Em Salvador, cerca de 1.500 trabalhadoras rurais protestam contra agressões e humilhações. Em várias partes do mundo, as queixas se repetem
PATRICK BROCK
Mulheres de rosto vincado e mãos ásperas, de todas as idades, reunidas em um grande fórum calorento, onde a palavra é livre e os discursos relatam o sofrimento causado pela violência familiar. Cerca de 1.500 camponesas de dois movimentos de luta pela reforma agrária estão juntas, desde domingo, no Colégio Estadual João Florêncio Gomes, na Ribeira, para o VI Acampamento das Mulheres Trabalhadoras Rurais, evento anual realizado durante a semana do Dia Internacional da Mulher, comemorado hoje. Dentre a pauta de atividades, debates sobre a condição social feminina no campo e protestos (hoje, no Campo Grande, e amanhã, no Incra, após o encerramento do encontro).
Havia espaço para todos na escola, que estava fechada e será reformada para virar um colégio da Polícia Militar, mas alguns problemas estruturais dificultaram a vida dos acampados: houve falta de água e parte do sistema de esgoto transbordou. A prefeitura forneceu banheiros químicos e um posto de saúde móvel para vacinar as crianças. A maioria dos participantes era de mulheres integradas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Movimento de Trabalhadores Acampados e Assentados (Ceta).
Enquanto alguns dormiam nas salas de aula, onde ventiladores de teto amenizavam o calor da manhã, a maioria dos participantes estava reunida no ginásio da escola. As conclusões dos grupos de discussão eram apresentadas à assembléia, e, no revezamento do microfone, havia discursos educativos e desabafos emocionados: Eu fui violentada duas vezes, disse uma mulher, que não quis se identificar e relatou como teve de fugir da violência praticada pelo marido.
PROBLEMÁTICA As discussões versavam sobre a problemática da mulher no campo: como reagir a comentários machistas, a importância de dividir igualmente as tarefas de casa entre os cônjuges ou denunciar estupros e a violência familiar. Segundo Lúcia Barbosa, 33 anos, integrante da direção nacional do MST na Bahia, a problemática da violência contra a mulher é muito complicada, às vezes existe toda uma estrutura que protege os homens.
Um retrato gigante do ídolo Che Guevara sorria para todos em um canto do ginásio cheio de mulheres. Havia poucos homens; um deles transcrevia as falas com a mão pesada e o traço lento das letras desenhadas. A gente não fala transar, fala servir ao marido, disse Antônia Souza, 42 anos, sobre a opressão masculina. A lei só existe no papel, disse outra mulher, que fugiu do bairro de Massaranduba para o interior por causa das ameaças de morte do marido.
Eu tinha de dormir no mato porque meu marido chegava bêbado em casa de noite, me batia e só faltava me matar, disse uma mulher grisalha. Após anos de sofrimento silencioso, ela decidiu abandonar a casa e denunciar o marido, fugindo com os seis filhos.
HISTÓRIAS Jelsa Santos Souza, 51 anos, que mora há 17 no Assentamento Mariana (Camamu-BA) com mais 28 famílias, defende que os homens entendam a importância da individualidade da mulher. Há discriminação contra as mulheres de meia idade, diz, e as que traem os maridos. Os homens acham que a mulher que trai tem de ser morta, abandonada, explorada de forma violenta, enquanto que a traição do homem é vista de outra maneira.
Ednólia Moreira de Oliveira, 24 anos, nascida no assentamento Cachá (centro do Estado), revela que, para ter as mulheres na linha de frente da militância, enfrentamos muitos problemas, os próprios companheiros às vezes não entendem que as mulheres precisam do seu próprio espaço.
SAIBA MAIS
Países onde as mulheres são mais discriminadas
1 - Afeganistão
2 - Arábia Saudita
3 - Argélia
4 - Bahrein
5 - Bangladesh
6 - Bolívia
7 - Brunei
8 - Camarões
9 - Chile
10 - Egito
11 - EUA
12 - Filipinas
13 - Guatemala
14 - Iêmen
15 - Índia
16 - Israel
17 - Japão
18 - Kuait
19 - Líbano
20 - Líbia
21 - Malásia
22 - Mali
23 - Marrocos
24 - Nepal
25 - Nigéria
26 - Omã
27 - Paquistão
28 - Qatar
29 - Quênia
30 - Romênia
31 - Somália
32 - Sudão
33 - Tanzânia
34 - Tonga
35 - Tunísia
36 - Turquia