O ambulante João Alves dos Santos esperava clientes escorado na sua barraquinha, nesta terça-feira, na Baixa dos Sapateiros. Do comércio, ganha há 30 anos o pão de cada dia, hoje mais difícil devido ao fraco movimento. “Isso aqui não é mais aquela Baixa dos anos 70”, explica, nostálgico. Ambulantes como João e os cerca de 500 lojistas da área serão os principais beneficiados com a promessa de investimento de R$ 16,5 milhões para resgatar a vida comercial de uma das áreas mais tradicionais da cidade.
A quantia é o valor estimado para a execução do projeto de revitalização urbana e comercial da Avenida J.J. Seabra, popularmente conhecida como Baixa dos Sapateiros, apresentado nesta terça-feira em audiência pública, no Edifício Bahia Center, anexo da Câmara de Vereadores. Trata-se ainda de resultado de estudo preliminar realizado pelo Escritório de Referência do Centro Histórico.
O escritório é ligado à Secretaria de Cultura do Estado (Secult) e foi criado para desenvolver projetos de requalificação do Centro Antigo. Trabalharam também para o projeto o Sebrae, o Sindicato do Comércio Varejista e o Fórum Municipal de Desenvolvimento Sustentável do Centro da Cidade, formado por 44 entidades. Segundo a coordenadora técnica do Escritório, Patrícia Machesine, agora terão início estudos mais detalhados e serão analisadas sugestões colocadas nesta terça na audiência.
Se colocado em prática, o projeto deverá atender a reivindicações de mais de dez anos dos comerciantes. Os lojistas e representantes de sindicatos de empresários e de comerciários gostaram da proposta apresentada, mas fizeram ressalvas.
O lojista Rui Barbosa destacou a falta de segurança e apontou a invasão das drogas como grave problema na região. Ruas adjacentes à Baixa dos Sapateiros, como Ladeira da Independência e Rua do Gravatá, têm sido usadas como pontos de venda de droga. “Ali virou a cracolândia”, disse Barbosa. Já o vice-presidente do Sindicato dos Lojistas, Manoel Castro, questionou como os pequenos empresários vão conseguir recursos para realizar as reformas de fachada previstas no projeto. “Não vamos ter condições financeiras para isso”, afirmou.
A dificuldade financeira dos lojistas se deve ao movimento fraco, que vem se acentuando desde 2000. Pesquisas realizadas pelo Sebrae em 2003 já mostravam que a queda das vendas é motivada pela falta de diversificação de atividades, presença de albergues para população de rua e abandono de prédios públicos e privados.
Aluguel – Com receita menor, queixam-se comerciantes, o aluguel das lojas passou a pesar no bolso. “Aqui o aluguel é de R$ 1,5 mil, equivalente a 30% do faturamento. Ele não pode passar de 5%, senão já há prejuízo”, argumenta Ademário Santos Souza, gerente da loja Eliel Modas.
O projeto deixou de fora a construção da Praça Ary Barroso, que homenagearia o compositor que dedicou música à Baixa dos Sapateiros. Segundo o presidente da Associação da Baixa dos Sapateiros (Albasa), Cosme Brito, há oito anos, dez lojas foram desapropriadas nas proximidades do Mercado São Miguel para a instalação da praça, que não saiu do papel. A coordenadora Patrícia Machesine disse que irá discutir a proposta.
Entre as reformas apresentadas no projeto, estão a recuperação dos antigos cinemas Tupy, Jandaia e Pax e a transformação de seis imóveis hoje em ruínas ou em processo de decadência em 41 novas unidades de habitação para famílias com renda de até cinco salários mínimos. Entre eles, casarões da Rua do Gravatá e da Praça do Veterano. Também estão previstas a instalação de residências universitárias, a recuperação dos terminais do Aquidabã e Barroquinha, mercados municipais de São Miguel e Santa Bárbara e instalação de estacionamentos.
Cantada por Ary Barroso, a Baixa dos Sapateiros já foi o principal trecho comercial de Salvador. Antes, era chamada de Rua da Vala e ganhou o nome atual, em 1835, por concentrar lojas de couro. No início do século XX, ganha notoriedade cultural, abrigando quatro cine-teatros: Jandaia, Olympia, Tupy e Cine Pax.
A partir dos anos 90, entra em decadência, devido à migração de milhares de pessoas para a Estação da Lapa. O local já chegou a abrigar 1,5 mil lojas. Hoje, só conta com cerca de 500. Apesar do abandono, o comércio da Baixa ainda gera 2,5 mil empregos diretos e 600 indiretos, segundo a Albasa.