca de solução que garanta segurança às pessoas e às operações”, diz a estatal.
Enquanto a petroleira coloca a culpa na prefeitura, o prefeito da cidade, Dr. Pitágoras (PP), acusa a empresa de ser a principal responsável pelas más condições da estrada, pois a via é usada por veículos pesados como caminho para acesso aos poços de extração. De acordo com ele, a Petrobras não se preocupa em trazer nenhum benefício para o município, mesmo explorando o petróleo de lá.
“Eles são incapazes de dar algum beneficiamento para a área. Conversamos com a Petrobras para fazermos uma parceria, mas ela não concordou. Sempre cobramos, mas eles nunca tiveram comprometimento”, reclama o prefeito.
Dr. Pitágoras afirma também que a prefeitura não tem condições de arcar com os custos de 15 km de pavimentação, principalmente pelo fato de a comunidade ter população pequena. Ele assegurou, no entanto, que os reparos na estrada são feitos periodicamente.
“Estamos tentando meios de resolver isso”, diz. Questionado sobre quando o problema seria solucionado, o prefeito não fixou prazo.
Sobre o fato de alunos terem perdido provas pela impossibilidade de frequentar aulas, o secretário municipal de Educação, Cássio Bordoni, pondera que eles poderão fazer segunda chamada das avaliações. Alega também que a situação na comunidade de Mangabeira é “pontual”.
Dificuldades
A estrada degradada e, por vezes, intransitável é representativa de como a educação de qualidade não depende apenas do ensino.
Com problemas na estrutura de escolas [ver texto ao lado] e população “carente”, segundo o prefeito, Candeias tem taxa de evasão escolar considerável, altas taxas de reprovação e números que alarmam no quesito distorção idade-série, que mede o atraso escolar de alunos (ver quadro ao lado).
A TARDE não encontrou problemas com a merenda escolar.
Para Cássio Bordoni, a raiz dos números deficitários na educação da cidade está na evasão escolar. Ele defende que o modelo de ensino praticado no Brasil não é capaz de fomentar a permanência dos alunos no ambiente escolar.
“Essa alta reprovação é explicada, principalmente, por conta da evasão escolar. A gente entende que é preciso mudar a educação. Se eu marcar amanhã uma aula no Pelourinho, vai ter evasão? Claro que não. A gente precisa mudar o tipo de aula”, discorre. “Mas, para mudar o tipo de aula, a gente precisa mudar o tipo de escola, o tipo de projeto, os tipos de diretrizes curriculares e os tipos de professor. E, para isso, é preciso formação continuada”, defende o gestor.
Ainda de acordo com ele, a escola precisa suprir atualmente necessidades que vão além da formação intelectual – e não está preparada para isso.
“A gente tem hoje uma educação bancária. Os pais chegam e depositam os alunos. Não precisamos dar conta apenas da questão cognitiva, mas dos aspectos emocionais, psicológicos, econômicos e financeiros”, A escola precisa fazer frente a essas demandas externas do aluno”, critica.
ESTAMOS DE OLHO
Desde 16 de junho, A TARDE está de volta com o projeto “Olhar Cidadão”, que, nesta segunda fase, traz matérias sobre a gestão de recursos da educação em municípios baianos. A primeira delas, que abordou a situação na cidade de Pilão Arcado, revelou que a cidade convive com vários problemas na área. Alvo da Operação Offerus, investigação da Polícia Federal sobre desvios no transporte escolar, o município continua transportando alunos de maneira irregular, em veículos que se assemelham ao “pau de arara”. Além disso, a falta de estrutura de escolas prejudica alunos. A TARDE seguirá apurando a situação da educação pública nos municípios, os processos licitatórios e o teor dos contratos com a iniciativa privada.
Sem transporte, população usa ônibus escolares
Dois ônibus escolares são utilizados para transportar os estudantes, mas a comunidade também faz uso dos veículos. “Uso porque não tenho outro meio. Se não, tenho que caminhar a pé os 12 km até a BR-324, como estou fazendo hoje. Mas é muito cansativo”, disse a agricultora Maria Eulália, 52 anos.
Os moradores reclamam da falta de serviços públicos no Povoado Mangabeira. “Aqui não temos posto de saúde, não tem ambulância e nem transporte público. A prefeitura fala que é ilegal a gente usar o transporte escolar, mas ilegal é deixar a comunidade sem transporte público. O povo usa o transporte escolar porque não tem outra opção. A culpa não é da população, a culpa é do poder público, que deixa a gente nessa situação”, reclamou a dona de casa Noélia Sales, 39 anos.
“Nenhuma empresa quer colocar transporte para cá. Mas quem tem coragem de colocar veículos para rodar em uma estrada como essa? Ninguém quer. Os que ficam aqui isolados, sem nenhum serviço público, somos nós. Temos mesmo que protestar”, completou.
Resistência
Pela distância do povoado para o centro, as cooperativas responsáveis pelo transporte público em Candeias se negam a colocar ônibus para servir os moradores da região, segundo o prefeito, Dr. Pitágoras. Ao
A TARDE, ele prometeu que vai chamar quem cuida do serviço para “sensibilizá-los” da necessidade de estender a frota ao local. Para reforçar o transporte escolar, a prefeitura adiquiriu 13 novos ônibus.
Escolas sofrem com pouca estrutura
Quem olha o prédio de fora não diz que se trata de uma escola pública. O muro todo deteriorado, fiações elétricas à mostra, sequer há uma placa ou pintura com o nome da instituição educacional.
“A escola está um horror. Tem cobra, pombo e está cheia de mato. Total abandono.
A prefeitura precisa reformar isso urgentemente. As crianças precisam de uma escola melhor”, defendeu Tânia de Oliveira, 54 anos, que tinha ido buscar a neta na Escola Municipal São João Batista.
A diretora da escola não permitiu a entrada da nossa equipe de reportagem, mas algumas mães, que participavam de uma reunião no local, denunciaram a precária situação do educandário.
“O banheiro é uma vergonha, não tem pia não tem nada. As paredes estão caindo, uma sala já desabou e até hoje não foi reconstruída. A quadra esportiva está abandonada, não é mais utilizada”, relatou Gilvanilde de Lima, 35 anos, mãe do estudante Carlos Henrique, 7 anos.
A situação não é muito diferente no Centro Educacional Iêda Barradas Carneiro, que tem 372 alunos matriculados, nos turnos da manhã e da tarde, do 1º ao 9º do fundamental: paredes sujas, pichadas e cheias de cupim. Sala de informática e biblioteca não funcionam.
“Apresentamos um relatório à secretaria municipal com todos os problemas estruturais da escola. O secretário veio nos visitar e informou que está sendo encaminhado nosso pedido de reforma. Todas as escolas têm seus problemas, estamos buscando as soluções”, informou Geovanice de Lima, 58 anos, vice-diretora do Centro Educacional Iêda Barradas Carneiro.
Escola trancada por falta de condições de funcionar
Reestruturação
O secretário de Educação de Candeias, Cássio Bordoni, informou que a escola São João Batista será requalificada para se tornar um centro de educação infantil. Já a escola Iêda Barradas passará por reforma.
Ainda de acordo com o titular da Seduc, outras unidades serão alvo de uma reestruturação na rede de ensino, que deve culminar no fechamento de escolas e construção e requalificação de outras.
“Muitas escolas que temos são em casas alugadas. Vamos fechar essas, construir algumas e reestruturar outras para que possamos ter uma estrutura melhor”, explica.
De acordo com a prefeitura, o objetivo é que cada bairro do município tenha, pelo menos, duas escolas.