Ele disse que, sem Lula, o PT ficará acéfalo
Ex-assessor especial do ex-presidente Lula e um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT), Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto sobe neste domingo, 21, ao palco do Teatro Castro Alves (TCA) para proferir uma palestra no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
Ao A TARDE, em entrevista exclusiva por e-mail (a pedido do entrevistado), o frade dominicano adiantou que fará uma “severa crítica” sobre a intolerância religiosa. Para ele, aquele que se julga adepto da única e verdadeira religião e despreza as outras comete grave pecado antirreligioso.
Questionado, o entrevistado comentou, ainda, o cenário político atual e afirmou que, "sem Lula, o PT ficará acéfalo". Sobre a Lava Jato, disse que, nas mãos do juiz Sérgio Moro, se tornou tolerante com políticos de partidos conservadores e obcecada em punir políticos de partidos progressistas, em especial do PT.
Nascido em Belo Horizonte (MG) e autor de 60 livros, o frei, que cursou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia, tem uma trajetória que inclui, ainda, consultoria ao MST e coordenação da Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais (Anampos).
O senhor vem a Salvador para participar de um evento no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Qual será o teor da sua fala?
Farei uma severa crítica à intolerância religiosa. Deus não tem religião. E quem se julga adepto da única e verdadeira religião, desprezando as demais, já comete grave pecado antirreligioso, porque contraria o princípio básico de todas as religiões: o amor, o respeito ao outro. Jesus curou o servo do centurião romano sem impor a este a condição de abandonar o paganismo e seguir o que ele pregava. Curou a mulher fenícia sem exigir que abjurasse de sua religião politeísta.
Segundo dados do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, instância vinculada à Sepromi que oferece atendimento a vítimas, em 2016, foram registrados 32 casos de intolerância. Ano passado, 21. Desde 2013, quando o centro foi criado, já foram computados 108 casos na Bahia relacionados a terreiros de candomblé. Ao que o senhor atribui esses casos de intolerância?
Atribuo à ignorância religiosa. Quem julga que candomblé é coisa do diabo ou espiritismo uma farsa está se confessando nada entender quanto à natureza e o caráter dessas vertentes religiosas. A Igreja Católica cometeu esse equívoco no passado, e de nada adiantou a intolerância dela em relação a outras expressões de fé. “A árvore se conhece pelos frutos”, disse Jesus. De que vale uma Igreja que demoniza adeptos de outras religiões ou uma comunidade religiosa que discrimina seguidores de outra? Toda forma de preconceito e discriminação é filha do fanatismo, do fascismo e do obscurantismo.
"
Quem julga que candomblé é coisa do diabo ou espiritismo uma farsa está confessando nada entender quanto à natureza e o caráter dessas vertentes religiosas
Frei Betto
O senhor acredita que essa “onda conservadora” que o país vivencia manifestada sobretudo na política brasileira pode recrudescer o número de casos de intolerância religiosa? O que fazer para evitar novas ocorrências?
Devemos intensificar o diálogo ecumênico (entre as Igrejas cristãs) e o diálogo inter-religioso (entre as diversas denominações religiosas). É a aproximação que favorece desfazer equívocos e preconceitos. Leva-nos a não fazer da diferença divergência.
Por falar em política, estamos a poucos dias do julgamento do ex-presidente Lula que ocorrerá no dia 24 deste mês. Qual o impacto desse julgamento na vida política do ex-presidente?
Não é o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva que estará sentado no banco dos réus em Porto Alegre, dia 24. É o Judiciário brasileiro, tão rigoroso com uns e frouxo com outros acusados de crimes graves cujas imagens e gravações foram transmitidas por rádio e TV a toda a nação. Lula sairá vitorioso, seja qual for o resultado: se absolvido, ficará livre das acusações que lhe são feitas. Se condenado, se tornará um mártir político do Judiciário que condena uns e se mantém cego e leniente diante de outras figuras políticas que cometeram delitos comprovados.
Apesar de ter sido investigado e condenado, o ex-presidente aparece como o favorito em pesquisas eleitorais. Como explicar essa aparente contradição?
Nenhuma contradição. No golpe que derrubou a presidente Dilma a direita mirou no que viu e acertou no que só agora vê: o governo Temer não consegue sequer obter 5% de aprovação da opinião pública. Lula saiu do Planalto com 87% de aprovação, segundo dados do Ibope. Com Temer, o Brasil entrou em retrocesso. Os eleitores têm saudades daqueles anos nos quais havia mais direitos sociais, oportunidades de trabalho e menos desemprego, menos violência, mais poder aquisitivo do salário mínimo, acesso dos mais pobres à universidade etc.
"
O Brasil é uma nação conservadora. (O deputado federal Jair) Bolsonaro é regra. Lula e Guilherme Boulos são exceções.
Frei Betto
Se Lula for de fato um dos candidatos, o senhor acha que ele conseguirá crescer nas pesquisas de intenção de votos?
Independentemente do que acho, as pesquisas têm demonstrado que sim.
O senhor disse à época da condenação do ex-presidente pelo juiz Sérgio Moro que a decisão do magistrado era uma injustiça. No âmbito da Lava Jato, o senhor acha que essa injustiça ocorre somente com Lula ou com todos os investigados de diferentes partidos? E qual o motivo, na sua opinião, dessa “injustiça”?
Sempre fui a favor da Lava Jato e continuo defendendo que a corrupção precisa ser rigorosamente investigada e punida, conforme abordo em meus dois livros de críticas aos 13 anos de governo do PT, ambos da editora Rocco: “A mosca azul” e “Calendário do Poder”. Contudo, a Lava Jato, em mãos do juiz Moro, se deixou contaminar por forte viés político-partidário, tolerante com políticos de partidos conservadores e obcecada em punir políticos de partidos progressistas, em especial do PT.
O PT sempre esteve muito ligado à figura do ex-presidente Lula. O senhor acha que o partido terá condições de existir mesmo se houver um possível distanciamento dele?
Não concebo PT sem Lula e Lula sem PT. Estão indissoluvelmente vinculados. E por não trabalhar a formação de outras lideranças expressivas, ou valorizar suficientemente as que existem em potencial, se ocorrer amanhã a tragédia de Lula desaparecer, o PT ficará acéfalo, correndo o risco de esfacelar em briga de correntes internas.
Em muitas entrevistas, o senhor defendeu que o PT precisa fazer uma autocrítica. Quais erros e supostos crimes o partido deveria assumir?
Descrevo avanços e erros do governo do PT nos livros acima citados. Um dos equívocos foi priorizar o acesso da nação a bens de consumo pessoal: carro, TV, celular, viagens etc. Quando deveria priorizar o acesso a bens de consumo social: educação, saúde, moradia, transporte etc. Assim, criou-se uma nação de consumistas e não de protagonistas políticos.
"
É uma lástima o PT, que promoveu tantas conquistas, não admitir seus equívocos
Frei Betto
Na sua opinião, porque o partido não faz essa autocrítica? Onde está a resistência?
Há que fazer esta pergunta ao partido. É uma lástima o PT, que promoveu tantas conquistas, não admitir seus equívocos.
Em uma de suas entrevistas, o senhor afirmou que o PT precisa voltar a ter um projeto de Brasil e não apenas “de poder”. As gestões de Lula e de Dilma Rousseff, para o senhor, foram apenas um projeto de poder? Como fazer um projeto de Brasil?
É o que analiso em “A mosca azul” e “Calendário do Poder”. No governo, ganhar eleições passou a ser mais importante para o PT do que mudar as estruturas arcaicas do Brasil. Em 13 anos de governo, nenhuma reforma estrutural, nem a política, a trabalhista, a agrária (tão prometida nos documentos fundadores do PT), a sanitária, a urbana etc. Apenas se mexeu na aposentadoria do funcionalismo público. Hoje o PT é vítima das reformas que não fez.
O senhor acha que a crise do PT possibilitou a ascensão de possíveis candidatos como o deputado federal Jair Bolsonaro com valores conservadores?
O Brasil é uma nação conservadora. Bolsonaro é regra. Lula e Guilherme Boulos são exceções.