Cronista do cotidiano nordestino, dos mais importantes artistas brasileiros e dos mais biografados (são quase 20 livros publicados no país sobre sua vida e obra) e discutido em teses acadêmicas, Luiz Gonzaga foi muito mais que um famoso sanfoneiro.Gonzagão participou da construção e representação de um imaginário sobre o Nordeste, como destaca Nildecy de Miranda, autora da dissertação de mestrado Luiz Gonzaga, um contador do Nordeste. “Ele conseguiu transplantar a cultura do sertão com muita teatralidade”.
Entre outras questões, a pesquisadora fez um paralelo entre a obra de Luiz Gonzaga e a dos escritores dos anos 30. A sua pesquisa, diz, se apresentou como um desafio, “principalmente porque ele não foi o letrista da maioria das composições que gravou, bem como pela fusão de elementos distintos: o oral e o popular, a música e a letra”.
“A força discursiva que o artista imprimiu à sua arte decorre de recursos narrativos tão eficazes quanto os que estão presente no romance da literatura oficial dos anos 30”, ressalta. No seu trabalho, Nildecy conta que comparou trechos de O Quinze (Rachel de Queiroz) e de Vidas Secas (Graciliamos Ramos) com A Triste Partida (Patativa do Assaré) e Asa Branca (Luiz Gonzagão/Humberto Teixeira).
"Essa comparação nos permite observar que a distância entre os lugares de enunciação, definidos, no primeiro caso, pela perspectiva do escritor letrado, em contraste com o ponto de vista do artista popular, não impede a semelhança na forma de organização de alguns elementos culturais e sociais por um e por outro universo”, analisa.
O legado deixado por Gonzagão – em parte preservado no Museu do Gonzagão, em Exu-PE, e no Memorial Luiz Gonzaga, Recife – “se constitui numa expressão poética fortemente ligada à memória do sertão nordestino”, enfatiza Nildecy. A seca, no caso, ”é o grande elemento catalisador dos discursos sobre o sertão“.
Para Crianças – Em um dos capítulos da sua dissertação, intitulado Riso e Fantasia na Arte de Contar: Um Nordeste Para Crianças, Nildecy foi buscar na infância o interesse pela música de Luiz Gonzaga.
Mais tarde, já graduada em Letras pela Uefs, o baião Liforme Instravagante (gravado nos anos 50) lhe chamou a atenção pela façanha do artista “em elaborar o jocoso de uma forma muito simples“ e que, por isso, atraía o universo infantil. A música fala de um uniforme feito “para botar no arraiá, na noite de São João”. O autor (Raimundo Grangeiro) aproveita a forma geométrica de alguns alimentos para criar uma vestimenta, de forma grotesca e com exagero cômico.
Nos versos, o chapéu é feito de arroz doce, as fivelas de paçoca, os botões de pipoca, o colete de banana, o relógio de rapadura... e por aí vai. O cancioneiro de Luiz Gonzaga, como destacou Nildecy, “se constitui de muitos versos líricos, de narrativas, de elementos épicos, de trechos dissertativos, e de demandas diversas do povo nordestino“.
Mesmo com a imperativa era do forró eletrônico, a música do Rei do Baião sobrevive na memória coletiva. O cantor e compositor baiano Carlos Pitta confere seu parecer : “Nossa cena musical tem duas matrizes: o samba e o baião. Gonzagão traçou um mapa sonoro do Nordeste e deu essa fonte inesgotável de ritmos para a nossa música”.