Jane Fernndes | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE
Segundo estudo, Baía de Todos-os-Santos tem aumento de temperatura e queda de umidade
Aumento progressivo da temperatura e queda contínua da umidade na Baía de Todos-os-Santos (BTS) foram identificados pelo oceanógrafo Rafael Mariani na dissertação de mestrado Tendências Climáticas Regionais e Variabilidade do Campo de Salinidade da Baía de Todos-os-Santos. Desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Geofísica, do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o trabalho teve orientação do professor Guilherme Lessa.
O estudo realizado pelo oceanógrafo aponta tendências de redução do volume de água dos afluentes desaguando na BTS, além da diminuição dos índices de chuva, com aumento na salinidade das águas da baía. “O clima regional está se tornando mais árido, menos úmido”, comenta Mariani.
De acordo com dados da Agência Nacional de Águas (ANA), os rios Paraguaçu, Jaguaripe e Subaé, que são os três principais afluentes à Baía de Todos-os-Santos, apresentaram quedas significativas na vazão média anual.
Lembrando que o Paraguaçu é o maior rio genuinamente baiano que deságua na BTS, e que responde por cerca de 60% do abastecimento da região metropolitana de Salvador, o oceanógrafo aponta que a vazão do rio teve redução de 62%. Os números da ANA apontam que o Jaguaripe e o Subaé tiveram quedas de 72% e 24%, respectivamente, quanto aos valores de referência de longo prazo.
Chuvas
Partindo dos dados meteorológicos das estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Alagoinhas, Cruz das Almas, Feira de Santana e Salvador; além das estações pluviométricas complementares da ANA (Muritiba, São Félix e Feira de Santana), também foi observada uma redução nas chuvas. O volume anual caiu 24% na capital baiana, 29% em Cruz das Almas e 50% em Feira de Santana.
Outra mudança observada no estudo feito por Mariani foi o aumento de 0,75 grau centígrado na temperatura média do ar regional, especialmente das temperaturas máximas do ar. Na capital baiana, essa elevação chegou a 1,25° C.
O oceanógrafo comenta que esse cenário está relacionado à tendência de aquecimento global registrada desde o início do século XIX. “O Nordeste todo está sofrendo esse processo de aquecimento”, reforça.
Chuvas
Com a redução do aporte fluvial oriundo dos afluentes, e a queda nos índices pluviométricos, consequentemente a Baía de Todos-os-Santos recebe um volume menor de água doce, resultando em uma menor diluição da concentração salina. O aumento da salinidade ainda é favorecido pela alta da evaporação, gerada pela elevação da temperatura.
Conforme estimado no trabalho desenvolvido por Mariani, o campo de salinidade superficial da Baía de Todos-os-Santos aumentou, em média, 1,0 g/kg por ano. Esse crescimento progressivo levou à hipersalinidade, a partir da década de 1990, período no qual a BTS tornou-se mais salina do que o oceano adjacente.
O valor foi encontrado com a aplicação de um modelo de múltipla regressão criado e validado pelo oceanógrafo, por meio do qual utilizou os dados de aporte hídrico e temperatura do ar da região para estimar a salinidade da baía nas últimas cinco ou seis décadas.
Chuvas
O clima mais árido favorece o aumento da salinidade da BTS porque falta água doce para diluir a concentração de sal e a temperatura alta também favorece a evaporação da água do mar. Mariani explica que uma das consequências dessa elevação é o enfraquecimento do processo chamado de circulação gravitacional da baía.
Essa circulação é regida pela diferença de densidade das águas entre a baía e o oceano e em linhas gerais funciona com a saída de águas menos densas, logo menos salinas, pela superfície da BTS e a entrada de águas mais densas e mais salinas pelo fundo da baía.
“É um mecanismo de renovação, gerado exatamente pela entrada de água doce”, acrescenta Mariani. Ele ressalta, ainda, que o movimento das marés não é suficiente para renovar a água da BTS.
De acordo com o oceanógrafo, a redução da circulação gravitacional interfere no transporte de organismos e materiais em suspensão e pode impactar na qualidade da água. “Essa circulação diminui o tempo de permanência de materiais e substâncias na Baía de Todos-os-Santos, é a circulação que ‘lava’ a baía”, reforça o pesquisador.
Mariani acrescenta que a redução da vazão dos rios resulta em menor quantidade de nutrientes chegando à baía, o que afeta a base da cadeia alimentar marinha e organismos como os plânctons. Além disso, a hipersalinidade na BTS pode gerar mortandade de algumas espécies marinhas.
Ações humanas modificam clima
O oceanógrafo Rafael Mariani atribui a situação climática constatada na dissertação a ações humanas como o desmatamento e o aumento exacerbado da emissão de gás carbônico (CO2). Ele explica que a diminuição da cobertura vegetal reduz também a evapotranspiração, que é o processo pelo qual as plantas lançam umidade na atmosfera, e a queda na evapotranspiração influencia na redução da chuva regional.
Mariani relaciona as emissões de CO2 com o aumento contínuo da temperatura global, impactando nos padrões de circulação atmosférica de larga escala, logo interferindo no regime de chuvas e vazão dos rios.
Questionado sobre as possibilidades de deter esse processo progressivo de aridificação do clima na região da Baía de Todos-os-Santos e do grau de salinidade de suas águas, o oceanógrafo pondera que é bastante complexo.
Ressaltando que as mudanças climáticas são uma realidade na nossa região, ele defende a necessidade de investimento na popularização do conhecimento científico, além da adoção de políticas públicas que busquem soluções sustentáveis.
Artigos
A dissertação Tendências Climáticas Regionais e Variabilidade do Campo de Salinidade da Baía de Todos-os-Santos resultou na produção de dois artigos sobre o impacto do clima na baía, assinadas por Mariani e seu orientador, o professor Guilherme Lessa.
Variability of the thermohaline field in a large tropical, well-mixed estuary: the influence of an extreme draught event é o nome do artigo aceito pela revista americana Estuaries and Coasts. O segundo texto resultante do mestrado está em revisão pela revista americana Estuarine, Coastal and Shelf Science, aguardando confirmação sobre publicação.
Ao longo do trabalho, Mariani utilizou dados de mais de cinco décadas de monitoramento do aporte hídrico fluvial e pluvial, e também da temperatura do ar regional; sete anos de simulação por modelagem numérica da Baía de Todos-os-Santos (BTS) e da plataforma oceânica; e realizou observações do campo de salinidade da baía por três anos.
Os dados oceanográficos foram do projeto de monitoramento da BTS do Instituto Kirimurê - Fapesb (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia).
Todas essas informações foram utilizadas para estimar as condições passadas da salinidade média da baía, que está entre as maiores do mundo, com área de 1.233 quilômetros quadrados.