Chico Castro Jr.
Ithamara Koorax elogiou João Gilberto
A leveza e a sutil complexidade da obra de João Gilberto tem uma interpretação à altura no show Bim Bom The Complete João Gilberto Songbook, da cantora niteroiense Ithamara Koorax. Considerada uma das três melhores cantoras de jazz do planeta, segundo a revista "bíblia" do gênero, a Downbeat, Ithamara esclarece que não tenta reproduzir o inimitável: "Não é uma tentativa de imitar João Gilberto. Eu sou louca, mas não o suficiente para achar que poderia imitalo", ri a artista.
Ithamara Koorax se apresenta nesta sexta-feira, 26, e sábad,o 27, às 20h30, no Café Teatro Rubi, com ingressos a R$ 100. "Tratase apenas de um show calcado na obra de João, que eu documentei no CD Bim Bom The Complete Joao Gilberto Songbook, e também em outros discos como O Grande Amor (2010) e Ithamara Koorax Sings Getz / Gilberto (2013). É, em resumo, um humilde tributo a um gênio que revolucionou a música mundial", descreve.
No show, Ithamara será acompanhada por outros dois mestres baianos: Paulo Levita (violão) e Joatan Nascimento (trompete). " Terei a honra de voltar a tocar com este dois extraordinários músicos que já participaram de shows meus", comemora. "Levita, além de ser profundo conhecedor da obra de João Gilberto, também é amigo pessoal dele. Eu amo os discos da dupla Palmyra & Levita que foram lançados no Japão, assisti às gravações, sou fãzoca mesmo! Joatan também tocou comigo em 2003 e 2015, é um dos maiores trompetistas do mundo, um grande improvisador", afirma a cantora.
Necessária
Se apresentar na Bahia é também outro motivo de alegria para Ithamara, que guarda grandes lembranças de outras passagens por aqui: "Senti uma empatia incrível com o público baiano desde que me apresentei em Salvador pela primeira vez, em 2003, em um show para cinco mil pessoas na Concha Acústica do Teatro Castro Alves".
Para a cantora, as qualidades da obra de João Gilberto são mais necessária do que nunca neste momento: "Em um mundo tomado pelo barulho, pelo grito, pela impaciência e pela brutalidade, a obra de João, como autor e como intérprete, nos envolve pela sutileza, delicadeza e 'balanço'. É uma obra atemporal, que jamais ficará datada e por isso deve nos levar à uma série de reflexões, inclusive sobre o real conceito de modernidade", conclui.
Confira entrevista completa com a cantora:
Uma coisa surpreendente em relação ao João Gilberto Songbook que a senhora gravou é que ele consiste de apenas 11 composições (12, contando com a versão em inglês de HôBáLáLá). É um daqueles casos de melhores perfumes, menores frascos? A senhora cantará todas as 11 canções no show?
Ithamara Koorax: Sim, essa é a intenção. Estou muito feliz em finalmente poder trazer este show, que já rodou o mundo, para a Bahia. Começamos no Rio de Janeiro, passamos por Belo Horizonte, fizemos dois concertos em São Paulo ao lado da Orquestra Jazz Sinfônica com o Auditório Ibirapuera lotado, e aí partimos para a Europa e Ásia. Na Coreía do Sul, onde me apresento regularmente desde 2005, foi muito emocionante. Apesar dos coreanos não entenderem nada de português, eles reagiram a cada música como se houvessem compreendido plenamente as mensagens das letras. João Gilberto é tão genial e tão expressivo em seu minimalismo que opera milagres!
O que a obra de João Gilberto significa em termos do que ela nos ensina e nos transmite permanência, sutileza, delicadeza?
IK: Significa que, mais do que nunca, ela é essencial. Num mundo hoje tomado pelo barulho, pelo grito, pela impaciência e pela brutalidade, a obra de João, tanto como autor e como intérprete, nos envolve pela sutileza, delicadeza e "balanço". É uma obra atemporal, que jamais ficará datada e por isso deve nos levar à uma série de reflexões, inclusive sobre o real conceito de modernidade.
O álbum foi amplamente aclamado no exterior pela crítica especializada, mas parece ter passado batido no Brasil. A que se deve este fato?
IK: Provavelmente ao fato de ter sido lançado no mundo inteiro, menos no Brasil. (risos) Mas é um disco muito importante na minha vida, porque fechou um ciclo. Ao longo dos meus 25 anos de carreira, eu fui abençoada com a chance de trabalhar com meus maiores ídolos: Tom Jobim, Luiz Bonfá, minha madrinha Elizeth Cardoso, Hermeto Pascoal, Marcos Valle, João Donato, Eumir Deodato, Mario CastroNeves, Dom Um Romão, Milton Banana, Paulo Moura, os grupos Os Cariocas e Azymuth, e algumas das melhores orquestras do mundo. Sem falar de grandes mestres do jazz como Dave Brubeck (que me ajudou muito nos Estados Unidos), Ron Carter, Larry Coryell, John McLaughlin, Claus Ogerman, Gonzalo Rubalcaba, Art Farmer, Sadao Watanabe e muitos outros. Mas faltava algum trabalho relacionado ao João Gilberto. Até que o produtor Arnaldo DeSouteiro teve a idéia de gravarmos o songbook do João, algo que ninguém tinha pensado em fazer. Nem eu! (risos) Apesar de conhecer todas aquelas músicas e de cantar várias delas há anos! "HôBáLáLá", por exemplo, eu canto desde o meu primeiro show no Rio de Janeiro, realizado em janeiro de 1990, no Rio Jazz Club. Na gravação tudo fluiu com uma naturalidade incrível, eu e o violonista Juarez Moreira fizemos o disco em dois dias, "ao vivo no estúdio", face a face, sem precisar consertar nada depois. Exatamente como o João faz. Talvez isso ajude a explicar a receptividade do trabalho no mundo inteiro.
É a segunda vez que a senhora vem cantar no Café Teatro Rubi, correto? Tem um gosto especial em cantar na Bahia? Pode comentar também as participações de Paulo Levita e Joatan Nascimento, que a acompanham no show?
IK: Correto. E novamente entram em cena as coisas mágicas que permeiam a minha carreira. Porque senti uma empatia incrível com o público baiano desde que me apresentei em Salvador pela primeira vez, em 2003, em um show para cinco mil pessoas na Concha Acústica do Teatro Castro Alves. As reportagens publicadas naquela época falam desta paixão mútua que rolou, a reação da platéia foi realmente um fenômeno, porque eu não era e não sou tão conhecida, não apareço toda semana na televisão. Mas eu sabia da importância de estar ali, sabia que era uma chance única de mostrar meu trabalho, então me entreguei completamente e fiz um show visceral, que eletrizou a platéia. Quando retornei em 2008 e depois para o Rubi em 2015, lançando o meu vigésimo CD, "All Around The World", a magia se repetiu. Dentro de um outro contexto e com um repertório mais jazzístico, claro. Mas a receptividade foi maravilhosa, fiquei quase uma hora autografando CDs após os shows e batendo papo com as pessoas. Muitas delas se tornaram minhas amigas no Facebook! Agora terei a honra de voltar a tocar com Paulo Levita e Joatan Nascimento, dois extraordinários músicos baianos que já participaram de shows meus. Levita, além de ser profundo conhecedor da obra de João Gilberto, também é amigo pessoal dele. Eu amo os discos da dupla Palmyra & Levita que foram lançados no Japão, assisti às gravações, sou fãzoca mesmo! Joatan também tocou comigo em 2003 e 2015, é um dos maiores trompetistas do mundo, um grande improvisador. Então eu me sinto privilegiada por estar tão bem acompanhada!
A bossa nova (e João Gilberto, particularmente) representam bem um Brasil que rima com sutil, o Brasil prégolpe de 1964, otimista e que vislumbrava um futuro mais civilizado. Essa sutileza, esse otimismo se perdeu? Como a senhora vê o Brasil hoje?
IK: Acho que o povo brasileiro é otimista por natureza. Mesmo diante de um quadro trágico como o que se vê hoje, mesmo diante de um futuro sombrio, se mantém esperançoso. Embora eu também ache que seja um país onde se confunde alegria com felicidade. Mas a sutileza já foi pro espaço há muito tempo. Muita se fala nas semelhanças entre a bossa nova e o jazz.
Mas e quanto as diferenças? Como cantora que conhece profundamente ambos os gêneros, que diferenças a senhora sente na hora de cantar um e outro?
IK: Esse negócio de me chamarem de "jazz singer" foi uma invenção da crítica musical norteamericana, que achava que eu cantava de uma maneira mais, digamos, "criativa" do que outras cantoras, acharam que eu tinha um fraseado jazzístico. Eu nunca me auto-rotulei como cantora de jazz, inclusive foi algo que me prejudicou muito no Brasil em vários níveis. Gerou muita inveja e, para piorar, passou uma imagem equivocada de que o meu trabalho é elitista. Se eu fosse elitista, conseguiria emplacar dez músicas em trilhas de novelas da Globo? Sem falar que o conceito de cantora de jazz no Brasil é muito limitado, então algumas pessoas esperam ouvir scatsinging (que eu sei fazer mas raramente faço) e algum tipo de imitação das cantoras america nas, coisa que eu não faço de jeiro nenhum. Mas agora não tem mais jeito, só dá pra mudar esta visão em outra encarnação. Os americanos cismam com uma coisa, tacam um carimbo na sua testa e pronto. O mais irônico de tudo é que os meus discos de maior sucesso junto à crítica americana de jazz foram os mais brasileiros que gravei! Quando eu cheguei ao terceiro lugar no ranking das melhores cantoras de jazz segundo revistas como a DownBeat, eu não estava cantando jazz, estava cantando música brasileira, gravando discos como "Bim Bom", "O Grande Amor" (todo de MPB e cantado somente em português) e "Brazilian Butterfly", que tem várias músicas de Dorival Caymmi, muito samba, baião e até ponto de umbanda. Mas rotularam como jazz! Não adianta lutar contra isso. E, claro, tem um lado que me honra muito, porque eu jamais poderia imaginar que um dia seria incluida em tantas compilações e tantos livros ao lado de cantoras como Ella Fitzgerald, Sar ah Vaughan, Carmen McRae e Betty Carter, que eu ouvia e idolatrava quando era criança. Foi mais uma benção que Deus me deu e que eu, como ser humano imperfeito, ainda não consegui assimilar inteiramente.