Filme baiano "Ilha" está entre os participantes da mostra
Teve início na noite desta sexta-feira, 14, mais uma edição do tradicional Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, sua 51ª edição. É um dos festivais mais antigos e importantes do País, que tem apostado nos últimos anos em uma seleção autoral e vigorosa da produção brasileira contemporânea.
Em um momento em que a Agência Nacional de Cinema (Ancine) restringe o apoio estatal a diretores e produtoras de maior porte, eventos como o Festival de Brasília seguem apostando em filmes de jovens realizadores, descobrindo e potencializando as discussões em torno de uma produção audiovisual marcada pelo risco e pela diversidade de temas e propostas estéticas.
Este é o caso de Glenda Nicácio e Ary Rosa, cineastas egressos do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB) que tiveram seu filme de estreia, “Café com Canela”, selecionado ano passado para a mostra competitiva. Este ano, eles repetem o feito e conseguiram emplacar seu mais recente filme, “Ilha”, também na seleção competitiva.
A baiana Gabriela Amaral Almeida também emplacou seu novo longa na competição, “A Sombra do Pai”. Produzido em São Paulo, onde ela reside atualmente, o filme trata da dificuldade de comunicação entre um pai e sua filha de nove anos, com pitadas de suspense e horror, como tem sido comum em seus filmes.
Completando o tour baiano de longas, “Orin – Música para os Orixás”, de Henrique Duarte, será exibido na mostra paralela “A Arte da Vida”, dedicado a filmes que refletem processos criativos que se entrelaçam à vida dos seus personagens. O filme busca desenhar a influência das músicas tocadas nas festas e rituais de candomblé na formação da música popular brasileira.
E vale destacar que dentro do Festival de Brasília acontece também o Festival Universitário (FestUni), que exibe curtas de jovens realizadores estudantes de faculdades de cinema do Brasil. Há três representantes baianos na mostra este ano: “Barco – Do Outro Lado da Memória”, de Maurício Ricardo (UFBA); “Sair do Armário”, de Marina Pontes (UFRB); e “Mãe?”, de Antônio Victor (UFRB).
Diversidade
Para além da diversidade temática e formal dos filmes selecionados, um dado importante para esta edição revela que 52% dos filmes selecionados têm mulheres na direção, contra 38% de homens (os demais se inscreveram na categoria não-binária, quando não querem se enquadrar em um gênero definido).
Segundo Eduardo Valente, diretor artístico e responsável pela equipe de seleção dos filmes, “a curadoria apenas seguiu a sua missão de encontrar os filmes que acredita mais potentes para o evento, e que o fato de termos mais filmes dirigidos por mulheres entre os selecionados representa tão somente a força do talento das mesmas”, comentou.
Outros destaques da seleção de longas da mostra competitiva são filmes que já passaram por importantes festivais internacionais. São o caso de “Temporada”, do mineiro André Novais Oliveira, selecionado para o Festival de Locarno, na Suíça; “Los Silencios”, de Beatriz Seigner, exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes este ano; e Bixa Travesty, documentário de Claudia Priscilla e Kiko Goifman exibido no Festival de Berlim.
Completam a seleção os demais longas: “Bloqueio”, de Quentin Delaroche e Victória Álvares; “Luna”, de Cris Azzi; “New Life S.A.”, de André Carvalheira; e “Torre Das Donzelas”, de Susanna Lira.
Homenagens
Há dois ano, o festival criou a medalha Paulo Emílio Salles Gomes, uma forma de reverenciar grandes nomes do cinema brasileiro na programação do festival. Este ano a distinção será conferida para o crítico e professor de cinema Ismail Xavier, e também a um dos idealizadores do Festival de Brasília e pioneiro da cidade, o arquivista Walter Mello.
Além disso, a fim de celebrar figuras femininas marcantes do cinema nacional, este ano começa a ser conferido também o Prêmio Leila Diniz. Para dar início a esta homenagem, as premiadas este ano são a montadora Cristina Amaral (que possui longa carreira em parceria com Andrea Tonacci, Carlos Reichenbach e o baiano Edgard Navarro); e também a atriz Íttala Nandi, que começou sua carreira no clássico O Bandido da Luz Vermelha, além de diversos papéis marcantes no cinema, na TV e no teatro.
Íttala Nandi também participa como atriz do filme “Domingo”, de Clara Linhart e Felipe Barbosa, obra que abre os trabalhos do festival na noite desta sexta. O evento segue até o próximo domingo, 23.
Neste ano, o Prêmio Leila Diniz será concedido a duas mulheres de fibra do cinema nacional: Íttala Nandi e Cristina Amaral. Após importante trajetória no teatro, Íttala estreou como atriz no cinema com “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, filme que ganhou o prêmio principal do Festival de Brasília há exatos 50 anos. Além de vários outros papéis marcantes nos palcos, telas e na TV, Íttala também dirigiu documentários e trabalhou como produtora e dramaturga, tendo ainda sido professora e coordenadora de cursos de cinema.
Cristina Amaral aparece como premiada pela sua importância como montadora de cinema, carreira na qual atua há mais de 40 anos. Entre suas parcerias mais constantes e profícuas incluem-se trabalhos com Andrea Tonacci, Carlos Reichenbach e Edgard Navarro. Cristina recebeu inúmeros prêmios, inclusive o Candango em Brasília, por “Sua Excelência o Candidato” e “Alma Corsária”.
Professor Emérito da Escola de Comunicações e Artes da USP, orientado academicamente por Paulo Emílio e Antonio Candido, especialista na obra de Glauber Rocha e um dos colaboradores para a difusão planetária da estética do Cinema Novo no campo acadêmico, Xavier tem textos traduzidos em todo o mundo e será celebrado pela sua contribuição e compromisso com a memória e o futuro do cinema nacional. Ismail Xavier é um dos teóricos referenciais no estudo do cinema brasileiro, tendo em sua bibliografia, entre outros títulos, os fundamentais “O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência” (1977), “Sertão Mar: Gláuber Rocha e a estética da fome” (1983), e “Alegorias do subdesenvolvimento – cinema novo, tropicalismo, cinema marginal” (1993).
Cidadão honorário de Brasília e idealizador do Arquivo Público do Distrito Federal, Walter Mello também recebe a medalha Paulo Emílio Salles Gomes por sua contribuição ao desenvolvimento do cinema nacional. Arquivista baiano, Mello foi um dos criadores do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro quando ainda se chamava Semana do Cinema Brasileiro e, pelo interesse no cinema, ocupou cargos de júri em importantes festivais, como o de Berlim.
Os debates sobre os filmes no festival têm sido tão importantes quanto sua exibição.