O aumento da incidência de Aids na população da terceira idade levou o Ministério da Saúde a focalizar esse público na campanha de combate à doença deste ano. Pela primeira vez, as peças publicitárias do MS apresentam pessoas portadoras do HIV: um homem com 34 anos e uma mulher com 60.
Antes tida como uma doença que atingia principalmente os mais jovens, a Aids está mudando seu perfil. Dados do Boletim Epidemiológico 2006 mostram que, em 10 anos, a incidência da doença aumentou na população com mais de 50 anos, contrariando a tendência de controle em outras faixas etárias. O Boletim foi divulgado pelo Ministério da Saúde neste mês de novembro, uma semana antes do Dia Mundial de Combate à Aids, celebrado nesta sexta-feira, 1º de dezembro.
Os dados do relatório mostram um aumento da incidência entre as mulheres da terceira idade em 2005, quando comparados com os índices de 1996. No período, a incidência entre os homens de 50 a 59 anos passou de 18,2 para 29,8 casos diagnosticados por 100 mil habitantes em todo o País. Entre as mulheres na mesma faixa etária, o aumento foi ainda maior, passando de 6,0 casos para 17,3. Na população com mais de 60 anos, o índice passou de 5,9 para 8,8 entre os homens. Entre as mulheres, o número subiu de 1,7 para 4,6.
Os números contrariam o progresso observado no controle da epidemia em outros grupos da população, como nos casos de transmissão vertical, em que se observou uma diminuição de mais de 50% nos últimos dez anos. Nesses casos de contaminação, a mãe portadora transmite o vírus para o bebê ainda durante a gravidez, o que vem sendo controlado com o uso de medicamentos durante a gestação.
Para o presidente do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (Gapa), Harley Henrique Nascimento, o novo público-alvo da campanha é importante no trabalho de combate à epidemia. Ele defende a intensificação das iniciativas para esse público, em paralelo àquelas destinadas à população em geral. "Essa é uma forma de mobilizar as pessoas, assim como a existência de um Dia Mundial de Combate à Aids. Mas é preciso ter a consciência de que esse é um trabalho que deve existir também no dia-a-dia", afirma.
Nascimento ressalta que os dados do relatório demonstram um fenômeno já observado durante a evolução da epidemia ao longo dos anos. "Sempre que um grupo não percebe o risco, ele acaba sendo mais afetado. Isso revela uma necessidade de cuidado constante de todas as pessoas", diz. Para ele, o problema acontece quando uma parcela da população acredita estar imune à doença, como era o caso das pessoas na terceira idade, que até agora não haviam sido alvo de campanhas específicas.
Vulnerabilidade
Para a coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids, Edivânia Landim, as campanhas são importantes, mas é preciso ter cuidado para não estigmatizar um grupo específico da população. "É preciso encarar a prevenção como uma necessidade de toda a sociedade e não dizer que uma categoria é a responsável pelo aumento ou diminuição dos casos."
A diretora do Centro de Referência Estadual de Aids (Creaids), Cristina Camargo, esclarece que o foco atual do trabalho na área é para o conceito de vulnerabilidade e não mais de grupos ou comportamentos de risco. "É preciso mostrar que todas as pessoas estão vulneráveis, sujeitas à contaminação e que devem se proteger sempre", diz.
Segundo Cristina, essa visão traz a necessidade de se pensar a inclusão social dos portadores de HIV, que ainda sofrem com o preconceito. "A nossa ênfase é nas pessoas e não somente na doença. Viver com Aids é um processo, que tem implicações individuais e também coletivas. Nós temos que trabalhar essas relações para que o portador tenha seus direitos respeitados", diz.
Dentro dessa visão, um dos esforços para o controle da epidemia é o incentivo à população para a realização dos testes de Aids. Com o slogan "Aids, você sabe?", a Secretaria de Saúde do Estado pretende esclarecer a importância do diagnóstico precoce para garantir a qualidade de vida do portador e impedir a disseminação da doença.
Além de Salvador, o programa será implantado em Feira de Santana, Lauro de Freitas, Camaçari, Serrinha, Irecê, Itaberaba, Barreiras, Itabuna, Ilhéus, Eunápolis, Porto Seguro, Teixeira de Freitas, Alagoinhas, Santo Antônio de Jesus, Canavieiras, Juazeiro, Guanambi, Vitória da Conquista e Jequié. Nessas cidades, os postos de saúde municipais vão recolher as amostras de sangue para o exame depois de um trabalho de aconselhamento e preparação das pessoas para um possível resultado positivo ou para o esclarecimento da necessidade de prevenção contínua, nos casos de resultados negativos.
De acordo com Cristina, esse aumento no número de casos na terceira idade é reflexo dos avanços da ciência no campo da sexologia, como os tratamentos de reposição hormonal e o desenvolvimento de drogas para o tratamento da disfunção erétil, que permitiram um prolongamento da vida sexual. Associado a isso, está a maior resistência ao uso do preservativo. "A maior parte das pessoas que têm hoje 50 anos, já tinha iniciado a vida sexual quando a doença surgiu, há 25 anos. É necessário levar isso em consideração e oferecer a elas um esclarecimento adequado", diz.
A resistência ao uso do preservativo 0também é observada pela coordenadora de comunicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com Aids (RNP+), Lívia Lacerda. "O uso da camisinha é mais natural para as novas gerações, que cresceram sabendo de sua importância, mas é muito mais difícil para quem já tem mais idade e nunca se protegeu antes. E é ainda mais complicado para a mulher casada pedir para o marido usar o preservativo", complementa.
Lívia é ela mesma vítima dessa situação. Com 47 anos, é portadora do vírus há 10. Ela contraiu o vírus da mesma forma que milhares de outras mulheres em todo o mundo. Heterossexual e monogâmica, foi contaminada pelo marido, que adquiriu a doença em relações extra-conjugais. Passada a fase inicial de revolta com a situação, ela decidiu que iria se dedicar ao trabalho de conscientização quanto à importância da prevenção. Há dois anos e meio, Lívia participa dos encontros da RNP+.
Para ela, a existência de campanhas de conscientização e de dias como o da Luta Mundial contra a Aids são importantes, mas não devem substituir o trabalho contínuo contra a disseminação do vírus. "É preciso lutar todos os dias e não somente uma vez por ano", diz. Ela acredita que a maior dificuldade para conter a epidemia é a falta de informação e o excesso de confiança das pessoas. "Muitos não se dão conta de que estão vulneráveis e sujeitos à contaminação. Ainda pensam que nunca vai acontecer com elas, mas nós sabemos que sempre pode acontecer", diz.
Serviço:
Creaids - Rua Comendador José Alves Ferreira, 240, Garcia. Tel: 328-5737
Gapa - Rua Comendador Gomes Costa, 39, Barris. Tel: 3328-4270
RNP+ - Rua J.J. Seabra, 116, Baixa dos Sapateiros (prédio do Projeto Axé). Reuniões às sextas, 14h