Após 29 dias sem atividades, os alunos do Projeto Axé que freqüentavam a sede da Conceição da Praia, agora desativada, voltaram a ser atendidos. Desde esta sexta, as crianças, com idades entre 4 e 11 anos, passaram a ser recebidas na unidade do Pelourinho. No retorno, apenas 51 dos 200 inscritos estiveram presentes.
A mudança de endereço foi causada pela desativação do espaço na Conceição da Praia, no Comércio. Em maio deste ano, a Defesa Civil (Codesal) alertou que um casarão ao lado do imóvel trazia perigo à vida das pessoas por causa da estrutura, prestes a desabar.
Desde então, as 200 crianças deixaram de ser atendidas. O mais grave é que todas vêm de uma situação de risco social. Muitas viviam pelas ruas, como pedintes em sinaleiras e longe da família. Para piorar, as outras duas sedes do Axé (na Baixa dos Sapateiros e Pelourinho) trabalham apenas com crianças acima de 11 anos, o que dificultou a mudança.
“Eu vi pelo menos 18 desses meninos de volta às ruas. As mães preocupadas chegaram a propor passeatas e manifestações em nosso favor”, comenta o fundador do Axé, Cesare de la Rocca. Agora, o espaço do Pelourinho terá de ser dividido entre o público com faixa etária diferenciada. Como forma de integração, o primeiro contato foi feito em um círculo, com direito a música e dança. No entanto, a adesão não foi completa. Foram 19 alunos pela manhã, e 32 à tarde. A missão agora é recuperar os que voltaram às ruas, sendo preciso restabelecer o vínculo com o Axé.
Todas as crianças são obrigadas a estudar em um turno e participar de atividades educativas no período oposto. “Mantivemos contato com algumas famílias. Já soube até de alguns que estão morando pelas ruas da Barra”, completa a educadora de rua Ana Cerqueira.
ALEGRIA – Para quem voltou ao convívio harmônico da entidade, a felicidade era demonstrada em sorrisos, como é o caso da pequena Maria de Lourdes Conceição, 10 anos, que nunca teve proximidade com os pais e passou parte da infância em abrigos. Desde que teve a guarda assumida por uma irmã mais velha, Maria passou a freqüentar o Axé com mais cinco irmãos. “Gosto de ficar aqui. Faço aulas de música, dança e hoje quero ser professora”, comenta.
A satisfação era maior para os que tiveram de voltar às ruas durante os dias de portas fechadas no Axé. Sem outra opção, Leonardo Silva, 11 anos, retornou ao mesmo local de onde havia saído antes de ser abordado por um educador: a feira das Sete Portas.
Por lá, Leonardo disse que consegue R$ 10 por dia como carregador de compras. “Não posso ficar parado. Com o dinheiro, ajudo a comprar comida”, desabafou. Com a mãe desempregada e o pai ausente, o menino se submete ao trabalho infantil para colaborar na alimentação dos outros quatro irmãos menores.
DINHEIRO – Enquanto tenta trazer de volta as crianças, os responsáveis pelo Axé ainda sonham com o retorno à sede da Conceição. O imóvel pertence à irmandade da Conceição da Praia, que, desde o início do problema, declarou falta de dinheiro para consertar o casarão em risco.
Um orçamento feito pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) estimou em R$ 480 mil as obras de escoramento do imóvel. De acordo com o coordenador do órgão no Centro Histórico, Maurício Araújo, a obra incluiria reforma de telhado e reforço para segurar as paredes.
A presidente da Conder, Maria del Carmen, foi procurada para comentar o caso. Por meio da assessoria de imprensa, confirmou que o valor do serviço foi orçado em
R$ 480 mil. Além disso, foi lembrado que o responsável pela reforma deveria ser a própria irmandade.
No mesmo endereço, uma outra organização não-governamental (ONG) espera por solução, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (Cedeca). Na última quinta-feira, uma reunião com Maria del Carmen manteve o ciclo de discussões ao lado de representantes do Projeto Axé e do Cedeca.
A assessoria da Conder garantiu que a solução mais adequada seria a entrega do casarão para o poder público, sendo dada destinação social. Isso porque a área integra um trecho tombado e precisa de reforma. Representantes da irmandade foram procurados para comentar o caso, mas não foram localizados até o fechamento desta edição.