Municípios continuam a despejar resíduos a céu aberto | Foto: Adelmo Borges | Ag. A TARDE
Os municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, que possuem plano intermunicipal de resíduos sólidos, têm até este ano para acabar com seus lixões e passar a descartar resíduos sólidos em aterros sanitários, como determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10). Os de 50 mil habitantes, por sua vez, têm até o próximo ano.
Na região da Costa do Descobrimento, no extremo sul do estado, as cidades de menor porte estão longe de fazer cumprir o que diz a lei. E aqueles com o maior número de habitantes continuam a despejar os rejeitos a céu aberto.
Cenário de outros municípios, como mostrou um levantamento feito pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Sedur), é igual. Apenas 43 cidades baianas têm aterro sanitário. Alegando falta de orçamento para acabar com o problema, prefeitos brasileiros apelam para um novo prazo, que pode ser dado se um texto-base com novas regras for aprovado no Senado.
Porto Seguro
Durante todo o dia, 30 caminhões cortam uma estrada de chão do distrito de Agrovila, à margem da Rodovia Joel Mares (BR-307), em Porto Seguro, extremo-sul do estado.
Os veículos, com a capacidade média para carregar nove toneladas de resíduos sólidos, têm como destino o lixão da cidade.
Chegam por lá apinhados de materiais descartados pelos hotéis, restaurantes e residências do município que possui cerca de 148 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019), além de uma circulação de turistas que chega até um milhão por ano, lhe garantindo o título de segunda cidade mais procurada no estado.
Garoto com doença respiratória tem mal agravado em Porto Seguro
Estima-se que no espaço seja despejado cerca de 150 mil quilos de lixo por dia, de acordo com catadores. Desse total, apenas 20% do material descartado é reciclado por cerca de 40 pessoas que dão conta de separar o cobre, as garrafas pets e as latinhas.
O restante, quando não soterrado por tratores, queima por chamas ininterruptas produzidas pelos gases liberados a partir do processo de decomposição do lixo. As explosões, provocadas pelo gás metano, também são comuns.
Alguns dos recicladores já abandonaram o trabalho durante o dia devido a quantidade de fumaça que dificulta a respiração e causa eventuais tonturas em quem precisa lidar diretamente com a reciclagem.
A catadora Adelane Novaes, 28 anos, por exemplo, chega ao lixão depois que o sol se põe, momento que, explica, a fumaça e o calor provocado pelo fogo já não lhe incomodam tanto. Lá, o trabalho se arrasta durante toda a madrugada.
“Trabalho há quatro anos no lixão, mas há cerca de um eu desisti do dia. Nós vivemos do que conseguimos lá, mas a fumaça, muitas vezes, não nos deixa trabalhar. Se permaneço por muito tempo acabo ficando com falta de ar”, reclama.
Fumaça
A queima do lixo, inclusive, se tornou um problema que afeta as famílias que vivem próximas do lixão. Moradores da Agrovila relataram ao A TARDE que a fumaça nas primeiras horas da manhã chega até BR-307, criando uma espécie de névoa.
Mas o fumaceiro tóxico tem o poder de chegar mais longe. Quem transita pela Estrada de Trancoso (BA-001) em direção ao Vale Verde, distrito de Porto Seguro, consegue ver, durante todo o caminho, a fumaça vinda do lixão.
No pequeno lugar de casas modestas, quem mais sofre são as crianças e os mais idosos, sobretudo aqueles que convivem com problemas respiratórios que se complicam nos dias em que a fumaça é mais densa. Mesmo localizando-se a cerca de 5 km do lixão, moradores se dizem incomodados com a combustão.
O pequeno João Emanuel Marques, 9 anos, tem constantes crises de asma. Os pais atribuem o agravo da doença respiratória à fumaça. “A noite, quando o vento muda de direção, a fumaça fica pior. Meu filho precisa usar a ‘bombinha’ todos os dias. Não é apenas ele que sofre com isso, há mais crianças e idosos prejudicados”, reclama o vigilante Daniel Marques, 36 anos.
Eunápolis
Se a fumaça é motivo de preocupação dos moradores de Porto Seguro, a quantidade de moscas oriundas do lixão, a menos de 2 km do bairro Nacional, em Eunápolis, é a maior queixa da população.
Num espaço de cerca de 140 mil m², dezenas de caminhões da prefeitura e empresas da região fazem o depósito sem qualquer tipo de tratamento. Ali, segundo moradores, há descarte de animais mortos feito por uma empresa de produção avícola.
E o mau cheiro chega a ser insuportável. “Um cheiro horrível que ninguém aguenta. Quando a situação está muito feia, eles trazem uma máquina, abrem um buraco e enterram tudo”, disse uma moradora que preferiu não se identificar.
A quantidade de insetos que invadem as casas é tão grande que proprietários utilizam com frequência inseticidas para tentar amenizar o problema.
“São muitas moscas. Não podemos comer direito. Temos que utilizar veneno todos os dias. Só assim para aguentar”, relatou o técnico Romário Cardoso, 25 anos.
No local, o Ministério Público do Trabalho (MPT-BA), durante uma operação feita em 2015, encontrou crianças trabalhando. No final do mês passado, um corpo de uma mulher foi encontrado no local.
Itabela
Já em Itabela, o lixão está entre vários pequenos vales, instalado nas proximidades do bairro Ouro Verde. O depósito irregular, de acordo com moradores, afeta sobretudo a nascente do rio dos Frades.
Sem saneamento básico, é comum ver caminhões “limpa-fossa” se deslocando até o local onde homens e mulheres reviram o lixo sem nenhum equipamento que lhes deem o mínimo de segurança.
Caminhão descarta lixo em espaço irregular na cidade de Itabela
“Durante todo o dia caminhões cheios de lixo passam para lixão. O mau cheiro e as moscas são os principais problemas que nós moradores sentimos”, disse a agricultora Edith Neves, 61 anos.
Santa Cruz Cabrália
Uma estrada de chão sinuosa de cerca de 200 metros leva até o lixão da cidade de Santa Cruz Cabrália, no limite entre a zona rural e urbana do município, nas proximidades do bairro Tânia.
Via de acesso ao lixão em Santa Cruz Cabrália é repleta de dejetos
Durante todo o trajeto até chegar ao espaço onde é despejado o lixo, é possível ver que boa parte dos resíduos fica encostada à margem do trecho.
No local, a equipe de reportagem de A TARDE flagrou cinco crianças andando em meio à sujeira. Cenas assim são comuns, de acordo com moradores.
PROPOSTA VISA ATERRO QUE ATENDA À DEMANDA DE OITO MUNICÍPIOS
Seguro e Eunápolis, para viabilizar o plano que pode ajudar a pôr fim ao problema do descarte irregular de lixo.
Essa tem sido uma alternativa utilizada em todo o país para baratear custos de ações que melhorem o saneamento básico.
Na Bahia, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), existem nove associações desse tipo.
Agora, ainda de acordo com o ambientalista, cabe aos prefeitos e secretários de meio ambiente dos municípios planejar e cumprir a legislação.
“O problema é que estamos sempre prorrogando esse prazo. Mas já demos passos importantes. Podemos destacar com um ponto positivo, por exemplo, o reconhecimento das pessoas que trabalham com material reciclável. Eles já não são mais invisíveis em nenhum dos municípios”, destacou.
Recuo
Embora todas as cidades tenham que cumprir a lei, o ambientalista lembra que nem sempre é interessante para os gestores acabarem com os lixões, um vez que muitos donos de empresas que fazem a limpeza pública são grandes financiadores de campanhas eleitorais dos prefeitos.
“Os municípios, de um modo geral, não têm nenhum interesse em atender a essa demanda que acaba com o problema, porque teriam que diminuir uma fonte de receita dos seus apoiadores”, completa.
Penalidades
Os prefeitos que não cumprirem com os prazos, de acordo com a lei, podem sofrer diversas punições, podendo responder de forma cível ou criminal por crimes contra o meio ambiente, além de sanções administrativas, chegando até a ficar inelegíveis pelas próximas eleições.
A reportagem de A TARDE entrou em contato com a prefeitura de Porto Seguro, mas a Secretaria de Meio Ambiente do município não se posicionou até o fechamento desta edição.
Já a Secretaria de Meio Ambiente e Agricultura de Eunápolis informou que, por estar enfrentando uma transição de cargos na pasta, não iria comentar o assunto, uma vez que o ex-secretário Pedro Vailant havia sido exonerado recentemente.
Já a pasta de Itabela não atendeu às ligações. A equipe não conseguiu entrar em contato com os gestores de Santa Cruz Cabrália.