O Brasil quer limitar a influência de empresas multinacionais do setor farmacêutico nas políticas da Organização Mundial da Saúde (OMS). A partir da semana que vem acontece a Assembléia Mundial da Saúde em Genebra e o Itamaraty e o Ministério da Saúde irão propor que uma política para lidar com a questão do acesso a remédios e patentes seja estabelecida exclusivamente por governos, sem a participação do setor privado
A decisão de fazer a proposta ocorreu depois que a OMS encerrou dois anos de estudos sobre o papel de patentes. A agência de saúde da ONU montou uma comissão de especialistas independentes. Mas com a interferência de empresas e a falta de entendimento entre os especialistas escolhidos para elaborar o documento, alguns deles representantes do setor privado, a OMS não conseguiu sequer entrar em um acordo se patentes de remédios são ou não um obstáculo ao acesso aos remédios. Além disso, o documento não pede a revisão das leis de propriedade intelectual hoje em vigor, como esperavam os países em desenvolvimento.
"Não estamos rediscutindo o sistema de propriedade intelectual", admitiu Ruth Dreifuss, presidente da comissão. "Os interesses do setor privado neutralizaram os resultados do relatório", afirmou uma fonte diplomática brasileira.
James Love, um dos principais ativistas na área de saúde e presidente da entidade Consumers Project on Technology, acusa "o lobby das empresas de ter sido eficaz em reduzir o impacto do relatório ".
A elaboração do documento foi permeada de polêmicas. Alguns especialistas ameaçaram pedir demissão e vários desentendimentos sobre o conteúdo do documento ainda fizeram com que o relatório sofresse um atraso de mais quatro meses para se tornar público. A reportagem apurou que Dreifuss foi acusada por membros da comissão de ter vazado o conteúdo do relatório para a indústria farmacêutica antes de os governos terem acesso às suas conclusões. A porta-voz da OMS, Christine McNab, nega tal acusação.
Para o Itamaraty, o sistema de propriedade intelectual precisa ser repensado. Para isso, negociadores querem aproveitar algumas das 50 conclusões do relatório para sugerir durante a Assembléia Mundial que uma linha de políticas seja formulada pelos governos em relação às patentes e acesso a remédios. Desta vez, sem os especialistas independentes. "O sistema de patentes chegou a seu limite e não está servindo ao bem público, pois as descobertas científicas não são compartilhadas", afirmou Guilherme Patriota, diplomata brasileiro em Genebra.
Acordo - Outra proposta do Brasil, que será apresentada na semana que vem, é para que seja criado um acordo que estabeleça que governos e empresas devam investir recursos prioritariamente para pesquisas que gerem o desenvolvimento de remédios contra doenças negligenciadas. A maioria dessas doenças atinge os países em desenvolvimento. Mas estudos publicados na revista médica "Lancet"nesta semana mostram que apenas 13 produtos desenvolvidos entre 1975 e 1999 entre mais de mil ingredientes descobertos pelas empresas foram usados para criar remédios para combater as doenças em países tropicais.
Hoje, entidades e ativistas entregaram um abaixo-assinado com mais de 5 mil assinaturas à OMS pedindo que seja estabelecido uma política para direcionar recursos de pesquisas às doenças negligenciadas. 19 vencedores do Premio Nobel estão entre as personalidades que apóiam o pedido dos ativistas.