Os miados fazem vibrar os tímpanos assim que se cruza a porta da frente na casa da veterinária Lília Amorim, 40 anos. Sua vida é dedicada a uma missão: cuidar de felinos abandonados e maltratados pelas ruas de Salvador.
É impossível precisar quantos gatos se espalham pelos cômodos da casa. Mais complicado ainda é dimensionar o tamanho do amor que Lília sente por eles. Portadora de esclerose múltipla, doença que afeta os movimentos, Lília resolveu entrar na luta para mudar a consciência popular e mostrar que os bichanos não devem ser maltratados.
Seu maior sonho agora é conseguir formalizar uma organização não-governamental com a missão de recolher e castrar os gatos de rua. É melhor do que entrarmos na política de exterminar os animais, comenta.
A futura ONG pretende percorrer os bairros populares a fim de informar às pessoas em especial as crianças sobre o mal que causa ao fazer maldade com os gatos, além de alertar sobre o fato de que é crime previsto em lei maltratar animais. Formada pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Lília se especializou em reprodução de cavalos, indo trabalhar em Sâo Paulo.
Porém, a dormência constante nos pés e a visão turva fizeram brotar a desconfiança de que algo ia mal com o físico. Pouco tempo depois descobriu a esclerose múltipla. Vi a necessidade de batalhar. Era viver ou morrer. Decidi lutar, comenta.
Sem condições de se manter na ativa na labuta diária com os eqüinos, abraçou de forma intensa a causa dos felinos abandonados. Hoje, ajuda, inclusive, outras entidades que atuam na defesa dos animais, dando demonstrações de uma devoção à altura das histórias de São Francisco de Assis. E, para estar engajada nessa causa, é preciso ter energia e, principalmente, dinheiro.
São 260 quilos mensais de ração, uma lata de leite em pó por dia para os filhotes e muito, mais muito pouco dinheiro. Só conto com minha aposentadoria e alguns amigos. Às vezes compro a ração e, quando vejo, não tem como pagar a conta de luz, diz.
GATA No meio dos olhares desconfiados, destaca-se a pequena Lilinha, uma gatinha de quatro meses que quase morreu por causa de uma doença que causa acúmulo de líquido no abdômen e costuma ser fatal entra os gatos.
Os veterinários já tinham um diagnóstico praticamente definitivo de que a gatinha não sobreviveria quando, um belo dia, Lilinha acordou miando. Era sinal de que era uma guerreira e iria viver. Por isso, a batizei com meu nome, recorda.
Para manter a higiene diante de tantos bichanos, Lília mantém a casa sempre arrumada, além de castrar os animais e deixá-los sempre vermifugados. Nas janelas, as lonas impedem que vizinhos reclamem por terem gatos miando no seu quintal.
Agora, o caminho traçado por ela é de voltar a estudar. Dessa vez, conseguiu uma bolsa em uma faculdade de Ribeirão Preto (SP), onde irá se especializar em ultra-sonografia, graças a ajuda de um amigo que irá custear as passagens e a hospedagem na cidade. Enquanto estiver voltada aos livros, os bichanos terão uma babá que não os deixe voltar às ruas.