Chico Castro Jr.
Bowie diante de uma foto dele com o escritor William S. Burroughs
Não importa o que digam por aí: The Next Day, o novo álbum de David Bowie lançado mundialmente ontem, após dez anos de hiato criativo, não é melhor do que seu último grande LP, Let's Dance, de 30 anos atrás.
Por outro lado, é bem mais interessante do que qualquer coisa que ele lançou durante esse período. Autorreferente desde a capa até o último sulco em vinil, The Next Day marca a volta do Camaleão ao cenário musical que ele parecia ter abandonado após o álbum Reality (2003).
Seu período de retiro, ocasionado após um ataque do coração em 2004, com certeza influiu no resultado final de The Next Day.
Na verdade, parece que, depois de tantas personas, Bowie resolveu assumir o personagem mais difícil de toda sua carreira: ele mesmo, na terceira idade.
Aos 66 anos, o gênio do rock produziu um álbum em que parece revisitar (ou citar) diversas fases de sua vida. A capa, já citada, é simplesmente a capa do álbum "Heroes" (1977), com uma tarja branca em cima.
"Heroes" é o disco central da chamada Trilogia Berlim, três álbuns clássicos gravados na metrópole alemã, que, além de "Heroes", conta com Low (1977) e Lodger (1979).
O título The Next Day, "o dia seguinte", seria uma citação ao refrão de Heroes (a cançã0), cujo verso diz: "We could be heroes / just for one day". "Poderíamos ser heróis / pelo menos por um dia".
A primeira faixa divulgada, a linda Where Are We Now? cita na letra os locais de Berlim que ele costumava frequentar durante sua temporada na cidade.
Outra balada, You Feel So Lonely You Could Die, termina com a mesma levada de bateria que inicia Five Years, faixa de abertura de Ziggy Stardust.
Outra referência saborosa (e impossível de deixar passar) são os acordes de violão da última faixa, Heat, que, mesmo em segundo plano, são quase as mesmas notas (e mesmo andamento) de seu primeiro hit, a genial Space Oddity (1969).
O que não deixa de ser intrigante, pois estas duas últimas ocorrências sugerem a mesma coisa: um círculo se fechando, o fim que volta ao início. Será um sinal de que este é seu último disco, sua declaração final?
Tem coro de "sha-la-la" - De sonoridade variada, The Next Day não é um disco arrebatador como seus grandes clássicos, álbuns como Hunky Dory (1972), Ziggy Stardust (1973), Young Americans (1975) ou o já citado "Heroes" - dentre outros. Mas certamente valeu a espera ao oferecer sua melhor coleção de canções em muito tempo.
Auxiliado pelo velho comparsa Tony Visconti, produtor de Space Oddity, "Heroes" e Young Americans entre diversos outros grandes momentos de sua carreira, Bowie abre o disco com a faixa-título, na qual canta, cheio de vigor, sobre um episódio medieval em que um pagão agonizante é deixado "para apodrecer / não exatamente morto / em uma árvore oca".
A faixa seguinte, Dirty Boys, lembra Fame, sua única parceria com John Lennon, com sua levada quebrada de bateria entre riffs esparsos de guitarra.
Where Are We Now? é outro grande momento, balada frágil e melancólica. Valentine's Day é outro ponto alto, com letra sobre bullying, um lindo trabalho das guitarras de Gerry Leonard e David Torn e coro feminino fazendo "sha-la-la".
Regular, o álbum segue bonito, com ótimas faixas, como If You Can See Me, Dancing Out In Space, How Does The Grass Grows?, You Feel So Lonely You Could Die e Heat. Enfim: o melhor Bowie que os fãs poderiam esperar neste momento.
O que não se deve esperar é uma turnê mundial. Em entrevista à Rolling Stone, o produtor Tony Visconti afirmou que, no máximo, ele fará um ou dois grandes shows - "se estiver com vontade". David Bowie pode.