Selos de autenticação criados pela Secretaria da Educação para coibir falsificações nos documentos são vendidos por R$ 10
Eder Luis Santana
Criados para coibir a falsificação das carteiras de estudante, os selos holográficos estão sendo falsificados e vendidos por até R$ 10. A fraude faz com que qualquer pessoa consiga pagar meia-entrada em cinemas, teatros e casas de shows. A TARDE comprovou que o esquema envolve até membros de entidades estudantis que fazem a ponte entre os beneficiários e os falsificadores.
Um dos pontos onde a carteira foi emitida com selo é na Rua Barros Falção, em Brotas, onde Eduardo Azevedo, que se apresenta como dirigente da Força Estudantil Secundarista Brasileira, confecciona carteiras com selo em nome de três entidades. Em apenas 15 minutos, o serviço é feito, sendo cobrado apenas R$ 7. Questionado sobre o fato de emitir carteiras para quem não é estudante, Azevedo diz: não tem problema não.
Dentro de uma sala pequena, ele trabalha ao lado de um ajudante, que manipula o computador onde são desenhadas as carteiras. Bandeiras ou adesivos de movimentos estudantis não são vistos. As entidades que ele diz representar são a União dos Estudantes do Brasil (UEB), Movimento Estudantil Progressista do Brasil (MEPBrasil) ou da União Conquistense de Estudantes do Brasil (Uceb).
MANOBRA O presidente da UEB, José Cristiano Lima, e o assessor administrativo da Uceb, Márcio Rodrigues Milton, disseram não conhecer Eduardo Azevedo e desconheciam a utilização indevida dos nomes. Só entregamos carteiras na nossa sede, no Tororó, ou nas escolas e faculdades, disse Azevedo.
Ao verem as carteiras falsas, eles admitem que existe semelhança e que o material de fabricação é o mesmo a película que reveste o documento, porém, seria diferente, na análise deles.
Poucas horas depois, o presidente da UEB voltou atrás e garantiu ter descoberto que Eduardo seria um preposto contratado para prestar serviços à entidade. Avisamos que ele teria de arcar com todas as responsabilidades desse ato, disse.
O presidente da MEPBrasil, Sérgio Nélio, também disse não conhecer Eduardo Azevedo e acrescentou que as entidades estão sendo vítimas de uma manobra política para prejudicar a imagem. As três siglas estudantis são ligadas a partidos como PFL e PL e possuem trabalhos em conjunto. Porque seriam feitas cédulas somente com as nossos nomes? Isso é suspeito, afirma.
RESPOSTA Depois de constatar a confecção de duas carteiras ambas com selo no escritório de Eduardo, a reportagem voltou ao local para tentar ouvi-lo e esclarecer a denúncia, mas ele preferiu não dar declarações. Por telefone, negou que fizesse qualquer tipo de falsificação.
Indagado sobre o fato de dois repórteres terem ido ao local para confirmar as suspeitas, disse que houve algum mal entendido. Desde outubro não faço mais carteiras e, em hipótese nenhuma, faria selos holográficos. Isso é crime, afirma. No escritório em Brotas, Azevedo diz trabalhar com eventos e blocos de carnaval, além de montar postos nas escolas onde emite o documento.
Depois do caso ter sido levado à superintendente de Avaliação e Acompanhamento do Sistema Educacional da SEC, Cátia Cruz, ela contou que desde setembro recebeu denúncias ligadas a Eduardo Azevedo.
As primeiras foram relatadas por uma senhora que teria ligado para a secretaria dizendo que sua filha fazia curso de inglês, na região da Cidade Baixa, e teria conseguido com ele um selo de autenticação para sua carteira de estudante. Conseguimos contato, mas ele negou tudo e não tivemos como provar, afirma Cátia.
Colaboraram Felipe Blanco e Claudia Oliveira
Fraude dentro de entidade
A segunda fraude constatada por A TARDE foi dentro do escritório da União Norte e Nordeste dos Estudantes Secundaristas do Brasil (Unesb). Em princípio, um suposto diretor da entidade, que se identificou apenas como Saulo, afirmou que não seria possível emitir uma carteira de estudante sem um comprovante de matrícula.
Depois de alguns minutos de conversa, porém, ele disse conhecer uma pessoa que poderia fazer os selos que teriam, até, qualidade superior à do fornecido pela Secretaria da Educação.
Ontem, a equipe voltou à sede da entidade e confirmou que a carteira pode ser feita mesmo sem comprovação de matrícula. A contrapartida seria o pagamento de R$ 20, sendo R$ 10 destinados à fabricação do documento e R$ 10 pelo selo.
Saulo também contou que é possível fraudar documentos da rede de ensino, além de afirmar que existem funcionários da própria SEC envolvidos nas fraudes. Ele diz que é possível conseguir um comprovante de conclusão de ensino médio, por exemplo, em apenas dois dias, por R$ 420. E vem com a assinatura de professores de todas as disciplinas, afirmou.
Ele garantiu, porém, que a entidade para a qual trabalha é séria. Conheço todos esses esquemas porque conhecidos me contam. Pela Unesb (entidade na qual, na verdade, é recém-contratado), fui instruído a não fornecer carteiras a ninguém que não fosse estudante.
A superintendente de avaliação e acompanhamento do sistema educacional da Secretaria da Educação e Cultura (SEC), Cátia Cruz, tomou conhecimento do fato e garantiu que vai investigar o caso.
(E.L.S.)
Memória
Os selos holográficos foram lançados com o intuito de coibir a falsificação das carteiras de estudante, depois de denúncia da fraude publicada em A TARDE.
6/7/2005 A TARDE publica denúncia sobre a venda de carteiras de estudante falsificadas. A Associação dos Grêmios Estudantis Secundaristas da Bahia (Agesb) foi descredenciada pela SEC por emissão de documento irregular.
8/7/2005 - A SEC anuncia que selos holográficos serão lançados para coibir as fraudes.
12/7/2005 - Tem inicio a autenticação das carteiras estudantis. Os estudantes são obrigados a ir a algum dos postos autorizados pela SEC para realizar a autenticação. É obrigatória a apresentação de carteira de identidade ou certidão de nascimento original e cópia do comprovante de matrícula, além da carteira estudantil emitida naquele ano. É feito o anúncio de que as carteiras sem selo perderão a validade.
6/8/2005 - Termina prazo para selagem das carteiras dos alunos das redes estadual, municipal e particular, além dos cursos técnicos e pré-vestibular.
10/10/2005 - Termina prazo para selagem das carteiras dos estudantes universitários e dos municípios do interior baiano.
A TARDE testemunhou e gravou conversas entre jovens não-estudantes e envolvidos na fraude de comercialização de carteiras e selos holográficos falsos. As carteiras e gravações serão entregues ao Ministério Público.
Trecho da conversa gravada com Eduardo Azevedo
Jovem É o seguinte: estou abafado para ir ao Festival de Verão. Como é?
Azevedo Você quer fazer a carteira?
Quero sim
Me dê a foto e a identidade (...). Quem
foi que disse para você vir aqui?
Um colega da faculdade. Custa quanto?
R$ 7
Mas eu não sou estudante. Já sou formado.
Não tem problema, não! Você sabe que essa carteira
ainda é de 2005, né?
Ah, é?
É, mas é válida até abril
Vai começar a fazer as de 2006 quando?
Final de março, por ai...
O pessoal tem procurado muito o seu serviço?
Tem.
(Depois da carteira pronta...)
Nossa, tem até o selinho, né?
Maravilha...
Tá vendo, você?
Trecho do diálogo com Saulo
Jovem Bom-dia. É aí que faz carteirinha de estudante?
Saulo É aqui mesmo.
Quanto que é ?
Oito conto. Você está com comprovante de matrícula?
Não tenho comprovante... Tem algum problema?
Rapaz, aí, não dá, não.
Não tem como dar um jeitinho? Estou no pânico pra ir ao Festival de Verão.
Mas a questão não é esta. Temos de prestar contas à Secretaria de Educação. (...) Pra gente, quanto mais carteirinhas fizermos é melhor, mas é preciso comprovante de matrícula e xerox e identidade e xerox também.
E você conhece alguém que faça a carteira?
Rapaz, sinceramente, sem comprovante de matrícula hoje ninguém está querendo se arriscar. No ano passado, algumas entidades fizeram e foram descobertas. Acabaram sendo descredenciadas (...). Por exemplo, eu posso fazer uma para você, mas não tenho garantias se você é estudante ou não. (...) Não é ruindade não, até porque eu sou um dos diretores aqui da entidade, mas se faz para um, começa
a fazer para outros. E a Secretaria da Educação pede o comprovante. Você pode levar um formulário e carimbar.
E na hora de colocar o selo, não terei de levar o comprovante?
Aí, sim.
Você não pode me conseguir uma com selo?
Rapaz, posso te indicar um que o selo é melhor que o
original. Mas vou procurar o telefone do cara (...) e aí você me liga depois, que é o tempo que dou um toque pra ele.
Você pode me dar uma resposta ainda hoje?
Sim, mas o que acontece... Você tem de ligar e se tiver outra pessoa aqui...
Saulo Rapaz, você quer a carteira mesmo, né?
Jovem Quero
Então eu faço a carteira para você e coloco o selo mais tarde. Só posso te garantir depois do meio-dia.
Mas e o selo? Eu queria a carteira logo completa(...). Não tem como falar com o cara que coloca o selo? Aí fazemos tudo de uma vez só...
Ligue mais tarde, pois estou sem o número dele aqui. Estou ligando pra minha noiva, ela tem o número na minha agenda.
Mas o selo é seguro?
O selo é melhor do que o da Secretaria da Educação. O da secretaria mancha. O selo desse cara não mancha.
Então vai ficar R$ 10 a carteira. E o selo, em quanto fica?
Dez reais é do cara do selo. Eu não falsifico selo nenhum (...), mas é R$ 10 a carteira.
E se eu quiser a carteira de 2006?
Rapaz, a carteira de 2006 não saiu ainda. Só rola lá pra depois de março. Mas pra fazer, a gente tem de se encontrar lá fora. Você me liga e na hora pede pra falar comigo. Se eu disser pra você anotar meu número é porque tá sujo. Aí, você me liga depois.