Chico Castro Jr.
Anderson Foca é o organizador do Festival Dosol
Realizador do festival que desde 2006 botou Natal (RN) em destaque no circuito independente e agora se espalha por 17 cidades do Nordeste (inclusive Salvador), Anderson Foca é uma das figuras centrais da produção roqueira no Brasil hoje, além de tocar na banda instrumental Camarones Orquestra Guitarrística, que já rodou o país e a Europa fazendo shows.
Em plena crise, vocês vem com um mega festival passando por 14 cidades. Como se deu este prodígio?
Anderson Foca: A cultura está sempre em crise, pouco financiamento, pouco reverb no poder público. É um setor que está muito acostumado a caminhar no terreno pantanoso. Acho que o papel das atividades culturais é de promover o lúdico, o sinal de esperança e de desenvolvimento. Então crescer quando o viés é de encolhimento é um símbolo importante. Sobre a ação de exportação do festival, já era uma intenção há anos e fomos construindo tudo até chegar nesse ano com todas essas cidades. Foi um passo ousado, mas ao mesmo tempo bastante calculado e organizado.
Salvador terá dois dias com 12 bandas - dez locais e duas de fora do estado. Como se deu a seleção? Quais critérios contaram?
AF: A curadoria de Salvador ficou a cargo do Dimmy (Vendo 147), produtor cultural da cidade e muito envolvido com a cena soteropolitana e com o Dosol. Priorizamos a cena mais ligada ao novo rock baiano. Legal demais a curadoria, ficamos muito felizes com o resultado e o feedback depois que anunciamos nossa vista em Salvador.
Há cerca de dez anos, o Brasil viu surgir a Abrafin e o Fora do Eixo - tudo muito polêmico desde o início. Hoje a Abrafin não existe mais e o Fora do Eixo parece meio à sombra. Como o Dosol se relacionou com essas entidades e como conseguiu sobreviver e se expandir?
AF: Essa impressão de que essas atividades começaram e acabaram é irreal, muito pelo contrário, estão fortalecidas e funcionando muito bem. A ABRAFIN se dissolveu e deu lugar a duas outras entidades representativas de festivais independentes: a Rede Brasil de Festivais e FBA. ou seja, ficou tão grande que teve que se dividir por linhas de interesse. Hoje os festivais independetes não são mais novidades como há dez anos. São uma realidade presente na maioria das capitais brasileiras e [pelo interior do país, por isso que se tem a impressão de que ninguém "fala mais". O Dosol faz parte da Rede Brasil de Festivais e se relaciona com praticamente todos os combos culturais que trabalham com música pelo país, é o FDE é um deles.
Festivais como o Dosol são muito importantes na divulgação e circulação de artistas independentes. Mas sem editais como os da Petrobras ou da Natura (e das secretarias de cultura Brasil afora) é muito difícil realizá-los. Você vislumbra alguma possibilidade de estabelecer no Brasil uma via sustentável de circuito de festivais, sem depender tanto de editais e / ou verbas governamentais?
AF: Legal esse pergunta para falarmos de duas coisas que se complementam. Todos os grandes festivais do mundo tem apoio dos seus governos e prefeituras, de Primavera Sound em Barcelona até Glastonbury na Inglaterra. No Brasil o apoio a cultura com incentivos fiscais ou linhas de créditos são irrisórios se compararmos com o resultado direto das ações culturais no geral, que envolvem também educação, cidadania, entre outros itens importantes para a convivência harmoniosa das pessoas. Ninguém fala de financiamentos robustos na agricultura, as reduções de IPI nas industrias, mas na cultura parece ser um tabu, parece que é "proibido". Acho injusto esse discurso. Se o Dosol dependesse só do resultado direto da ação: venda de ingressos, merchadising e bebida, teríamos 1/10 do tamanho que temos hoje. Existiria mas não com essa amplitude. A cena cultural agredece muito essas empresas que entendem a cultura como um investimento legal para as suas marcas. Tá mais do que provado que o retorno é imediato.
Você diz que essa primeira edição em Salvador seria um "ensaio". Pode adiantar algum plano em relação a Salvador?
AF: Depois que a gente realizar essa edição vamos estudar o que dá para fazer nos próximos anos. Ainda estamos no meio desse processo que vai até dia 29/11. Ai pararemos para analisar tudo e ver o que podemos melhorar/crescer.
Sua banda roda o Brasil e o mundo fazendo rock sem precisar se "folclorizar" de ritmos brasileiros. Qual o segredo?
AF: A gente toca para se divertir, para ter a vivência completa dentro da música. Acho que o segredo dos Camarones é que nossa expectativa é zero. Então estamos sempre satisfeitos com o o que conseguimos e ai sem pressão temos conseguido muita coisa legal. Somos persistentes!