Viggo Mortensen, o capitão dinamarquês, e sua filha no filme feito de belas imagens
A mostra competitiva do Cine Ceará já apresentou filmes fortes e desafiadores em sua competição. Um dos destaques é a produção argentina Jauja, dirigido por Lisandro Alonso e laureada em Cannes com o prêmio da crítica ano passado.
O Jauja do título diz respeito a um lugar mítico, espécie de paraíso perdido que muitos tentaram encontrar, mas sem sucesso.
O filme apresenta um capitão dinamarquês (Viggo Mortensen), acompanhado de sua filha, que percorre uma região campestre junto com alguns soldados. Quando a filha foge com um prisioneiro, ele parte em sua procura.
A narrativa que Alonso constrói é lenta, privilegiando planos longos e com poucos movimentos de câmera. Exige do espectador certa disposição e não entrega respostas fáceis - muita coisa fica mesmo em aberto na narrativa.
O próprio protagonista passa quase todo filme percorrendo campos e planícies à exaustão. Mas a própria ideia de busca é um dos grandes motores do cinema de Lisandro Alonso (como visto em um de seus melhores trabalhos, Los Muertos).
Melhor ainda é quando o filme investe num tom fabular, que tira o espectador de certa zona de conforto e apresenta um final inesperado. Trata-se de uma trajetória recompensadora, especialmente pela beleza lúdica que o filme invoca.
Drama polêmico
Trama desconcertante, por tocar em tema espinhoso, trouxe a produção chilena O Clube. O diretor Pablo Larraín realizou um longa forte e tortuoso que abriu a competição do Cine Ceará.
O Clube começa ameno, apresentando seus personagens que vivem reclusos numa casa à beira-mar. O clima é de tranquilidade e companheirismo entre quatro homens e uma mulher, todos religiosos e em harmonia. A chegada de um quinto integrante vai desencadear certos conflitos que eles não esperavam.
Saberemos logo que aquele grupo é formado de padres com histórico de abuso sexual a criança, especialmente a garotos. Vivem como em estado de recuperação, longe das suas paróquias e possíveis tentações da carne, rezando e expiando seus pecados.
Larraín, já nos primeiros 20 minutos iniciais, consegue estabelecer uma atmosfera de melancolia - através de uma fotografia que privilegia tons azulados de cor - e revelar os segredos escusos que eles escondem. Desenha ainda uma tragédia que estabelece grande desconforto, uma atmosfera pesada que permanece até o fim do filme.
Obra-prima
Como parte da mostra em homenagem ao cinema espanhol, o festival reservou espaço para clássicos do cinema. O maior deles cabe ao longa O Espírito da Colmeia, de Victor Erice, lançado em 1973 e exibido agora em cópia digital restaurada.
Diretor de pouquíssimos filmes, Erice lança um olhar poético para a infância e realiza aqui um filme sem igual, belo na maneira de observar a ingenuidade de sua protagonista, a pequena Ana (Ana Torrent).
Ela observa, com olhos de uma criança, a vida rural no interior da Espanha, a relação carinhosa de seus pais, a chegada do cinema itinerante no lugarejo e se maravilha com a exibição de Frankstein. Trava contato com um soldado ferido, revolucionário da Guerra Civil Espanhola. Recheado de mistérios, trata-se de um filme de rara beleza, com muitas leituras possíveis.