Pessoas com deficiência encontram dificuldade para freqüentar as igrejas
JANE FERNANDES
Fraternidade e pessoas com deficiência é o tema escolhido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para a campanha de 2006. A partir desta opção, o arcebispo primaz do Brasil e presidente da CNBB, dom Geraldo Majella, pretende disseminar uma consciência inclusiva nas comunidades católicas.
Apesar de reconhecer a importância desta iniciativa, Zenira Rebouças, coordenadora da Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), ressalta a necessidade de antes de qualquer coisa a Igreja deve olhar para si mesma.
A reflexão apontada por Zenira católica praticante, com dificuldade de locomoção decorrente da poliomielite é motivada principalmente pelo baixo nível de acessibilidade encontrado nas igrejas da cidade. Um dos exemplos mais evidentes é a famosa Igreja do Bonfim.
As escadarias são um verdadeiro sacrifício para quem vive sobre cadeiras de rodas, utiliza muletas caso de Zenira ou tem doenças reumatóides comuns na terceira idade.
Não é algo que impeça, mas com certeza o acesso podia ser facilitado, avaliou a brasiliense Cibele Oliveira de Aguiar, 32 anos. Em visita ao templo da Colina Sagrada, ela teve de contar com a ajuda do cunhado para carregar o filho Rafael, 7 anos, que tem uma síndrome de regressão neurológica.
Se para ela a barreira é perfeitamente transponível, na visão de Antônio Jorge Alves, 53 anos, a inexistência de uma rampa ou de um ascensor vertical é inadmissível. Cadeirante há 19 anos, ele não entra na igreja dedicada ao Senhor do Bonfim desde que retornou à Bahia em 1995.
Cheio de disposição, Alves não perde uma lavagem, mas mesmo sendo católico acaba ficando apenas com a parte profana da festa. A própria Cibele imagina que para transportar um adulto fique tudo mais difícil. Construídos dentro de um padrão antigo, os degraus de altura elevada também são encarados como um obstáculo pelo aposentado Eduardo Belino Ribeiro, 72 anos. Para não abandonar a rotina de ir ao Bonfim, ele conta com a ajuda de um familiar e da bengala que serve como apoio adicional a cada um dos seus passos curtos.
Poderia citar uma ou duas exceções, só que no geral as igrejas não seguem os critérios de acessibilidade, reconhece Zenira. No Centro Histórico, por exemplo, apenas a Igreja de São Francisco é térrea. As outras contam com escadas e não oferecem qualquer alternativa adequada para quem tem mobilidade reduzida.
Embora a Paróquia de Brotas conte com um templo dedicado à sua santa padroeira, Zenira faz suas orações em uma capela situada dentro de uma casa de retiro. Eu não tenho condição de entrar na Igreja de Nossa Senhora de Brotas, reclama, referindo-se à dificuldade em vencer os degraus apoiada nas muletas.
Templos tombados exigem mais cuidado
A inexistência de uma alternativa confortável e segura para que os cadeirantes possam acessar à Igreja da Conceição da Praia é atribuída, pelo juiz da irmandade local, Carlos Nunes, às restrições impostas pelo tombamento. Não podemos tocar em nada sem autorização do Iphan e do Ipac. Essas limitações também foram citadas por dom Geraldo Majella, que considera o poder público demasiadamente complicado, nesses casos.
Segundo Nunes, mesmo a colocação da rampa sobre a escadaria, em 2001, foi uma luta. O argumento é reforçado por dom Gregório Paixão, do Mosteiro São Bento, quando defende não podemos mexer em um monumento do século XVI.
O arquiteto Heron Cordeiro, da Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador (Cocas) reconhece que a conotação de bem cultural dificulta a adaptação desses espaços, mas aponta que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) já conta com instruções especificamente voltadas para o tema.
Quando nos enviam os projetos de restauração, a gente analisa esta questão da acessibilidade, até porque isso está previsto na legislação, afirma Eugênio Lins, superintendente do Iphan na Bahia. De acordo com suas informações, no entanto, os arquitetos da Arquidiocese não têm enviado propostas para análise da melhor forma de adaptar sem produzir alterações nos aspectos fundamentais do bem cultural. É uma inserção que exige um cuidado maior, destaca o superintendente.
A necessidade de oferecer um tratamento especial aos bens tombados está expressa na própria NBR 9050, que dedica um artigo do capítulo oito aos cuidados que devem ser adotados para conciliar preservação do patrimônio e acessibilidade. Como o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) não tem igrejas soteropolitanas na sua lista de bens tombados, todos os estudos pré-reforma recairão necessariamente sobre o Iphan, que legalmente não tem compromisso com o custeio dessas obras.
Normas priorizam autonomia
Palco de uma grande festa religiosa, a Igreja da Conceição da Praia engrossa a lista de construções antigas com degraus em mármore ou outros materiais escorregadios. Preocupada com a presença de cadeirantes entre os membros da paróquia, a irmandade local até tentou transformar o templo em uma exceção, mas esbarrou na inadequação da solução encontrada.
A rampa de metal colocada sobre a escadaria do lado direito é cheia de ranhuras capazes de oferecer maior aderência, mas não possui corrimão.
De acordo com a NBR 9050, instrução da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que determina os padrões para acessibilidade nas áreas públicas, essas barras laterais são itens obrigatórios. A ausência dos corrimãos que deveriam ser colocados em ambos os lados para auxiliar o cadeirante a vencer a rampa e lhe oferecer maior segurança no entanto, não é o maior dos problemas.
Por conta da inclinação muito elevada, Antônio Jorge Alves precisou da ajuda de dois homens para chegar ao adro da igreja, e assim mesmo foi preciso bastante esforço. Segundo os parâmetros estabelecidos na NBR, a construção ou adaptação desse item de acessibilidade deve oferecer autonomia à pessoa com deficiência, o que significa a possibilidade de subir e descer sem a ajuda de terceiros.
Difícil mesmo é não ter nada, considerou o juiz da Irmandade da Conceição da Praia, Carlos Nunes, ressaltando que os fiéis consideram o procedimento bastante natural.
Sociedade adota paliativos
A percepção da pessoa com deficiência como um coitado, alguém que é digno de pena, que está pagando um pecado, está muito impregnada na nossa cultura, principalmente sob a ótica religiosa, analisa Heron Cordeiro, da Cocas. É seguindo esta lógica que dom Gregório Paixão, do Mosteiro de São Bento, aponta a solução oferecida para o acesso à igreja local. Normalmente, eles precisam ser carregados para sair do carro, declara, considerando o batente da entrada lateral apenas um detalhe nesse percuso.
Uma rampa de madeira era colocada em uma entrada lateral aos domingos, mas a medida exigia que a porta permanecesse aberta, e a administração acabou resolvendo retirar. O problema seria a insegurança oferecida por esse acesso livre situado na Avenida Sete.
Desde então, erguer a cadeira de rodas ou seu usuário nos braços é única forma de entrar. O mais intrigante é que a basílica do mosteiro esteja passando por reforma e o projeto não inclui a construção de uma rampa de acesso.
A presidente da Associação Baiana de Deficientes Físicos (Abadef), Luiza Câmara, afirma ser comum que muitas pessoas abram mão da sua vida religiosa e social para não se ver em uma situação de dependência. Sua estratégia, porém, é bastante diferente. Embora freqüente a Igreja da Vitória, que é totalmente térrea, ela não se priva de ir a templos inacessíveis. As pessoas se sentem constrangidas ao me ver sendo carregada e acabam interessadas em ajudar a resolver a questão, acredita.