Shows da Cameleon Latin Jazz Band acontecem todas as quartas-feiras no Revolver Pub Bar
Com a salsa, garantem o tempero. Com o jazz, uma liberdade ímpar. Fossem apenas esses os ingredientes da Cameleon Latin Jazz Band, teríamos excelentes músicos fazendo um somzaço.
Mas há muito mais quando Gini Zambelli, Gum Bastos, Keko Villarroel, PC e João Teoria tocam uma música como Cocinando, de Ray Barretto, por exemplo. Em algum lugar entre a melodia e a harmonia, as bases e os solos, pulsam as influências de cada um e a memória de mais de três décadas tocando o que acreditam.
A banda que marcou época no Bar Vagão, no Rio Vermelho, na década de 1980, está de volta. Os shows acontecem todas as quartas-feiras no Revolver Pub Bar. É uma iniciativa de peso e um alento, em contraponto a outras opções na cidade que, se garantem casa cheia, também são promessa de um quase nada sonoro.
Em algum momento da performance, na última semana (em que Keko foi substituído por Artur Carneiro no baixo), Gini até perguntou: "Não sei se tem alguém aí que frequentou o Vagão". Ninguém confirmou.
Mas ali estavam pessoas que, como Mou Brasil ou Rowney Scott, no passado, foram igualmente nutridas por aquela música. O próprio Carlinhos Brown era ainda um ilustre desconhecido quando integrou a Cameleon.
Naquela época, em Salvador, além do Vagão, havia também o Ad Libitum, e mesmo o antigo Meridien promovia projetos de jazz , blues e as pessoas podiam sair e simplesmente ouvir... música. Ou melhor, músicas.
Tanto que a Cameleon - ao mesmo tempo uma homenagem ao standard Chameleon, de Herbie Hancock - também traduz a capacidade da banda em se mimetizar.
Além do núcleo original, formado por Gini, Keko e Gum, outros se associavam quando a banda se transformava na Rumbahiana ou agregava um vocalista espetacular e virava a Jean Mitchell Blues Band.
Falecido em 2008, Mitchell seguramente sentiu no que a cena musical se transformou em Salvador.
Lugar para tocar - Gini Zambelli conta que, ultimamente, quando reencontra um músico depois de cinco, seis anos sem vê-lo, até se espanta de que ainda more aqui. Todos sabem muito bem como anda a barra para tocar na cidade.
"Como a Bahia caiu em termos de música. Não tem mais lugar para tocar. Praticamente, a Rumbahiana não existe mais", constata o band leader que já participou de festivais com o grupo pelo País. "Mas temos as partituras, os músicos, e a qualquer hora poderíamos começar a tocar".
Tudo ficou muito diferente de quando o italiano Gini chegou aqui, em 1975, dois meses antes do alemão Claus Jäke, já falecido, com quem montaria o Vagão e a Cameleon.
Diferente de quando Roland Schaffner, no Icba, deu condições para jovens artistas produzirem e criarem. Diferente de quando as escolas de Música, Dança, Teatro e Artes da Ufba atraíam pessoas de todo o País. Outros tempos.
Para fazer latin jazz, influenciando inclusive as bandas que tocavam em trios elétricos nos anos 1970 e 1980, Zambelli entendeu ainda jovem uma questão crucial: "Sempre trabalhei meio turno da minha vida para não precisar tocar uma música que não gosto", diz ele, que também é joalheiro.
Talvez por isso, standards do jazz, como Footprints (Wayne Shorter) Night and Day (Cole Porter), da bossa, Wave (Jobim), e da música caribenha, dentre outros, esquentam o ambiente e a imaginação onde quer que a banda se apresente.
Estudos musicais - O Brasil e a música latina na vida de um italiano nascido em Berna (Suíça), que fala sete idiomas, foram como estas coisas que têm que ser. Aos nove anos, o pai o levou para ver a final da Copa na Suécia, em 1958. "Esse time é o Brasil?".
Estudando música clássica num conservatório em Berna, foi apresentado a Villa-Lobos. "O Brasil, de novo?". Até o dia em que ouviu na casa de um amigo o LP Bossa Nova, de Cannonball Adderley e Sexteto Bossa Rio: "Agora preciso ir".
Apesar dos anos no conservatório de Berna, Gini revela: "Sempre fui contra a conservação da música. Essa palavra é triste, conservar o quê?".
O músico, que completa 64 anos hoje, pensa com a amplidão da música que ama: "O que Bach faz já é fantástico, jazz com certeza. Chopin? Chopin é bossa-nova".
Energia solta - A convivência com uma mentalidade assim, formada num clima em que ecoam a sonoridade e valores do flower-power, dos hippies, passando pelo clima de 1968 na França, desaguando na energia solta de Glauber Rocha, Pink Floyd, Miles Davis e Jimi Hendrix é, no mínimo, instigante.
Para o baterista Gum, que toca com uma expressão de quem já ouviu todas as músicas do mundo, "é um aprendizado ter se juntado a Gini e a Keko, além de um prazer e descoberta".
Claro que já nem ensaiam mais para fazer as sessions — sempre abertas para acolher músicos para uma canja.
O trumpetista João Teoria (da banda Skanibais) já tocou na Rumbahiana e agora também colabora na Cameleon. Simplesmente considera que Gini e Claus o ensinaram muito.
E olha que o que ele faz com um tema como Summertime é como se tocasse desde o nascimento.
A eles junta-se o pianista PC, 67 anos, com uma memória que remonta os últimos dias do emblemático cassino Tabaris. Aposentado como técnico de operações em sistemas elétricos de alta tensão, ele também gravou com a Rumbahiana o LP Negra Sinfonia, em 1989.
"A Rumbahiana era uma espécie de Nações Unidas", diz PC, sobre a nacionalidade de muitos integrantes.
Assim como a salsa (que reúne ritmos como mambo e chá-chá-chá, dentre outros), a combinação entre eles assegura uma mágica, que, como PC diz, só eles juntos conseguem."Tocar salsa no Revolver é como matar uma fome que estava latente há muito tempo".
O público, quando aplaude a Cameleon, concorda e mata sua própria fome plenamente.