Em um ato de solidariedade, dois moradores do bairro Canela, em Salvador, que possuem plano de saúde, conheceram de perto as dificuldades de conseguir atendimento na rede pública em Salvador na tarde deste sábado, 26. O microempresário Luiz José Maia, 47 anos, e o professor José Passos, 45, levaram cerca de três horas e meia para conseguir atendimento médico para o morador de rua Erisvaldo Fonseca de Jesus, 30 anos, em um hospital público.
A maratona começou por volta das 15h, quando uma moradora do bairro fez uma chamada para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu - 192) pedindo atendimento ao morador de rua que passava muito mal. Maia estava chegando do supermercado quando viu o morador de rua sendo atendido e era preciso que alguém o acompanhasse na ambulância.
Como a moradora não poderia ir, Maia e Passos aceitaram acompanhar senhor Erisvaldo.
Na ambulância do Samu foi constatado que ele sofre de tuberculose e estava em estado grave. Por correr risco de morrer, precisaria de atendimento emergencial. Ele foi levado para o Hospital Especializado Octávio Mangabeira, mas o atendimento dele foi recusado ainda na porta. De acordo com os técnicos da ambulância do Samu, o médico recusou recebê-lo por não haver mais vaga.
O pedido de atendimento ainda passava pela central de regulação quando a ambulância se encaminhou ao Hospital Roberto Santos na tentativa de conseguir o internamento. De acordo com a enfermeira do Samu, a central de regulação é o procedimento padrão pelo qual a equipe faz contato com os hospitais solicitando uma vaga aos pacientes que atende.
Segundo Maia, a ambulância ficou na porta do hospital, esperando a regulação enquanto a enfermeira tentava negociar o atendimento do paciente pessoalmente com o médico.
Após a liberação do médico, por volta das 19h, e com cerca de 3h30 de espera, o microempresário e o professor finalmente conseguiram atendimento médico no Hospital Roberto Santos, para o morador de rua que nem conheciam.
Burocracia - Ambos afirmaram que o processo da regulação atrasou muito o atendimento. De acordo com Maia, a enfermeira e o motorista da ambulância, que preferiram não se identificar, reclamaram que todos os dias é preciso essa negociação para o atendimento dos doentes. A enfermeira chegou a afirmar para a reportagem que se o doente fosse deixado na esquina e fosse andando sozinho para o hospital, teria conseguido atendimento mais facilmente, com menos burocracia.
Para Maia, esse foi um dos motivos de tanta demora para Erisvaldo dar entrada no hospital. “Ele podia ter morrido ali em frente ao hospital. Se fosse um caso mais grave, teria morrido na ambulância”, relata.
O hospital - Ambos ficaram assustados com o que viram no Hospital Roberto Santos. “Vi uma demanda muito grande de pacientes na maca para poucos médicos na emergência. A maioria dos pacientes na terceira idade”, conta Maia.
Por sua vez, Passos afirma que “o corredor do hospital está em situação deficiente. Há pessoas sendo atendidas no corredor enquanto esperam pelo médico”.
Apesar da maratona, ambos afirmam que ficaram com o sentimento de dever cumprido. “Ele ia acabar morrendo no meio da rua se ninguém tomasse a atitude de levá-lo para o hospital. Fiquei com o sentimento de alívio e a sensação de que nem tudo está perdido”, afirmou Passos que só conseguiu chegar em casa por volta das 20h.
A reportagem acompanhou, por telefone, a peregrinação em busca de atendimento do morador de rua.
O procedimento - A Assessoria de Comunicação da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) informou que o procedimento realizado pelo Samu foi o correto. De acordo com o órgão, é preciso que o atendido passe pelo sistema de regulação ainda dentro da ambulância do Samu porque caso haja um leito disponível mais rapidamente em outro hospital, o deslocamento do paciente é favorecido.
O órgão reconheceu que os hospitais públicos sob a responsabilidade do estado estão lotados e que todos estão orientados a receber pacientes, independente da maneira que cheguem à unidade. Contudo, os hospitais precisam respeitar critérios de avaliação de atendimento de urgência, que é realizado pelos médicos. Como o Samu é considerado um atendimento pré-hospitalar, é preferível manter o enfermo na ambulância do que dentro da unidade sem o devido atendimento, informou a Sesab.
A assessoria afirmou, ainda, que antes de receber o paciente, a unidade precisa ter um leito apropriado para o caso dele. No caso do paciente com tuberculose, por ser uma doença infecto-contagiosa, foi preciso disponibilizar um leito em isolamento, uma vez que ele não poderia ficar na enfermaria dividindo espaço com outras pessoas.
Quanto ao não recebimento do paciente no Hospital Octávio Mangabeira, a assessoria de imprensa informou que essa unidade não atende casos de emergência.