Com as portas fechadas depois de doze meses de funcionamento, a Casa
de Passagem Adão e Cão é a mais recente vítima da falta de recursos
que acomete os abrigos para animais de Salvador. O espaço deixou de
funcionar no último dia 26 de maio, com dívidas de mais de R$ 3 mil
e sem perspectivas de financiamento.
A coordenadora do espaço, Iane Santana, afirma que não teve outra
solução. "Nós dependíamos somente da caridade, mas pessoas
têm muita resistência a fazer doação em dinheiro. Sempre doavam
ração, remédios, mas esqueciam que precisamos de dinheiro para pagar
as contas, o aluguel da casa, água, energia...". Iane conta que
a resistência acontecia mesmo com a apresentação da prestação de
contas, que, segundo ela, estava em dia e disponível para todos que
visitavam o local.
No momento em que fechou as portas, a Adão e Cão tinha ainda 32 cães
e 13 gatos aguardando doação. Mas, durante os doze meses em que ficou
em funcionamento, o abrigo encontrou dono para 233 animais, uma média
de dois a cada três dias.
A Adão e Cão tinha como foco de seu trabalho o resgate e tratamento
de animais de rua. "Depois de recolher o cão ou o gato, ele recebia
tratamento veterinário e psicológico, porque muitas vezes o animal
tinha trauma com os seres humanos devido aos maus tratos que sofreu",
diz a coordenadora. "É impressionante a crueldade de que algumas
pessoas são capazes", diz. Entre os casos que mais a marcaram,
ela conta a de uma gata que foi levada grávida para o abrigo depois
de ter um dos olhos arrancados por maldade. "É difícil imaginar
como uma pessoa consiga fazer uma coisa dessas", desabafa.
Para a coordenadora, a recompensa pessoal pelo sofrimento vem da alegria
de ver a recuperação desses animais. "É fácil ver como eles
são carentes de tudo, inclusive de afeto", diz. Apesar disso,
ela diz que sempre foi importante ter em mente que o abrigo é uma solução
temporária até que se encontre um lar definitivo para os animais.
"É por isso que não usamos a palavra 'abrigo' e sim 'casa de
passagem', para deixar bem clara essa característica", diz. "O
trabalho que desenvolvemos sempre foi no sentido de encontrar um lar
em que o animal possa receber os cuidados e o amor que merece".
Além da dívida, Iane conta que, durante os doze meses em que ficou
à frente do abrigo, perdeu o emprego, o namorado e 15 quilos. "É
um trabalho que exige muito da pessoa e muitas vezes eu abri mão da
minha vida pessoal para me dedicar aos animais, que sempre tratei como
filhos", diz. Com relação ao emprego, conta que chegava sempre
atrasada, quando não era obrigada a faltar devido às demandas do abrigo.
"Já houve situação em que eu estava pronta para ir trabalhar
quando chegou um cão que vinha sofrendo queimaduras do dono. Não tinha
como deixá-lo de lado naquele momento".
Apesar de todos os problemas que enfrentou e que ainda enfrenta, ela
garante que faria tudo de novo, motivada, principalmente, pelas adoções
que conseguiu encaminhar no período. "São vidas que foram salvas.
Se tivesse continuado na rua, provavelmente esses animais estariam mortos."
Crise - No Abrigo São Francisco, ligado à Associação Brasileira
de Proteção aos Animais (ABPA) e o maior de Salvador, a situação
também é crítica. Com cerca de 360 cães e gatos abrigados, a diretora
Kátia Araújo afirma que o repasse de R$ 15 mil feito pela Prefeitura
é insuficiente para cobrir os custos de manutenção e melhoria das
instalações do local.
"Nossos animais consomem três
toneladas de ração por mês. Praticamente todo o dinheiro serve para
pagar a alimentação e os custos do tratamento médico. Nós dependemos
de doações para o pagamento dos seis funcionários do abrigo",
diz. "O maior problema é que estamos passando por uma fase difícil,
em que muitos associados deixaram de contribuir devido aos problemas
de prestação de contas que o abrigo enfrentou durante a gestão passada".
Devido às dificuldades, o abrigo não está mais aceitando novos animais.
"Nós temos que cuidar primeiro dos que já estão aqui e fazer
os preparativos para que possamos oferecer melhores condições aos
animais do que aquelas que eles enfrentam na rua". Kátia assegura,
no entanto, que a situação é provisória. "Quando controlarmos
as situações mais urgentes, como a infestação de carrapatos, vamos
retomar o programa de adoções, já que o abrigo não deve servir como
lugar definitivo para os animais", diz.