Beatriz Azevedo vai lançar livro
Na adolescência, Beatriz Azevedo teve o primeiro contato com a obra do escritor Oswald de Andrade. De início, nada diferente da maior parte dos jovens que se deparam com o Modernismo no ensino médio. Porém, tempos depois, leu uma espécie de biografia do autor. "A figura rebelde e iconoclasta é superinteressante, além dos poemas. Ele era muito vivo e isso sempre me chamou a atenção", diz a escritora, atriz, cantora e compositora.
A conexão ficou ainda mais forte quando Beatriz conheceu a filha de Oswald, Marília de Andrade. "Tive essa sorte. Na época uma parte dos livros dele estava esgotada. E ela foi muito com a minha cara, porque viu uma menina que tinha lido meia dúzia de livros do pai, já estava um pouco articulada, sabia fazer perguntas. E então foi me dando os títulos esgotados, com dedicatórias estimulantes", conta.
Já na faculdade de Artes Cênicas da Unicamp, aprofundando em pesquisa a vivência da adolescência, se aproximou de José Celso, diretor, ator e idealizador do Teatro Oficina, cujo interesse comum pela obra de Oswald só contribuiu para um vínculo imediato. "Ele dizia: 'Você não era nem nascida, como sabe tudo isso sobre a minha direção de O Rei da Vela?'. Eu falei: 'Cara, estou estudando desde os treze'".
As sincronicidades, que ainda permanecem constantes na vida de Beatriz, contribuíram na criação do livro Antropofagia - Palimpsesto Selvagem, publicado pela editora Cosac Naify e que chegou às livrarias no segundo semestre deste ano. O prefácio tem a assinatura do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Nas palavras do pesquisador, a obra "é talvez a primeira leitura microscópica do Manifesto Antropófago", "destinada a se tornar uma referência obrigatória".
Detalhes antropofágicos
A obra mergulha com rigor no pensamento de Oswald de Andrade por meio do seu Manifesto Antropófago, de 1928. Amplia a análise sobre a antropofagia, definida pelo poeta Augusto de Campos como "a única filosofia original brasileira".
"Comecei a fazer quando entrei no mestrado e doutorado. Antes, acreditava que já existia, pois todo mundo fala disso. E vi que ninguém tinha feito. Fiquei espantada, que gente preguiçosa. Tudo bem você sentar numa mesa de bar e falar da mistura, em fazer uma coisa antropofágica depois de três cachaças. Mas queria estudar o cara, a tábua etrusca, a pedra fundamental da antropofagia, o manifesto", conta aos risos Beatriz Azevedo.
Ela examina cada aforismo do Manifesto e explica no livro que o conceito de antropofagia vai além da ideia banalizada, porém, não menos coerente, de "devorar o outro". Trata-se, sobretudo, de olhar através do ponto de vista do diferente, como alteridade. Esse entendimento influenciou do Tropicalismo, de Gilberto Gil e Caetano, ao Manguebeat, de Chico Science, passando pelo Kaos, de Jorge Mautner, e o Cinema Novo, de Glauber Rocha.
"Eles tiveram uma leitura original. Cada um levou o insight de Oswald adiante, contribuindo. O que houve de mal-entendido foi a recepção geral do público e um pouco da crítica, no sentido de que, precisando elaborar um resumão, criaram a ideia de que a antropofagia é comer o gringo, digerir e transformar em algo brasileiro. Isso deixou tudo muito superficial, anulando os elementos mais radicais da antropofagia, como a crítica à civilização ocidental", defende Beatriz.
Outro componente essencial, segundo a pensadora, é o enorme critério na atitude antropofágica. "Tem a história do Hans Staden, que foi capturado pelos índios. Ele saiu e conseguiu contar porque não foi comido. Os índios acharam ele covarde, então não valeria comer aquela carne. Isso é crucial, a antropofagia não come qualquer coisa", afirma a escritora.
Urgência oswaldiana
As ideias de Oswald de Andrade continuam extremamente necessárias e urgentes, principalmente no Brasil, que, ao longo dos séculos, foi muito cruel e negligente com os seus povos indígenas, originários do território. "Ficou sempre assim: 'Deixa eles ali, preserva um pouco, usurpa um pouco'. Hoje o Brasil ainda precisa se voltar para Pindorama. Absorver a imensa filosofia ameríndia, o conhecimento de plantas curativas, de sustentabilidade. Eles sabem como resolver algumas das grandes questões do século 21", completa Beatriz.