Cartaz do curta-metragem Sali, dirigido pelo diretor turco Ziya Demirel
O nome do diretor é Ziya Demirel, o filme se passa em Istambul e os países de produção são Turquia e França. No entanto, Sali, um dos nove curtas selecionados para a Palma de Ouro do 68º Festival de Cannes - de um total de 4.550 inscritos - tem um dedo baiano. Na verdade, as duas mãos: o cineasta soteropolitano Henrique Cartaxo, que assina a montagem e edição da película, pode também ser a "cara" da obra internacional.
Nosso representante é oculto: apesar de não assinar o filme - somente o nome do diretor aparece na inscrição - o único brasileiro da produção turca pode ser o representante do filme no festival, já que a produção não conseguiu, ainda, patrocínio para viajar para a premiação. Como brasileiros não precisam de visto para ir à França, diferentemente dos turcos, a situação pode ser essa: um baiano fazendo o discurso vencedor.
Henrique, no entanto, diz que a possibilidade é ínfima. "Não temos patrocínio e estamos correndo atrás de passagens para irmos. Tudo que os turcos precisam é de visto para entrar na França, mas ser um finalista em Cannes é praticamente um visto", diz aos risos. E, em seguida, divaga sobre premiação. "Estamos concorrendo à Palma de Ouro dos curtas, que é como o Oscar de Cannes, e enfrentamos mais dificuldades agora do que na época do curta. Mas (a seleção) é tão incrível que ainda acho que eles vão ligar de última hora e dizer que foi um engano", diz o montador.
Imprescindível agora, a presença de Henrique no filme já era importante antes mesmo deste ser produzido. Em entrevista exclusiva ao jornal A TARDE, Ziya Demirel disse que não pensava em fazer o curta sem o baiano. Os dois, que se conheceram em 2012 num curso de cinema em Praga, na República Tcheca, firmaram dois fortes laços: o profissional e o da amizade.
"Ele me ajudou no meu último curta, antes de Sali, e eu achei o trabalho dele muito bom. Além de meu amigo, aprendi muito com Henrique. Tanto é que quando penso em alguém para editar um filme, penso nele. Por isso perguntei se ele queria fazer parte desse projeto e ele, que estava com tempo livre na época, aceitou".
A viagem de Henrique para a Turquia foi a parte mais complicada para a produção do curta, que, mesmo com apoio do governo turco, contava com pouco caixa. O custo das passagens foi reembolsado, e, uma vez lá, o filme ganhou corpo. "Tirando Henrique, toda a equipe estava na Turquia, todos eram amigos e se davam bem, então todo o processo da concepção do filme foi bem tranquilo. Na verdade, espero que a gente possa fazer isso de novo várias vezes", disse o diretor.
Com apenas três mil euros de caixa, a produção teve que ser enxuta e bem econômica. Durante os 50 dias de filmagem, Henrique ficou hospedado na casa de Zyia. As cenas foram em locaisugares públicos e com bastante pré-produção: qualquer atraso poderia significar custos que eles não tinham como arcar. No final, foram 20 montagens diferentes: a melhor foi selecionada pela equipe e enviada para festivais - entre eles, Cannes.
Uma história normal
A ideia do curta surgiu de um bate-papo entre Ziya e uma amiga, Buket Coskuner - que assinou acabou assinando o roteiro da produção. De acordo com Ziya e Henrique - o filme só será lançado após o festival - a história é um dia na vida de uma garota em Istambul, e, mais especificamente, as diferentes emoções que as figuras masculinas despertam nela.
A trama desinopse oficial, Sali (que significa "terça-feira", em turco) mostra como a adolescente se relaciona com três homens em três momentos diferentes: sua ida para a escola, o treino de basquete e sua volta para casa de ônibus. Em cada um desses momentos, uma sensação diferente é despertada. Segundo Ziya, como uma jovem mulher, todos os dias ela é levada a sentir entusiasmo ou orgulho, seguida por inquietação e raiva. Finalmente, explode numa reação infantil, típica da criança que ela ainda é.
Para Henrique, a riqueza ficou nos detalhes. "Não é um filme rápido, ágil. É daquelas obras que você contempla, pensa sobre ela depois de assistir. É um ritmo lento", explicou. Ziya completa que a ideia de contar uma história a partir de um ponto de vista feminino foi um desafio bom de encarar. "Não é tão comum vermos filmes com personagens femininas fortes, menos ainda na Turquia. Por isso encarei como um desafio que me impulsionou ainda mais para realizar o filme", explica.