Cleidiana Ramos
Padre Pinto voltou com tudo no último fim de semana. Depois de, no sábado, dançar, participar do júri que escolheu a Deusa do Ébano e sapecar um beijo em Caetano Veloso no Festival de Verão, sobrou fôlego para o dia seguinte. Lá estava ele, de batina e clergyman, num protesto de paroquianos e simpatizantes pedindo sua volta à Lapinha. Indícios de que dificilmente ele deixará de ser a estrela do verão da capital.
A Arquidiocese de Salvador mantém a postura do silêncio. Não comenta as últimas aparições do padre, não confirma que ele esteja suspenso das atividades, nem informa sobre as acusações de que outros sacerdotes tenham sido proibidos de celebrar missas no ato em apoio ao colega.
A TARDE procurou a representação local da Sociedade das Divinas Vocações ao qual o padre está vinculado, mas foi informada que o superior estava em atividade externa.
Um padre que aceita falar, mas sem revelar a identidade, avalia que a estratégia adotada pela Arquidiocese está coerente com o perfil do cardeal arcebispo, dom Geraldo Majella alguém próximo ao Vaticano, que dificilmente vai se expor num confronto direto.
Dom Geraldo não vai bater de frente, pois isso não combina com seu estilo, muito menos com o de um cardeal, alguém que faz parte da alta cúpula da Igreja. É ruim para ele, diante de suas várias posições, inclusive como presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entrar numa polêmica, completa.
Por outro lado, o padre afirma que, como padre Pinto faz parte de uma congregação religiosa seus vínculos são com uma ordem e a ligação com a Arquidiocese refere-se à sua posição de titular da Paróquia da Lapinha as coisas se tornam mais fáceis para o arcebispo.
Nesses casos, a responsabilidade sempre cai sobre a ordem. Foi assim quando Ernesto Gardenal se tornou ministro na Nicarágua. O então papa João Paulo II pressionou os jesuítas, ordem à qual ele estava vinculado, e eles é que tomaram a decisão de afastá-lo, completa.
A suspensão de ordem significa que o padre fica proibido de celebrar missas, batizados e casamentos. Ela é utilizada em casos de deslizes morais. Até o momento, as ações do padre Pinto como sacerdote limitam-se a uma quebra de regras litúrgicas, ou seja, modificou procedimentos padrões das celebrações católicas.
Espera O antropólogo e professor da Ufba Roberto Albergaria avalia que a questão tem três dimensões. A primeira é a da Igreja, com suas características próprias e lógica que não é a mesma do mundo fora de seus muros.
Para todos nós, é muito fácil cobrar que se venha uma posição imediata da Igreja, mas a gente não pode esquecer que ela tem suas pecualiaridades e seus próprios micropoderes. Há muitas posições diferentes circulando em torno do cardeal, que é o ponto-chave da hierarquia, mas que tem de prestar atenção a todos os possíveis mundos envolvidos nisso, completa.
De acordo com o antropólogo, isso se torna ainda mais complexo quando a questão não se esgota na Igreja local, que está subordinada a um outro universo, o Vaticano. Sem falar num outro fato: a Sociedade das Divinas Vocações, da qual padre Pinto faz parte.
E o imbróglio fica ainda mais complicado se levarmos em consideração que os mais incomodados com a postura do padre Pinto, os tradicionalistas, não vão colocar a cara na rua. Vivemos o momento do politicamente correto, ou seja, quem é muito conservador tem vergonha de admitir publicamente, agindo apenas nos bastidores, salienta Albergaria.
Uma outra questão levantada pelo professor é a da relação entre padre Pinto e a mídia. O que está sendo analisado não é o padre em si, mas sua ação na mídia. Ele se tornou notícia quando espetacularizou o ato de celebrar. O problema é que os assuntos nesse mundo da notícia-espetáculo tem validade, vão se esgotando, completa o antropólogo.
Por outro lado, ele diz que está acontecendo a chamada liminaridade em antropologia. Em algumas situações, depois que se passa por uma situação incomum, vive-se uma espécie de intervalo em que se há uma total mudança do comportamento anterior.
Padre Pinto não é nenhum mártir. Mas tampouco seria um herético e, menos ainda, um desequilibrado mental.
A crise de identidade que viveu não tem nada de anormal, é um reflexo da vexatória situação com a qual se deparou de repente, completa o professor.
Nesse momento é que, segundo Albergaria, é difícil prever o que pode acontecer daqui para a frente. Estamos assistindo a um enfrentamento de estratégias. Pode ser que essa possível aposta da Igreja no silêncio não dê muito resultado. Afinal, ela já não tem controle total sobre a informação como em outros tempos. Por outro lado, de repente pode aparecer um tema que monopolize as atenções mais do que o padre Pinto. Mas isso só quem pode saber é o santo acaso ou o Divino Espírito Santo, brinca o professor.