Próximo à casa há um cemitério de animais. O que há de errado?
Em 1983, o escritor Stephen King lançou o livro Pet Sematary, romance de terror que se revelou um brutal estudo acerca do luto e suas consequências no ser humano. Brutal tanto em aspectos emocionais quanto físicos. Ao se valer de uma sufocante atmosfera de horror, King criou uma obra que aborda o modo como a dor da perda pode levar ao frenesi da loucura.
Seus personagens caminhavam por esse limiar que o autor ilustrou de modo perfeito em uma análise que levava o leitor através de um universo no qual o macabro andava de mãos dadas com a fé religiosa.
Com suas citações que vão do evangelho cristão ao punk rock dos Ramones, banda que, inclusive, viria a homenageá-lo, o livro do escritor natural do Maine, estado que sempre serviu como local geográfico para suas histórias, desenhou uma perfeita análise sobre como perder um ente querido pode ser um fato a alterar existências de forma definitiva.
Seis anos depois, em 1989, com um roteiro escrito pelo próprio King, a diretora Mary Lambert conseguiu alcançar uma poderosa adaptação que priorizou a característica sanguinolenta, marca slasher comum a diversos filmes do estilo, além de contar com eficientes atores para os papéis principais. Tais aspectos tornaram a versão cinematográfica de Cemitério Maldito um marco exemplar em sua ambientação soturna na recriação tanto do cemitério de animais quanto o indígena.
Apesar dos sustos fáceis que envelheceram tão mal (revê-lo incomoda um pouco), a obra vista hoje ainda consegue ser impecável em sua montagem (a cena do atropelamento é um primor) e nos toques de humor tragicômico representado pela figura fantasmagórica de Victor Pascow.
Lembrando desses aspectos no original de Lambert, além de seu final desolador em sua última e macabra cena, revisitar a mesma história na sua nova adaptação de 2019, desanima. Obviamente, não é prioritário se valer de comparações para avaliar a versão século XXI da trama, mas, mesmo para o espectador não familiarizado com as fontes originais do filme, torna-se perceptível a fragilidade e ausência de personalidade no longa estrelado por Jason Clarke e John Lithgow.
Mudanças sem impacto
Primeiramente, convém deixar claro que as mudanças no material original não se justificam em seu apelo dramático. Na premissa de se utilizar a infância como objeto de terror, a obra até acerta em seu começo, quando vemos um grupo de crianças com máscaras de animais durante o enterro de um bicho de estimação. Ali, a atmosfera de terror é palpável justamente por inserir uma inocência simbólica em um momento de dor.
Pena que dure pouco. Logo, percebemos a escolha de mudar o protagonismo de um de seus personagens centrais, o bebê Gage Creed, dando, assim, um destaque maior para a presença angelical e inocente de Ellie, a irmã mais velha do garotinho atropelado por um caminhão na obra literária – definitivamente, uma decisão não acertada.
Na verdade, torna-se algo que denota a preguiça dos diretores em não quererem trabalhar a atuação de uma criança menor. Além disso, é perceptível que a mudança acontece para se aproveitar do filão de filmes de terror que têm na presença infantil e feminina (geralmente com o rosto encoberto por longos cabelos) uma muleta na pretensão de se causar medo, algo que cai no lugar comum e clichê sem qualquer impacto como forma de assustar.
E, aqui, justamente pela interação forçada entre mortos e vivos, o que retira toda a simbologia macabra que o livro de King trazia, esse aspecto de mistério no horror se perde. Uma vez que, na trama original, a ideia de trazer de volta à vida cadáveres enterrados em um cemitério indígena já era suficiente para se esperar que tais pessoas não voltariam racionais, mas sim, bestiais (algo muito bem aproveitado na adaptação de 1989), o roteiro da nova versão descarta de maneira precipitada um aspecto central da trama.
Versão opaca
Junto a isso, o não aproveitamento da presença do personagem Victor Pascow, aqui relegado a apenas uma breve aparição fantasmagórica descartável – tanto como figura a acrescentar algo que leve o roteiro adiante, como no aspecto aterrorizante que seu corpo destruído em um atropelamento poderia trazer a um, digamos, "filme de terror" – resume bem a fragilidade de sua construção.
Simbolizar suas aparições com luzes a piscar também não é algo que prime pela originalidade em sua ambientação, convém colocar. Ao final, a percepção do espectador atento é de que essa nova versão de Cemitério Maldito carece de humanidade e entendimento do que é a dor da perda, algo brilhantemente alcançado pelo original. Talvez por não conseguir transmitir essa dor através de seu elenco, o filme de 2019 acaba sendo uma versão fria e opaca de uma história de grande potencial.
Em sua não alcançada ideia de transformar luto em insanidade, o longa se perde em uma plasticidade que traria resultados bem mais eficientes se a obra se rendesse ao horror que sua proposta apenas pincela. "Às vezes, a morte é melhor". A frase símbolo do livro que ilustra as duas versões ganha outra conotação ao final da sessão atual.