Carina Rabelo,
do
A Tarde On Line
Falta de higiene na alimentação, ociosidade dos internos, práticas de violência contra os menores, falta de assistência judiciária e de políticas educacionais para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, superlotação da unidade e deficiência na estrutura física. Estas são as denunciais feitas pela Ordem dos Advogados da Bahia (OAB-BA) e pelo Conselho Regional de Psicologia contra o Centro de Atendimento ao Menor Infrator (CAM) após visita surpresa realizada na unidade nesta quarta-feira, 15.
Algumas irregularidades também foram constatadas na Delegacia do Adolescente Infrator (DAI), entre elas, precariedade na estrutura física do prédio, falta de colchões para os internos, de roupas, presença de geladeiras quebradas e sanitários em más condições de higiene. Nesta quinta-feira, 16, um relatório completo com o detalhamento das irregularidades será enviado pela OAB ao Ministério Público e às autoridades governamentais.
Uma das acusações mais graves contra o CAM é a prática de enclausuramento do adolescente rebelde na chamada sala branca, uma espécie de solitária. No vídeo elaborado pela comissão, a sala branca aparece como um cubículo mínimo, onde o adolescente ficaria retido por um determinado tempo, a depender da infração cometida. O local não possui colchão e o menor é obrigado a urinar numa garrafa plástica. A direção do CAM confirma a existência da sala branca, mas garante que o adolescente não fica privado do convívio com os demais. É uma medida para proteger os demais internos ou o próprio adolescente que esteja sob ameaça de agressão, justifica a gerente do CAM, Fátima Rocha.
Outra denúncia grave é o caso de um menor que alega estar na instituição há mais de três anos e sem assistência judiciária. Um dos meninos internos disse que perderam o processo dele, que quase nunca recebe visitas de assistentes judiciários e que não tem idéia de quando vai poder sair de lá, comenta Charbel Libório, membro da comissão de ética do Conselho.
Libório também revela que o uso de drogas é comum no local. Há muitos menores viciados em crack que recebem a drogas das próprias mães, e não há qualquer fiscalização do Centro. Com a abstinência da droga, eles ficam violentos e descontrolados, denuncia. Segundo a comissão, há muitos casos de menores com transtorno psiquiátrico causado pelo consumo de crack, mas o CAM não oferece a estes internos nenhum atendimento específico.
O diretor do CAM, Fidenciano Medrado, negou todas as acusações da OAB, mas admite que, de fato, há superlotação da unidade. O que realmente existe é uma grande quantidade de menores no Centro, mas já estamos providenciando a transferência de parte do grupo para o Centro de Atendimento Sócio-Educativo, em Simões Filho. Não tenho conhecimento que as outras irregularidades estejam acontecendo, defende-se. O CAM abriga 240 menores de 12 a 21 anos, mas o local só tem capacidade para 120. Do total de internos, apenas 82 são sentenciados e os demais aguardam revisão da medida sócio-educativa.
Precipitação
A gerente do CAM, Fátima Rocha, acusa a OAB de imprudência com a divulgação dos dados. É um absurdo que os comissários venham aqui num único dia cheguem a tais conclusões e divulguem tudo precipitadamente para a imprensa. Eles deveriam vir em outros dias também para poder julgar com precisão, rebate. As visitas surpresas às unidades de recuperação do menor infrator ocorreram em todas as capitais do País nesta quarta-feira e, segundo nota oficial da OAB, a imprensa não foi notificada com antecedência nem convocada para participar da visita para não haver a possibilidade dos responsáveis mascararem a realidade da situação.
No vídeo exibido pela OAB, gravado durante a visita, um dos internos mostra marcas no braço e acusa os monitores de maus tratos. Eles batem na gente com barrotes (vigas de madeira utilizadas em construções civis) e nos ameaçam com outros instrumentos também, como barras e estacas de ferro relata um menor. Questionada sobre a prática de violência no CAM, Fátima alega que não se trata de uma prática institucionalizada. Pode acontecer casos que o funcionário extrapole com um dos meninos, mas se isso acontecer, ele será punido. O Coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB, Messias José das Virgens, admite que não foi encontrada qualquer prova de maus tratos praticados pelos funcionários. Mesmo assim a denúncia será anexada ao relatório.
O vídeo também exibe imagens de alimentos fora das condições de higiene, sobrevoados por moscas, e um copo abastecido com água não-filtrada, respingada a partir de uma tubulação hidráulica do local. É esta água que eles bebem normalmente, contrariando todas as normas de salubridade, acusa a coordenadora da comissão. Os internos também aparecem constantemente em estado de ociosidade. Segundo o relatório da comissão, quase não há oferta de atividades recreativas ou educativas para os internos.
DAI
A estrutura da Delegacia do Adolescente Infrator (DAI) também é duramente criticada no relatório da OAB. A delegada da DAI, Olveranda Oliveira, justifica a precariedade das instalações pelo fato de a unidade estar em local provisório e responsabiliza os adolescentes por parte dos danos. Estamos funcionando em uma unidade provisória e com muita dificuldade. É bom lembrar que os próprios adolescentes sujam as paredes e não tem cuidado com as coisas, afirma. No entanto, a Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia, Marilda Castelar, não aceita a justificativa. Eles alegam que estão em local provisório até junho, mas isto não justifica as condições de vida que estão oferecendo aos menores, rebate.
A Coordenadora também questiona a internação como método para recuperar o menor infrator. É importante que a sociedade pense em outras formas de recuperação do adolescente infrator. O ato de enclausurar o adolescente já provou ser um método que não funciona. É como a situação de internação em manicômios, que só piora a situação da pessoa.
A lei
De acordo com os artigos 121 e 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nenhum menor poderá permanecer em regime de internação por mais de três anos, e a reclusão deverá ser revista a cada seis meses. Nenhum menor poderá ser confinado em estado de incomunicabilidade e todos têm o direito de habitar em alojamento com condições adequadas de higiene e salubridade.
O ECA também obriga a instituição a oferecer escolarização e profissionalização aos menores, além da realização de atividades culturais, esportivas e de lazer. Segundo a lei, também é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.