Olívia Santana pontuou que a mudança da realidade passa pelas estruturas de poder | Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE
Após o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, por seguranças no supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, a deputada estadual Olívia Santana (PCdoB) e a advogada, fundadora do projeto TamoJuntas e eleita vereadora pela candidatura coletiva “Pretas por Salvador”, Laina Crisóstomo, comentaram sobre o caso, pontuando o problema do racismo estrutural no Brasil.
“O Carrefour precisa ser institucionalmente responsabilizado. Precisamos que mecanismos legais sejam acionados para que empresas envolvidas em casos de violência racista respondam por esses crimes”, declarou Olívia Santana, afirmando que o sistema é implacável contra pessoas negras. “A luta contra o racismo não interessa apenas a nós, negras e negros, mas interessa ao Brasil. O país precisa se resolver em relação a essa questão, que nos perturba até os dias atuais. Em pleno século XXI, ainda temos que conviver com o racismo, com a morte de pessoas negras, de forma brutal, em um país que teve mais de 350 anos de relações escravocratas e coloniais”, completou a deputada.
A advogada Laina Crisóstomo pontuou que o propósito é seguir fazendo o enfrentamento e que é necessário fazer boicote ao Carrefour, além de fazer valer a Lei 7.716, que trata do racismo no Brasil. Segundo Laina, a lei não tem sido feita valer, pois muitas vezes os crimes são enquadrados como injúria racial e não como racismo.
“A gente tem um processo histórico de colonização e exploração dos povos nesse país. O racismo é estruturante no Brasil. A gente precisa muito combater essa perspectiva do estado colonial que naturaliza atitudes como essa. A gente precisa falar sobre o que é a polícia, e o que tem sido o sistema de segurança. Esse não é o primeiro caso em supermercado ou em lojas de departamento, em que os nossos corpos são violentados”, afirmou a advogada, denunciando que não é a primeira vez que o Carrefour se envolve em episódios de violência.
Em 2009, seguranças da rede de hipermercados agrediram o vigia e técnico em eletrônica Januário Alves de Santana, 39 anos, no estacionamento de uma unidade em Osasco, onde ele foi acusado de roubar o próprio carro. Já em outubro de 2018, funcionários da empresa, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, agrediram Luís Carlos Gomes, por ele ter aberto uma lata de cerveja no estabelecimento. Surpreendido, o cliente afirmou que pagaria pelo item, mas mesmo assim foi perseguido pelo gerente e segurança, e em seguida encurralado em um banheiro, onde foi agredido com um mata-leão. Além dos casos de racismo, outros episódios de violência envolvem o Carrefour, como o caso de um cachorro envenenado e espancado, o corpo ignorado de um homem que faleceu no estabelecimento, e controle de idas de funcionários ao banheiro.
“Todo mundo acredita que existe o racismo, mas não que existe o racista. A gente tem um problema muito sério que é a ideia de que os corpos negros precisam ser controlados, encarcerados, acorrentados. Os nossos corpos não são livres, acho que isso tem a ver com esse processo histórico, ainda não houve uma reparação nesse sentido”, disse Laina.
Autoridades
Comentando sobre a fala do vice-presidente Hamilton Mourão, que enfatizou nesta sexta-feira, 20, que não existe racismo no Brasil, Laina Crisóstomo explicou que as autoridades têm um papel fundamental na resolução do problema do racismo. Ela ainda pontuou que os crimes de ódio se intensificaram no período do governo Bolsonaro, pois, segundo a advogada, é um processo de avanço do fascismo, que tem a tentativa de desqualificar negros e negras.
“Acho também que tem uma questão muito simbólica, pois desde a eleição de Bolsonaro em 2018, a sensação que eu tenho é de que os fascistas saíram do armário escancaradamente, porque eles tinham um representante em um cargo maior. Imagina o que é um presidente da República naturalizar o racismo, dizer que o racismo não existe, dizer que os negros e negras podem ser tratados como peso, como bicho, isso faz com que as pessoas naturalizem essas falas e, mais do que isso, se sintam representadas a fazer”, declarou Laina.
Olívia Santana pontuou que a mudança da realidade passa pelas estruturas de poder. “E é o voto da maioria oprimida, manipulada pelo força do poder econômico que, infelizmente, mantém os opressores no poder. É preciso fazer algo concreto com o que a gente diz. Tem que ter prática política que seja transformadora”, disse.
De acordo com a deputada, o presidente Jair Bolsonaro precisa do caos e da polêmica para governar. “Ele se alimenta disso. É um governo que não tem projeto de país, quer dividir, fragmentar e estabelecer uma paisagem caótica. Não devemos só julgar o que ele e os aliados falam, porque, enquanto isso, vão continuar operando maldades que são estruturais, que vão causar danos no Brasil inteiro”, alarmou.
Enfrentamento
Para Olívia, não se resolve questão racial fazendo hashtags nas redes sociais e sim através de luta, nas ruas e nas redes, “pressionando os governos e elegendo representantes da população negra comprometidos com a mudança das estruturas de poder e que promovam políticas públicas efetivas no âmbito municipal, estadual e nacional, passando por diversas áreas, como a educação, a saúde, a reestruturação da política de segurança em novas bases”.
“A importância de debater o racismo é conseguir trazer para as crianças e adolescentes o quanto é fundamental continuar lutando e lembrar de pessoas que vêm antes de nós, inspirar as futuras gerações a acreditar, tiveram muitos heróis e heroínas negros antes de nós e a gente fez muita resistência. A gente não foi como os muitos livros de história querem contar. A gente fez revolução, fugiu para os quilombos, construímos resistência negra. A gente povoando o Brasil e fazendo luta e resistência”, completou Laila.