O Vendedor de Passados também tem Alinne Moraes
Quantos não gostariam de reescrever a própria história, apagar feitos e acrescentar tantos outros momentos não vividos? É este o serviço oferecido por Vicente, personagem de Lázaro Ramos, em O Vendedor de Passados.
O falsificador recria as histórias de vida dos clientes por meio de vídeos da internet, álbuns de família descartados e objetos garimpados em feiras de antiguidade.
Na trama, Vicente se vê envolvido por uma misteriosa mulher (Alinne Moraes), a quem batiza de Clara. A cliente dá total liberdade para que ele invente seu passado como quiser, com a única exigência de que ela tenha cometido um crime.
Mas não é apenas Clara quem balança o falsificador. O conflito também aparece entre o protagonista e seu próprio passado. Adotado ainda bebê, Vicente desconhece sua origem e cria versões mais interessantes para a história contada pelos pais.
"O filme traz questionamentos muito contemporâneos, uma reflexão sobre identidade, passagem do tempo, a vontade de viver outra vida. O Brasil é um dos países com maior índice de cirurgias plásticas. E isso quer dizer bastante, as pessoas não estão satisfeitas com quem elas são", explica Lázaro Ramos, que esteve em Salvador para a pré-estreia do longa, no começo do mês.
Adaptação livre
O Vendedor de Passados se inspira livremente no livro homônimo do angolano José Eduardo Agualusa. A releitura de Lula Buarque de Hollanda (Casseta & Planeta - A Taça do Mundo é Nossa, 2003) capta a essência do personagem e a traz para o Rio de Janeiro, em um contexto completamente diferente da obra de Agualusa.
"Em Angola, o livro é feito em cima de uma burguesia que está ganhando dinheiro depois da guerra civil. O país está se transformando e as pessoas estão reconstruindo suas vidas. A gente começou a pensar quem precisaria de um passado no Brasil. A ideia era fazer um filme bem realista", conta o diretor.
Lázaro Ramos revela que, a princípio, queria trazer partes do livro para a cena, mas depois se encantou com a tônica da adaptação.
"Minha primeira reação foi pensar que algumas passagens do texto seriam impossíveis de filmar. No final, achei bom fazermos as mudanças em relação ao livro, assim temos o mesmo personagem, mas quem leu o livro vai ter um prazer e quem viu o filme outro".
Segundo Lula Buarque de Holanda, desde o início o papel foi pensado para ter o ator baiano como protagonista. "Uma das perguntas que ele me fez foi: 'Por que um ator negro?' Eu respondi que o filme se passa num Brasil pós-racismo e que pra mim essa questão não se coloca ali", conta o diretor, que ganhou muito mais do que um intérprete.
"Lázaro participou desde o primeiro tratamento. Realmente se empenhou e extrapolou a coisa do ator, participando muito na criação, no roteiro. Se envolveu tanto que acabou assinando como produtor associado".
Para Lázaro Ramos, que começou a carreira no Bando de Teatro Olodum, a questão racial sempre está presente. "Eu vou sempre representar o Bando. Muitas vezes, não falar de um assunto significa falar. O fato de ser um filme sobre identidade com a minha presença ali já indica um pensamento sobre isso".
O longa também traz no elenco nomes como Odilon Wagner, Ruth de Souza e Mayana Neiva. Com cerca de 80 minutos de duração, O Vendedor de Passados se concentra na história entre Vicente e Clara. Outras tramas foram filmadas, mas na hora da edição terminaram ficando de fora.
Isso dá coesão ao roteiro, que transita entre drama, comédia e suspense. Lula Buarque de Hollanda caminha para a construção de uma linguagem contemporânea e Lázaro Ramos dá mostras do ator versátil que é.