Aumento da procura pelo documento de identificação neste período faz muita gente madrugar na fila do SAC
Eder Luis Santana
Quando sua carteira de identidade sumiu, a professora Raimunda Souza Viana, 53 anos, não imaginava a maratona que teria de enfrentar até conseguir um novo documento. Foram oito tentativas em três agências do Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) antes de garantir uma senha.
Nos quatro maiores postos da capital Iguatemi, Comércio, Barra e Transbordo , as senhas terminam antes das 9 horas. A direção do órgão estima que cerca de 540 pessoas por dia não estejam sendo atendidas.
A via-crúcis de Raimunda começou no dia 3 deste mês. Chegou por volta das 9 horas à agência do SAC no Comércio, sendo informada que as senhas tinham terminado. Em seguida, resolveu se aventurar no SAC do Shopping Iguatemi, onde as senhas também já não existiam mais. Mandaram que eu voltasse mais cedo, lembra.
No dia 6, Raimunda voltou ao posto do Comércio às 11 horas e acabou recebida por uma funcionária que a alertou sobre o problema. Disseram que a demanda estava grande e pediram para voltar antes das 6 da manhã.
Achei um absurdo, desabafou, ao comentar que mora na Garibaldi e não tem condições de ver o dia amanhecer na porta do SAC. No dia 9, chegou novamente às 8 horas no Comércio e, após passar uma hora na fila, foi surpreendida novamente com o término das senhas.
Revoltada com as idas e vindas, foi ao Comércio às 8 horas do dia 11, um sábado, e foi informada que não haveria expediente. Insatisfeita, pegou outro ônibus até o Shopping Barra. Para seu desespero, o relógio marcava 9h30 quando ficou sabendo que as senhas haviam terminado.
Na última segunda-feira, Raimunda esteve novamente no Comércio por volta das 8h30. Oitenta e quatro pessoas aguardavam na sua frente, até que às 9h10 a atendente anunciou o fim das senhas.
Raimunda chegou ontem às 7 horas e conseguiu senha para ser atendida a partir das 13 horas. Cansada, não conseguia esconder a revolta, apesar de demonstrar felicidade por finalmente sair com uma garantia mínima de conseguir uma nova carteira de identidade. Isso é desumano.
É inaceitável que a população esteja passando por isso, disse. Enquanto guardava de forma rápida o bilhete de número 147 dentro da bolsa, dezenas de outras pessoas saíam do SAC sem a senha. Somente às 15h30 ela finalmente conseguiu a carteira.
DEMANDA Ontem, A TARDE percorreu os postos do SAC no Comércio, nos shoppings Iguatemi, Barra e na Estação de Transbordo. São distribuídas todos os dias 200 senhas para a emissão de carteiras. No Iguatemi, este número chega a 240. Às 10h30 não era possível encontrar senhas em nenhum deles. Funcionários informaram que a quantidade disponível costuma terminar por volta das 8 horas.
O diretor operacional do SAC, André Peixinho, admite que desde dezembro foi registrado aumento de 40% na quantidade de pessoas que buscam o serviço. O acréscimo costuma ser registrado até depois do Carnaval, quando termina o período de férias escolares e a abertura dos prazos de matrículas - fatores que levam muitos jovens às filas do SAC.
As festas populares também são mencionadas como causadoras do aumento na procura. Além dos documentos perdidos em festas de largo, alguns profissionais aproveitam esta época para conseguir trabalho temporário e precisam de nova documentação. Os oito postos do SAC na capital oferecem 1.460 senhas para emissão de carteiras de identidade por dia, o que representa 32 mil senhas por mês.
Longa espera pela gratuidade
Treze horas e quinze minutos. Depois de tanto tempo, a dona-de-casa Sueli Souza Rasteli, 40 anos, conseguiu ver a carteira de identidade do seu filho Marcos Rasteli, 19 anos, e da vizinha Monique Lima, 14 anos.
Os três chegaram aos postos do SAC, no Comércio, às 21 horas de segunda-feira. Depois de dormirem ao relento e passarem fome, saíram vitoriosos por terem conseguido uma das dez senhas distribuídas todos os dias para a emissão gratuita de carteiras de identidade.
O Instituto de Identificação Pedro Mello (IIPM) autoriza que dez senhas sejam distribuídas em cada posto do SAC. São atendidas cinco pessoas por turno. O problema é que boa parte dos que buscam o serviço não tem condições de arcar com os preços cobrados por cada documento. A primeira via da identidade custa R$ 4, valor que salta para R$ 14 e R$ 17 quando se tiram as segunda e terceira vias, respectivamente.
Não tenho como pagar. Vim de carona e só temos aqui R$ 0,20 no bolso, dizia Sueli, enquanto se amparava na muleta. Ela tem uma seqüela por ter sido atropelada há nove anos. Com o atestado de pobreza em mãos, entrou no SAC às 6 horas e somente às 10h15 recebeu as carteiras de identidade.
Nos momentos de maior revolta, reuniu forças para discutir com funcionários do IIPM que vieram informar, por volta das 9 horas, que a máquina plastificadora de documentos havia quebrado. Nada funciona por aqui, retrucou.
Lamento Aos que não conseguem senha, resta lamentar e tentar a sorte em outro dia, como foi o caso do açougueiro Gelson Pires, 61 anos. Mesmo tendo saído de sua casa, no subúrbio ferroviário, ainda de noite, não teve direito a tentar uma carteira gratuita. Com o salário de R$ 360, Gelson tem de manter as despesas da casa e ainda custear os remédios da esposa com problema de varizes.
Vou voltar amanhã (hoje) nem que seja às 4 da manhã, completa. O sonho da aposentadoria é o que impulsiona Gelson a chegar tão cedo ao SAC, pois o INSS não concede abertura de benefícios aos que estiverem sem documentação. Entretanto, ele comenta que não sabe se poderá faltar novamente ao trabalho. Só tenho folga a cada 15 dias, lamenta.
Estados buscam alternativas
Nesta mesma época do ano, o aumento no número de pessoas que buscam a carteira de identidade também atrapalha o atendimento em outros Estados, o que leva os órgãos responsáveis pela emissão a tomarem providências para melhorar a situação.
Em São Paulo, por exemplo, o mês de janeiro apresenta aumento superior a 25% na procura pelo serviço de emissão de carteiras de identidade. Batizado de Poupatempo, o sistema utiliza um esquema especial de funcionamento nesse período.
Assim, todas as mesas de atendimento do RG são mantidas abertas (deslocando funcionários de outro setor para a emissão do documento). Em Pernambuco, foi proibido que funcionários tirem férias no período de pico na emissão das carteiras. É impossível reduzir o pessoal, diz a gerente do Programa Expresso Cidadão.
Ainda no Nordeste, o fluxo é ampliado em Alagoas, onde funcionários foram contratados para atender à demanda extra, como explicou o diretor-geral da Central de Atendimento ao Cidadão, Niplon Santos. Foi preciso fazer isso depois que as 150 senhas entregues por dia não davam conta, comenta.
Em março, primeira via do documento será de graça
A diretora do Instituto de Identificação Pedro Mello (IIPM), Iracilda Santos Conceição, comenta que no ano passado o órgão emitiu 774 mil carteiras de identidade no Estado, sendo que 40% estão no programa de gratuidade. Porém, esse percentual tende a aumentar a partir de 6 de março, quando as primeiras vias da carteira poderão ser feitas sem pagar nada.
A única exigência é que o cidadão se dirija a um posto autorizado, onde será verificado se o documento é realmente o primeiro.
Questionada sobre o fato de as senhas serem insuficientes para atender à demanda dos SACs, Iracilda comenta que o número distribuído depende da capacidade de cada agência. Não adianta colocarmos 400 senhas quando temos servidores para atender apenas 200, assinala. No posto do Comércio, por exemplo, são 11 funcionários. Ontem, dez trabalhavam e um estava de férias.
CONCURSO Iracilda admite que existe um déficit na quantidade de servidores, mas acredita que o problema será minimizado em junho, quando novos peritos-técnicos aprovados em concurso serão convocados. A coordenadora do IIPM no Comércio, Rosimar Medina, lembra que, em casos especiais, é possível que haja a ampliação no número de senhas.
Aos que desejam a identidade gratuita, ela comenta que não é preciso atestado de pobreza emitido por nenhuma instituição, basta que o cidadão vá ao posto e solicite o benefício.
MEDIDAS Como forma de atender à demanda, o SAC iniciou, dia 21 de janeiro, uma força-tarefa. Desde então, os postos da Boca do Rio, Periperi e da Estação de Transbordo passaram a funcionar aos sábados das 8 às 13 horas.
Antes disso, somente os postos dos shoppings Barra e Iguatemi abriam nesse dia. O diretor operacional do SAC, André Peixinho, aconselha que o cidadão utilize os serviços de marcação de horário pelo telefone 0800-715353 ou pelo site www.sac.ba.gov.br.
A força-tarefa irá funcionar até março, quando a procura pelo serviço costuma ser normalizada. Entretanto, Peixinho lamenta que a população não tenha comparecido. Nos quatro sábados em que o sistema foi implantado, foram feitos 1.823 agendamentos, sendo que 1.015 pessoas compareceram.
Conseguimos repor apenas 300 senhas, ou seja, 508 sobraram. E são esses que deixam de vir que muitas vezes enchem os postos durante a semana, assinala.
Anunciado pelo governo do Estado como um serviço de referência no País, o SAC ganhou em 2004 o Prêmio das Nações Unidas na categoria Melhoria dos Resultados do Serviço Público. Criado em 1995, o sistema oferece mais de 500 serviços ligados a 25 órgãos estaduais, seis federais, sete municipais e dois privados.
Postos de atendimento do SAC
Horário de funcionamento (segunda a sexta-feira)
Boca do Rio: 7 às 17h
Cajazeiras: 8 às 14h
Comércio: 7 às 17h
Estação de Transbordo Iguatemi: 7 às 17h
Liberdade: 8 às 14h
Periperi: 7 às 17h
Shopping Barra: 8 às 18h, sábado das 9 às 14h
Shopping Iguatemi: 8 às 22h, Sábado das 9 às 14h
Opções para fugir das filas
Marcação de atendimento pelo telefone 0800-715353 ou pelo site www.sac.ba.gov.br.
Força-tarefa: aos sábados, é possível marcar atendimento para os postos da Boca do Rio, Periperi, Estação de Transbordo. No caso dos shoppings Barra e Iguatemi, onde já havia expediente aos sábados, o horário foi ampliado para as 18 horas.