No último dia 26 de outubro, a comerciante Maria Salete estava em casa quando recebeu um telefonema da delegacia de Polícia Civil de Santo Amaro (a 110km de Salvador). Do outro lado da linha, o delegado lhe perguntou se seu carro, um sedan médio prateado, estava com ela. “Está na garagem”, respondeu. “Houve um assalto em Terra Nova e a descrição do carro e a placa coincidem com a de seu veículo”, continuou o policial. Naquela manhã, dona Maria salete descobriu que seu carro havia sido clonado.
o caso de dona Maria Salete não é único. Somente em Salvador, a Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV) registra em média de cinco queixas por dia devido a esse tipo de crime. É essa realidade que a portaria número 272 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) pretende combater, a partir de 2009, com a instalação um novo tipo de lacre durante o processo de emplacamento ou vistoria de todos os veículos do país.
O sistema é apontado pelo órgão como a solução para o problema da clonagem, que é quando um criminoso coloca em um veículo placas de outro carro, geralmente idêntico, do mesmo modelo e cor. Com isso, é possível disfarçar veículos roubados e enganar os agentes de trânsito. Além disso, o dono do carro “original” passa a receber infrações cometidas pelo clone, que, na prática, torna-se imune à ação dos órgãos de fiscalização de trânsito.
Apesar da importância do novo sistema de controle, a data para sua implantação vem sendo constantemente adiada. Inicialmente planejado para entrar em vigor em julho de 2008, o prazo oficial foi prorrogado para 1º de janeiro de 2009. E mesmo assim, um pedido da Associação Nacional dos Detrans (AND) pode fazer com que a colocação dos primeiros lacres seja novamente adiada pelo Contran, que tratará do assunto em uma reunião no próximo dia 19 de dezembro. Segundo a AND, não há, no momento, a infra-estrutura necessária para a aplicação do novo sistema. Além disso, apenas uma empresa está homologada até agora para a fabricação dos lacres, o que impede a realização de licitação pública e vai contra a legislação federal.
Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), órgão executor das resoluções do Contran, o novo modelo de lacre trará inscrito um código numérico de dez dígitos ao lado da palavra ‘Detran’ e do código da unidade da federação na qual esteja registrado o veículo. Essa informação será compilada junto a outras referentes à matrícula, modelo de veículo, proprietário e residência deste em uma base de dados nacional que poderá ser acessada pelos departamentos estaduais de trânsito e pelos serviços de investigação policiais. Desse modo, diz o órgão, será possível identificar veículos clonados. “A pessoa poderá copiar a placa, mas copiar o lacre é impossível. A fraude poderá ser descoberta, por exemplo, em uma blitz” garante a assessora de comunicação do Denatran, Jaqueline Costa.
VÍTIMAS – Conforme explica o diretor coordenador de vistorias do Detran baiano, Domingos Lemos, para cada caso de clonagem de veículo há pelo menos duas vítimas. Uma delas é o dono do veículo cujas placas foram clonadas, como dona Maria Salete, que pode passar a receber multas de infrações cometidas por outros condutores. Segundo o Detran, nestes casos, a pessoa deverá fazer sua defesa e provar que as multas foram ocasionadas pelo clone. A segunda é o dono do veículo que foi roubado e usado para a clonagem. Nesse caso, a queixa deve ser dirigida à DRFRV.
Existe, ainda, a possibilidade de uma terceira vítima, caso o objetivo do clone seja a venda do veículo para um terceiro. “Infelizmente, é muito complicado descobrir quando o veículo [que se está adquirindo] é clone. A pessoa pode anotar o número do chassi, o modelo e a placa e trazer ao Detran, para que verifiquemos se as informações coincidem”, explica Lemos. Outra recomendação do coordenador é desconfiar de veículos ofertados a preços muito abaixo do mercado.
CONFUSÃO – Uma das questões apontadas pelo Denatran a respeito do novo sistema é a necessidade de não confundir a “rastreabilidade” permitida pelo lacre (possibilidade de conferir informações existentes em bases dedados através dele) com a possibilidade de se rastrear o veículo por meio de satélite. “Nós não podemos obrigar ninguém a usar um rastreador porque estaríamos violando a privacidade das pessoas. O que poderá ser feito é apenas o acesso a dados importantes sobre o veículo”, explicou Jaqueline Costa.
Devido à indefinição, nem o Detran baiano nem o Denatran souberam informar o valor do novo lacre e quanto passará a custar o serviço de emplacamento. Seja qual for o preço, contudo, dona Maria Salete concorda com a necessidade de instalar o novo dispositivo. “Tudo o que for feito para evitar esse tipo de transtorno é válido”, diz ela, que além de ter seu automóvel indevidamente apontado como envolvido em um assalto, já recebeu indevidamente cinco multas por excesso de velocidade.