Cena de Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava, de Fernanda Pessoa
Divulgação
Exibido em pré-estreia no CineBH, As Duas Irenes, longa-metragem de estreia do goiano Fábio Meira, é uma das grandes surpresas do festival, drama sólido que retrata os dilemas da adolescência. O filme estreou internacionalmente na mostra Generation do Festival de Berlim.
A trama se passa no interior de Goiás quando uma garota de 13 anos descobre que seu pai tem outra família. E mais que isso, ele possui uma filha da mesma idade que ela e que, coincidentemente, também se chama Irene.
Quando se dá essa descoberta, a garota começa a espionar a rotina da irmã desconhecida e inicia uma aproximação tímida, sem revelar o segredo que sabe. Mas o filme nos surpreende porque se, de início, nos faz supor um embate entre as duas, percebemos que surge dali uma amizade possível.
E é aí que o filme aproveita para retratar esse momento de florescimento de uma menina em direção à vida adulta, na melhor tradição dos filmes de coming of age. Fábio Meira, além do domínio de cena e de criar um clima de vida interiorana muito convincente, filma com muita delicadeza essa história, sem nunca soar ingênuo.
A Irene da outra família é um pouco mais atrevida, já namora escondido com os garotos no cinema e é mais extrovertida. É com ela que a Irene menos experiente vai romper a barreira da timidez e largar o mundo infantil. Mesmo assim, ela ainda guarda muita raiva pelo segredo do pai. O filme trabalha muito bem essa tensão familiar que pode explodir a qualquer momento.
As Duas Irenes estreia comercialmente nos cinemas brasileiros no dia 14 de setembro.
Revisitando a pornochanchada
Outro destaque da programação do CineBH foi a exibição do super original Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava, de Fernanda Pessoa. A cineasta revisita o período clássico da pornochanchada brasileira, mas não está interessada no sexo: através de trechos de filmes da época, busca revelar facetas políticas e sociais do país.
É um trabalho afiado de montagem, dando destaque a cenas que poderiam passar despercebidas nesses filmes, mas que revelam vislumbres históricos e comportamentais de uma sociedade. Atenção especial para o fato de grande parte dessas obras terem sido feitas entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1980, justamente o período da Ditadura Militar.
Daí afloram diversas questões, tais como as arbitrariedades do golpe de Estado, o AI-5, o uso da força policial, o milagre econômico, a industrialização crescente e as oportunidades de trabalho. No plano social, o longa evidencia as disputas de classe, com destaque para as relações entre patrão e empregado, o consumismo e, claro, a monetarização do sexo e exploração do corpo feminino.
O filme atira para muitos lados, mas não quer em nenhum momento ser um estudo analítico ou intelectualizado sobre essas e tantas outras questões que emergem dali – não há narração em off. Busca, por outro lado, revelar o modo como o cinema, enquanto sistema de representação audiovisual, reflete o país e a cultura de sua época, mesmo a partir dos filmes mais improváveis.
Aproveitando o gancho do tema, o CineBH exibiu também um dos clássicos da pornochanchada: As Aventuras Amorosas de um Padeiro (1975), de Waldir Onofre. O filme retrata, na verdade, o caso de Rita (Maria do Rosário), jovem casada com Mário (Ivan Setta), mas que possui relacionamentos escondidos com o padeiro português (Paulo César Pereio) e com um artista marginal negro, Saul (Haroldo de Oliveira).
Trata-se de um ótimo exemplo de cinema popular feito na época que extrapolava o mero sentido sexual da trama. Neste caso, fazia um panorama muito rico da classe média e também um retrato da composição étnica do povo brasileiro, só que no melhor exemplo de comédia de costumes com pitadas de humor erótico.
* O jornalista viajou a convite da organização do festival.