Chico Castro Jr.
Banda brincando de deus: Messias, Cézar, Dalmo e Quinho
Há muito tempo atrás, em uma galáxia muito distante, jovens brasileiros de espírito cosmopolita, que não davam a mínima para o sol dos trópicos, sacaram suas guitarras plugadas em volume máximo, o inglês do Fisk e foram à luta. Essa geração de bandas é agora revista no documentário Guitar Days - An Unlikely Story of Brazilian Music.
Em fase de finalização, o filme, cujo subtítulo traduzido é Uma História Improvável da Música Brasileira, conta, por meio de depoimentos e imagens de arquivo, a trajetória das bandas que surgiram entre o rescaldo do rock Brasil dos anos 1980 e a geração mais abrasileirada dos anos 1990, de Raimundos, Chico Science, Pato Fu e outros.
Entre seus principais nomes estavam bandas como Killing Chainsaw (de Piracicaba, SP), Pin-Ups (SP), Second Come (RJ), The Cigarettes (RJ), Low Dream (DF), Snooze (SE), PELVs (RJ) e, não menos importante, a baiana brincando de deus.
Para essa moçada, o que fazia a cabeça era o protopunk do Velvet Underground, The Stooges e bandas indie inglesas, como The Jesus and Mary Chain, The Smiths, Stone Roses e similares. Por que cantavam em inglês e tinham fidelidade canina à proposta de fazer indie rock à moda original, essa geração de bandas é, ainda hoje, vista como algo menor por muitos críticos e músicos da cena alternativa.
"Não é porque tais bandas não dispunham da mesma logística de produção das bandas do mainstream nacional que elas não tinham sua importância", rebate Caio Augusto Braga, diretor do documentário.
"Além disso, relegá-las a um patamar secundário só reforça a tentativa do mercado musical - fonográfico e mídia especializada -, em não promover o rock cantado em inglês produzido no país naquela época por puro preconceito ou falta de jabá. Historicamente, sempre promovemos a música estrangeira nas rádios. Por que foi diferente com essas bandas?", pergunta.
Pioneiras em sua época, essas bandas deixaram uma produção fonográfica adorável e importante, que não apenas faz essa ponte entre as décadas, mas também atesta sua vocação nata para dialogar com o que estava sendo produzido de mais interessante no rock de então.
"Tivemos uma infinidade de registros importantíssimos nessa época, apesar das dificuldades técnicas", afirma Caio. "Produzimos preciosidades como Bingo (The Cigarettes - Midsummer Madness, 1994), You (Second Come - Rock it, 1992), Slim Fast Formula (Killing Chainsaw - Roadrunner, 1994), dentre muitos outros, que são verdadeiras obras de arte lo-fi dentro dessa estética proposta pelo movimento: dissonância, inglês em vocal embutido e protagonismo das guitarras", diz.
Pioneirismo baiano
No momento, falta pouco para o filme ser concluído. Em fase de montagem (foram mais de 70 horas de entrevistas), Caio e seus parceiros estão promovendo alguns shows de revival de bandas vistas no filme para levantar a grana que falta para concluí-lo.
"O filme é independente e tem sido realizado com verba dos próprios produtores. Estamos buscando alternativas de financiamento e patrocínio para finalizá-lo. Finalizado, pretendemos inscrevê-lo em festivais, antes do lançamento", afirma.
Para os baianos, Guitar Days tem um atrativo a mais, já que a brincando de deus, liderada por Messias Bandeira, era a ponta de lança do movimento no Nordeste. "Não tenho dúvida de que a brincando de deus era um dos pioneiros no cenário", diz Caio.

O Reverendo Fábio Masssari, jornalista e VJ da MTV Brasil (Caio Augusto Braga | Divulgação)
"A banda de Messias e cia. tinha uma missão além da sua própria produção artística, que era liderar a resistência do rock independente na região, que tinha acabado de virar capital do mercado fonográfico brasileiro com a axé music", lembra.
Além disso, a brincando de deus teve um papel importante ao aglutinar ao seu redor muitas das bandas da cena alternativa local dos anos 1990 em festivais, como as duas históricas edições do Boom Bahia (1997 e 98).
"Foi uma das bandas mais relevantes do período, sobretudo no que tange à tentativa de criar um mercado independente sustentável. Criaram o Boom Bahia, isso diz muito sobre a intenção deles. Ainda sobre pioneirismo, também há uma curiosidade sobre a banda: eles disponibilizaram um site na web em (pasmem!) 1993", conclui Caio.