Embasa se recusa a implantar rede hidráulica nas ocupações porque moradores estariam poluindo o Rio Ipitanga
MARY WEINSTEIN
Verão em Salvador e as comunidades em volta dos mananciais do Rio Ipitanga, que abastece municípios vizinhos, não têm água encanada em suas torneiras. Vão para a rua formar filas atrás de bicas instaladas por meio de ligações clandestinas feitas pelos próprios moradores.
A falta dágua é enfrentada em caráter permanente pelos moradores de Barro Duro, Jardim Campo Verde, Cepel I e II, Conjunto Ceasa, Recanto do Sossego e Rancho Alegre. Há 20 verões, eles não têm água correndo em suas torneiras, exceto a que chega captada por gatos, embora estejam à beira de mananciais de onde vem parte da água consumida por numerosas populações de cidades vizinhas, inclusive Salvador.
Apesar da fixação às margens da Estrada Cia-Aeroporto, jamais pagaram uma conta de água, porque nunca foram beneficiadas pela Embasa. Hoje, a concentração ali é de mais de 9.500 pessoas que vivem à base de gatos e poços irregulares, embora há anos venham pedindo água tratada.
Aqui, é muito sofrimento. Pegamos água em balde na torneira no meio da rua. E está um calor danado, disse Joana Almeida de Jesus, 36 anos, que tem energia elétrica e telefone regularmente instalados dentro de casa. Diz que já viu dezenas de solicitações serem enviadas aos órgãos públicos para que a água fosse encanada no Barro Duro, onde mora há uma década. Nunca foram atendidas.
EMBASA A justificativa da Embasa, órgão responsável pelo abastecimento de mais de 90% do Estado da Bahia e de praticamente 100% da população de Salvador, é a área ser considerada de preservação ambiental. Se autorizadas a permanecer ali, as comunidades atuariam como poluidoras, segundo a assessoria de imprensa do órgão.
A Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A) ampara-se na Lei Federal nº 4.771 (Código Florestal), de 1969, e na Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) nº 302/04, que vetam a permanência de populações às margens de mananciais.
A Embasa seria autuada pelo Ibama, caso fornecesse água para aquela população, argumenta o diretor de operações, Jessé Mota. A assessoria de imprensa questiona se valeria à pena comprometer um manancial por causa de 20 mil pessoas instaladas irregularmente, em detrimento de outras milhares e informa que os moradores deveriam ser transferidos daquela localidade.
O Ibama responde que a área não está sob a sua jurisdição. O superintendente Júlio Rocha diz que a responsabilidade em impedir a poluição dos mananciais, nesse caso, caberia ao Centro de Recursos Ambientais (CRA), que se defende.
Na realidade, a jurisdição é praticamente de todos os órgãos relacionados ao Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). Essa informação que o Ibama forneceu não é correta. O Ibama pode, sim, atuar suplementarmente. Agora, o controle do uso e ocupação do solo é atribuição do município. Um órgão ambiental não tem poder para tirar quem está morando lá.
A única coisa que pode fazer é aplicar penalidades administrativas. Em alguns casos, a multa é enviada pelo Correio e em muitos locais o Correio não chega. E de qualquer jeito, muitas vezes, o autuado, por não ter recursos financeiros, não vai pagar e isso não vai solucionar o problema. A atribuição principal, então, é da prefeitura, disse Álvaro Lemos Brito, coordenador de Fiscalização Ambiental do CRA.
Secretária diz que invasões não deveria ser permitidas
A secretária de Habitação de Salvador, Ângela Gordilho, reconhece que as ocupações às margens do Ipitanga não deveriam ter sido permitidas. A represa de Ipitanga tem ligações com outras e é uma riqueza da cidade. A rigor, aquilo nunca deveria ter sido mantido, quanto mais, consolidado. Mas, nesse primeiro ano de governo, a prefeitura está enfrentando problemas crônicos, problemas sérios habitacionais, que são emergenciais, disse a secretária.
Segundo Ângela Gordilho, as populações adjacentes ao Ipitanga dificilmente poderão ser mantidas onde estão mas, ao mesmo tempo, é difícil visualizar uma área nova. A secretária diz que a cidade hoje tem a necessidade de 100 mil novas habitações e que o deficit qualitativo é de 400 mil.
A secretária calculou que, para recolocar as comunidades do Barro Duro e demais, seriam necessárias 3 mil novas habitações. Considerando o custo de R$20 mil para cada uma delas, seriam precisos R$60 milhões. A secretária lembra que o orçamento para sua secretaria em 2006 é de R$ 8 milhões, provenientes do Tesouro e de recursos federais.
Um problema como esse envolve várias esferas de governo, concluiu Ângela Gordilho. É um problema complexo. Dificilmente estarei resolvendo sozinha, finalizou.
O Superintendente do Meio Ambiente de Salvador, Juliano Matos, diz que a definição dos limites entre os municípios Salvador, Lauro de Freitas e Simões Filho não está sendo entendida na área.
Para que a Superintendência possa atuar, ele informa, que é preciso esclarecer primeiro a delimitação intermunicipal e evitar novas ocupações propiciadas pela remoção de arenoso que involuntariamente preparam o terreno para a instalação de novas moradias. Juliano Matos informou que as invasões que estiverem em Salvador terão que ser removidas, mas não disse quando.
A água faz parte da qualidade de vida. Eu nem quero entrar nesse mérito se as comunidades têm que sair ou não do lugar e sim que elas têm que receber água. A água é um direito fundamental. As pessoas ocuparam aquela área e já são donas, têm que o Ministério Público entrar para resolver a situação, disse o diretor de Departamenteo de Gestão Ambiental de Lauro de Freitas, Marcelo Cerqueira.
O manancial do Ipitanga faz interligações com o Rio Joanes, que abastece 40% a 50% da Região Metropolitana de Salvador. Aquela situação de ocupação desordenada ao lado do manancial acaba comprometendo a qualidade da água.
De acordo com a legislação federal, é necessário que se façam estudos de impacto ambiental para que, posteriormente, se faça o deslocamento das comunidades ou se adote outras alternativas que o estudo indique, disse José Renato Melo, assessor de Planejamento Municipal de Simões Filho.
Responsabilidade do prefeito
O professor titular em Saneamento, da Universidade Federal da Bahia e Doutor em Saúde Ambiental pela Universidade de Londres, Luiz Roberto Moraes, revela que o cerne da questão que afeta diretamente as comunidades de Barro Duro e tantas outras é que a Embasa é simplesmente uma concessionária dos serviços de saneamento.
O titular, o responsável pelos serviços é o município. O prefeito é quem concede a exploração dos serviços de abastecimento de água, explica.
O professor fica indignado ao dizer que Salvador não tem contrato de concessão com a Embasa. O que existe é um termo de acordo datado de 1929 que deveria ter evoluído para um contrato de concessão quando a Embasa foi criada em 1971. Esse papel é caduco. Fica parecendo que os prefeitos não querem assumir essa responsabilidade.
Mas eles são o poder concedente. A luta é para que Salvador tenha um prefeito que assuma essa bandeira para poder firmar com a Embasa um contrato de concessão estabelecendo o que é atribuição de cada parte, esclarece Moraes.