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A insônia é companheira assídua de Danuza Leão. Nestes momentos, ela faz de tudo: tenta achar um bom filme na televisão, muda os móveis da casa de lugar e, além de planejar roteiros de viagens, realiza a compra destes pacotes noite à dentro. Em um destes momentos, assistiu ao filme E Agora Brilha o Sol, com Ava Gardner e Tyrone Power. O longa mostra um pouco das touradas da Espanha, e Danuza, rapidamente, se lembrou da Feria de Sevilha, onde acontecem diversas comemorações ligadas às touradas, com muito flamenco. Quase que de imediato ela decidiu viajar. Planejou, além de Sevilha, passeios por Lisboa, Paris e Roma.
As experiências colhidas nestas viagens, que aconteceram no início do ano, entre março e abril, estão no livro Fazendo as malas, nas livrarias pela editora Companhia das Letras. De Sevilha, Danuza conta detalhes sobre a Feria. Em Lisboa, comentários sobre hotéis e culinária, especialmente os famosos doces portugueses. Diretamente de Paris, também fala sobre a comida e do fato de se sentir em casa. Por fim, Roma, com suas belezas históricas e, segundo Danuza, com os homens mais galantes do mundo.
A escritora lança o livro em Salvador no sábado, às 19 horas, na Saraiva Mega Store do Salvador Shopping. Em entrevista, por telefone, ao repórter Eduardo Vieira, ela fala sobre o trabalho, a saudade que sente da antiga Bahia, as desilusões com política nacional e sobre como conseguiu sair da depressão, depois de sofrer perdas familiares.
A TARDE | A idéia de viajar pelas quatro cidades européias surgiu durante uma noite de insônia. Mas quando você pensou em passar as informações deste passeio para um livro?
Danuza Leão | O Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, volta e meia me passava um e-mail dizendo ‘E aí? Quando você vai fazer outro livro?’. Eu dizia, tô na fase Dorival Caymmi... Aí passavam alguns meses e ele me perguntava ‘E a fase Dorival Caymmi? Já passou?’. Eu dizia, não, não passou não (risos). Um dia ele veio ao Rio e fomos tomar café. Eu disse que ia viajar, contei sobre Sevilha, Lisboa e Paris. Ele pediu para colocar uma quarta cidade no roteiro (Roma) e escrever um livro.
AT | A idéia foi, então, fazer uma espécie de guia bem-humorado, com o seu estilo?
DL | Não é um guia. É a minha viagem. Eu não tô aconselhando esta viagem para os outros. Essa viagem é a que eu faço.
AT | As cidades visitadas são as suas preferidas na Europa?
DL | Não. Tenho outras também. Tenho Veneza, que eu adoto. Tenho Capri e uma cidade no interior da França. São essas. Viajar faz parte da minha vida.
AT | A começar pelo título, você faz referências à importância das malas em um projeto. O que seria das mulheres sem elas?
DL | Nada!
AT | O livro mostra uma viagem que você faz sozinha. Este é um hábito seu?
DL | Sempre sozinha. Gosto porque eu não tenho paciência de ficar esperando a outra se vestir. Não quero dividir essa coisa de onde é que a gente vai jantar hoje. Eu quero jantar onde eu quero, no lugar que eu quero, na hora que eu quero. Eu sou muito independente. Então, quem é assim, tem que viajar sozinha. Mas sempre encontro amigos.
AT | Você fala sobre a Feira de Sevilha, que conta com muita comemoração, festa e requinte. Mas o mote principal desse evento é a morte dos animais naquele ambiente. E isso é comemorado pelas pessoas...
DL | As corridas de touros são importantíssimas para eles.
AT | Ainda que se respeite as particularidades culturais de cada região, você não considera que existe muita barbárie com os animais?
DL | Eu não. A gente não mata boi para comer?
AT | Mas ali existe uma espécie de comemoração, de circo...
DL | Mas o boi e a galinha morrem sem público, né? Morrem igualzinho. Eu também não sou muito politicamente correta, não, sabe? De forma que eu acho que tudo bem do touro morrer. Não há problema. Eu não como bicho? Você não come? No fundo é uma hipocrisia. Ah, porque tem gente em volta vendo e torcendo é feio, mas morrer no abatedouro não tem problema nenhum. Eu acho que é a mesma coisa. Ou então vamos comer legumes, todo mundo.
AT | Você também costuma viajar muito pelo País?
DL | Costumo porque faço muitas palestras no Brasil. Mas eu gosto muito de viajar pelo Nordeste e pelo Norte. A minha paixão é a Europa. Mas minha paixão foi, por muito tempo, a Bahia, antes de a Bahia ficar tão na moda como está hoje.
AT | Fale um pouco sobre essa moda...
DL | Por exemplo. Nem por um caminhão de dinheiro eu iria passar o Carnaval na Bahia. Tem o problema dos trios elétricos, das celebridades nos trios e coisa e tal. Eu gostava de quando eu alugava uma casa na Pituba. Quando começava a primeira festa de largo, a Lavagem do Bonfim, ia eu, meus filhos, o bando todo. Íamos acompanhando a festa, parando nas barraquinhas, tomando uma cachacinha e comendo um siri, comendo um daqueles mariscos que eu não me lembro o nome agora... A gente ia em todas as festas de maiô mesmo, com uma camisa por cima. Isso foi mais ou menos em 70. Eu adorava e fui mais de uma vez. Eu adoro a Bahia.
AT | Esta moda você relaciona diretamente à indústria do Carnaval?
DL | Não só à indústria do Carnaval, como a muitas outras coisas. Por exemplo. As últimas duas ou três vezes que eu fui à Bahia, eu não consegui comer uma comida baiana. A primeira coisa que me disseram foi o seguinte: ‘Você não pode deixar de ir no Trapiche Adelaide’. Eu disse, ok, tudo bem. No dia seguinte, antes de começar qualquer atividade profissional, pensei, vou almoçar sozinha no Trapiche Adelaide pra logo liquidar essa obrigação. Cheguei lá e o que tinha de comida? Ah, camarão no gengibre, peixe no maracujá, sei lá o quê. Resultado: não tinha nada de baiano. Depois eu fui ao casamento da neta do Antonio Carlos Magalhães. Fui jantar com um amigo e fomos para onde? Restaurante francês. Então, agora, quando eu vou para a Bahia, você sabe o que eu faço?
AT | O quê?
DL | No aeroporto, eu já não quero que ninguém vá me buscar. Eu tomo um táxi e digo ao motorista, vamos parar em uma boa barraca de acarajé. Eu sento num banquinho, peço uma cerveja, como três acarajés, enrolados naquele papel cor-de-rosa de embrulho, e fico feliz na minha vida. Quero uma barraquinha com comidinha baiana.
AT | O que mais incomoda em Salvador?
DL | Me incomoda essa coisa de divulgação excessiva das coisas. Era uma cidade tão tranqüila, tão legal. E agora não. Tudo você tem que colocar no jornal, tudo é uma festa. E tudo tem promoter, sabe? Mudou, né? E acontece que eu gostava mais da outra Bahia. Esta música festiva eu também prefiro não ouvir (risos). Acho que é um pouco demais para os meus ouvidos.
AT | Você chega na cidade no sábado, para fazer o lançamento do livro...
DL | Eu tô adorando ir a Salvador. Quando eu desço naquele aeroporto e vou passando de táxi... Aliás, outra coisa das modernidades da Bahia é que eu adorava quando o táxi ia pela praia, pela orla. Ia sentindo o cheiro daquele mar e já ia olhando, percebendo a Bahia. Em uma das últimas vezes que fui aí, o motorista disse: ‘Eu vou passar por um lugar que vou mostrar para a senhora que é uma beleza’. Era o Centro de Convenções. Vê se eu vou para a Bahia para ver o Centro de Convenções. Entendeu? Aí eu disse: ‘Não tem jeito’.
AT | E você já tem algo programado para sábado?
DL | Eu não sei qual é a programação. Eu espero que não seja nada metido a chique. Que seja uma barraquinha, com um belo acarajé e uma comida baiana bem boa. E que eu possa curtir a Bahia como eu adoro a Bahia.
AT | Falando um pouco sobre a realidade brasileira, o que mais a incomoda no País?
DL | Incomoda o governo federal, o governo estadual, o municipal... Mas gosto do Brasil.
AT | Trocaria o País por uma daquelas cidades da Europa?
DL | De vez em quando bem que me passa pela cabeça passar uns meses em Paris (risos).
AT | Tanto no livro, como em suas crônicas, você passa a idéia de independência e bom estado de espírito.
DL | Eu sou como todo mundo. De vez em quando eu tô muito feliz, de vez em quando eu não tô feliz. De vez em quando eu não tô nada. Mas não sou pra baixo.
AT | E como você lidou com as perdas ao longo de sua vida?
DL | Muito mal. Me tranquei em casa por dez anos. Eu não sabia nem o que se passava no mundo, e só fui sair disso com trabalho, com o meu primeiro livro, Na sala com Danuza. Foi assim que eu deixei a depressão.
AT | A literatura devolveu essa liberdade?
DL | O trabalho, eu diria. Eu não gosto muito que fale dos meus livros como literatura porque acho tão pomposo, que eu prefiro me considerar apenas uma pessoa que escreve e publica. Não me considero uma escritora. Essa palavra me dá um pouco de aflição.
Serviço
Lançamento do livro Fazendo as malas | Com Danuza Leão | Sábado, 19h | Saraiva Mega Store (3341-7020) | Av. Tancredo Neves, Salvador Shopping, 2° piso | Grátis