Filme será exibido no Museu de Arte Moderna da Bahia
O universo trans de Salvador já se revelou em filmes premiados como Da Alegria, do Mar e de Outras Coisas, de Ceci Alves, e Jessy, de Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge. E o bar Âncora do Marujo assume um papel fundamental nessa vertente do cinema, aparecendo entre as locações ou mesmo fornecendo material humano para as filmagens.
Encravado na Rua Carlos Gomes, histórico ponto gay do centro da cidade, a casa assume agora o protagonismo. Âncora do Marujo é o título do longa de Victor Nascimento, que revela o cotidiano de nomes como Carolina Vargas, Larissa Bravo, Scarleth Sangalo, Valerie O'rarah e Mitta Lux, algumas das estrelas 'residentes' da casa.
O filme ganha primeiras exibições para o grande público a partir desta sexta-feira, 14, às 19 horas, na Capela do MAM (Museu de Arte da Bahia), depois de ser apresentado em sessão para convidados no circuito SaladeArte e exibido em 2014 no festival In-Edit. "A gente está fazendo um projeto itinerante por meio de edital do governo do estado, de divulgação de filmes", afirma Victor, programado para bate-papo na noite que terá ainda show de drags.
O local, que foi sugerido pelo MAM, afirma ele, apareceu como oportunidade interessante para iniciar as exibições públicas em Salvador, "por mostrar filme de tema LGBTT e que tem religiosidade africana, dentro do que foi um dia uma capela". A questão religiosa, sobre a qual o diretor fala, tem a ver com a entidade da umbanda que dá nome ao bar e é como o mensageiro das águas.
Almodovariano
Nascimento conta que frequentava a casa e via ali grande potencial. "Sempre quis fazer um filme lá. Eu chamava de o bar almodovariano baiano. Então, comecei a fazer entrevistas, no início de 2011, comecei a falar com o dono do bar, Fernando, fui pedindo autorização, conhecendo mais as drags. Passei praticamente o ano todo pesquisando".
Tudo foi feito de forma independente, acrescenta, com recursos próprios, e o projeto ganhou então edital de finalização do governo do estado e pôde ser concluído, tendo custo total estimado em cerca de R$ 100 mil, incluindo despesas de exibição e divulgação. Para Victor, antes mesmo de seguir carreira no circuito dos festivais, o importante é exibir Âncora do Marujo em Salvador.
Fundador da Maria João Filmes, ao lado da colega paulista Patricia Galucci, o diretor diz que está preparando dois curtas, mas o projeto ainda é embrionário. Com Galucci, ele fez o roteiro e dirigiu o curta Irene, que rodou diversos países e ganhou 13 prêmios, dentre eles o do Júri Popular e Melhor Diretor Estreante no Entretodos Festival dos Direitos Humanos de São Paulo, além de Melhor Filme no Festival Internacional GLBT de Barcelona.
Feição clássica
As filmagens aconteceram nas duas semanas que antecederam o Dia da Marujo, comemorado em 13 de dezembro. E o filme segue uma cronologia, revelando não apenas o cotidiano das drags, com a realização do concurso Garota Marujo, mas o entorno de ruas, praças e avenidas próximas, no qual se insere o conjunto arquitetônico que abriga o MAM, na Avenida Contorno.
É um documentário de feição clássica, sem grandes preocupações com a linguagem. Diferente, por exemplo, de Jessy, no sentido em que este subverte características do gênero - e questões de gênero - de modo temático e conceitual, ao exibir o processo de transformação de uma pessoa do sexo feminino em drag. Mas o resultado surpreende e Âncora vai além quando mostra tipos como a garçonete Maria Angélica, que costura para as transformistas e só vai em casa uma vez por semana.