Para Sodré, no Rio e em São Paulo há intelectuais e lideranças negras mais preparadas
Nesta sexta-feira, 9, Muniz Sodré estará em Salvador para participar de uma mesa-redonda que se destaca na programação do I Encontro das Culturas Negras. Podemos nos considerar privilegiados, pois sair do Rio de Janeiro, onde mora desde o final da década de 1960, se tornou cada vez mais raro.
"Estou evitando viajar. Não aguento mais classe econômica de avião", confessa, com um bom-humor que faz cair por terra qualquer expectativa de uma conversa austera com este baiano de 70 anos, que tem 37 livros publicados, fala sete idiomas e figura entre os intelectuais mais respeitados do Brasil.
Ser boa-praça, porém, não quer dizer que Muniz Sodré não tenha uma língua ferina. Embora elogie a iniciativa da Secretaria de Cultura, realizadora do evento, ele reconhece que, curiosamente, estamos chegando atrasados ao debate racial.
"Salvador tem uma força de paradigma porque é considerada a Roma Negra. Mas a discussão racial tomou um vulto maior fora. A Bahia permanece como polo irradiador. Mas, no Rio e em São Paulo, há intelectuais e lideranças negras muito mais bem preparadas. Existe um movimento de ação social mais efetivo, enquanto a Bahia se movimenta mais para o lado da festa", compara.
Sucesso literário - O assunto deve dar pano para manga durante a mesa-redonda que carrega o título de Culturas Negras no Brasil Hoje e prevê a participação do artista plástico baiano Ayrson Heráclito, além de José Miguel de Souza Cyrillo (cantor, compositor e secretário de cultura do Amapá), e Chico César (cantor, compositor e secretário de cultura da Paraíba).
"Este tema rola no Brasil há uns 30 anos, mas às vezes é um pouco vago. Vou esclarecer qual a importância estratégica do conceito de cultura, como um processo social de significação, de sentido", adianta.
A questão está presente na bibliografia de Muniz Sodré desde a década de 1970. De lá para cá, o autor assistiu ao sucesso de títulos como O Terreiro e a Cidade - A Formação Social Negro-Brasileiro (1988), A Verdade Seduzida - Por Um Conceito de Cultura No Brasil (1994), Claros e Escuros (1999), e Antropológica do Espelho (2002).
No total, são mais 33 livros lançados e um dado surpreendente: até hoje, nenhum deles saiu de catálogo. "Acho que é porque continuo fiel aos meus conceitos", justifica.
Decadência - A presença de três artistas à mesa que ele participa, às 9 horas, no Auditório da Faculdade de Medicina no Pelourinho, parece corroborar com as impressões de Muniz Sodré sobre a "decadência" da figura do intelectual no Brasil. "O intelectual de hoje é o artista. Hoje em dia Caetano Veloso pode dizer o que quiser", exemplifica. Mas ele prossegue: "Caetano é genial, mas não tanto pelo que ele diz. Gil, sim, é um pensador".
Muniz Sodré aproveita a deixa para falar de política, que pensa andar de mãos dadas com a cultura. "O Ministério da Cultura, para mim, acabou. O ministério de Gil e Juca foi o melhor do governo Lula porque abriu espaço para as diferenças. As pessoas combatiam, mas foi o mais criativo, eu vi de dentro", defende o sociólogo, que presidiu a Fundação Biblioteca Nacional, de 2005 a 2011.
No dia 26, Sodré tomará novamente um avião com destino a Salvador para ministrar a aula inaugural da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.