A construção da Faculdade de Tecnologia e Ciência (FTC) custou caro para os moradores dos bairros Jaguaribe, Piatã, Placaford, Bairro da Paz e outros condomínios da avenida Orlando Gomes. Durante a execução das obras no terreno de 7,2 hectares, a empresa responsável - Sena Construções Ltda - despejou terra e entulhos em área de preservação ambiental permanente e aterrou parte do Rio Jaguaribe. A ação irregular provocou a inundação de mais de mil residências na região, desde condomínios de luxo a casas populares, e causou danos irreversíveis à biodiversidade local.
Diante da gravidade da situação, o Ministério Público Estadual assinou com a construtora, em setembro de 2005, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que a empresa reconhecia o erro e se comprometia a desaterrar o local e retirar os entulhos em 30 dias. No entanto, o acordo não foi cumprido. Em maio de 2006, o MP ofereceu denúncia criminal contra a Sena, determinando o pagamento de indenização de R$ 100 mil pelos danos causados sob pena de reclusão de um a três anos aos responsáveis. A audiência judicial está marcada para o próximo mês.
A reportagem do
A Tarde On Line teve acesso às imagens arquivadas no inquérito do MP que mostram o efeito das inundações sobre as residências dos diversos condomínios da região. As fotos mostram salas de luxo e jardins inundados pelas águas da chuva. Sofás e equipamentos eletrônicos à deriva e quartos com água em até 40 cm do solo. Segundo estimativa da Associação dos Moradores e Amigos do Rio Jaguaribe (Ama Jaguaribe), o prejuízo já chega a R$ 25 mil em cada residência.
"A principal preocupação dos moradores no momento é continuidade de ocupações irregulares ao longo do rio Jaguaribe, sob o mesmo padrão de crescimento executado desde a década de 70, sem qualquer respeito às leis ambientais. As novas edificações da região intensificam cada vez mais os impactos negativos e provocam enchentes, assoreamento, aterros e poluições. Este tipo de ocupação não pode continuar", protesta o diretor técnico da Ama Jaguaribe, Tiago Brasileiro, que afirma que algumas associações de condomínios já entraram com pedido de indenização na justiça contra a construtora.
Segundo o promotor de justiça e coordenador do núcleo da mata atlântica, Antônio Sérgio Mendes, a indenização solicitada pelo MP será aplicada como medida compensatória para custear programas ambientais. "Existem danos irreversíveis na região, como a destruição da biodiversidade local e a fuga de animais, geradas pelas ocupações irregulares, por isso, exigimos a indenização."
O MP assinou um acordo com a administração do Shopping Paralela, que comprou a área lesada pela Sena Construtora e assumiu o passivo ambiental do local, passando a ter responsabilidade sobre a recuperação e manutenção da área adquirida. A administradora comprometeu-se em desaterrar o local.
O proprietário da Sena Constuções Ltda, João Carlos Pereira Bicalho, culpa o clima pelo descumprimento da determinação do MP. "Devido às fortes chuvas, foi inviável a execução da obra solicitada pelo Ministério Público. De fato, houve uma falha quanto ao cumprimento do prazo estabelecido, mas a empresa fará uma ação conjunta com a FTC para regularizar a situação o mais breve possível", declara.
No entanto, segundo o promotor de justiça, "mesmo que a empresa execute as obras necessárias para retirar o material depositado irregularmente sobre o rio Jaguaribe, terá que responder pelo dano causado."
A FTC esclarece em nota oficial "não ter nenhuma responsabilidade sobre atos praticados pela empresa Sena Construtora e que condena qualquer tipo de agressão à natureza". A faculdade ainda esclarece que não tinha conhecimento da denúncia do Ministério Público.
Danos no local - Os danos ambientais na área são resultantes de uma série de ocupações irregulares na região da Paralela ao longo dos anos, principalmente nos trechos do Imbuí, Boca do Rio e Stiep. O impacto mais negativo foi o aterramento de parte da bacia de drenagem do rio Jaguaribe, responsável pela absorção da água da chuva e liberação para o mar, fundamental para o escoamento hidrográfico da região.
O aterramento irregular na área impermeabilizou o solo e impediu a absorção da água, que se acumula provocando inundações nas pistas e residências próximas, principalmente nos dias de chuva. A biodiversidade (flora e fauna) também ficaram prejudicadas e, neste caso, o dano pode ser irreversível.
"São fundamentais ações de fiscalização dos órgãos competentes e estudos criteriosos de impacto ambiental na vizinhança para futuras intervenções na região da Paralela, cada vez mais visada pelas construtoras para sediar novas edificações e espaços comerciais. Certas infrações na Lei de Uso do Solo provocam danos graves a biodiversidade e uma ação irresponsável como um aterro irregular de um rio afeta todo o ciclo hidrográfico e térmico", pondera a arquiteta especialista em urbanismo, meio ambiente e políticas públicas pela Universidade Federal do Paraná, Cristiane Rabelo.
O Ministério Público também investiga outras ocupações irregulares que podem contribuir com os danos ambientais sobre a Bacia do Jaguaribe pelo uso desordenado do solo. Entre as investigadas, estão o Parque de Pituaçu, Village Greenville (Imbuí), Colinas de Jaguaribe, Clube Grenor (Patamares) e Faculdade Bahiana de Ciências - Fabac (Patamares), além de outras obras nas regiões da Boca do Rio e Stiep.