Festival VIVADANÇA ocorre todos os anos em abril | Foto: Marcelo Delfino | Labfoto
O edital de Eventos Calendarizados, que é uma das ações promovidas pela Secretaria de Cultura da Bahia (Secult) e possui 15 festivais selecionados por meio do Fundo de Cultura do Estado, tem sido alvo de reclamações por parte dos produtores e artistas contemplados, que alegam atrasos nos repasses e pagamentos de parcelas referentes aos eventos realizados em 2019.
Em uma carta aberta divulgada na última semana, os proponentes de nove eventos cobraram da Secretaria a liberação dos recursos, além de apontarem outros entraves no diálogo com o órgão. De acordo com as alegações, algumas produções, como o Festival de Dança de Itacaré, não teriam sequer recebido a parcela relativa a 2019.
Um dos signatários da carta, o festival VIVADANÇA, que conta com espetáculos nacionais e internacionais na promoção da arte cênica, aponta um excesso de ‘burocratização’ no órgão como um possível impeditivo para a realização dos eventos deste ano.
“Existe um descompasso desse tempo. Essa ideia de selecionar e patrocinar com um tempo maior para que os festivais trabalhem com maior qualidade não está acontecendo. O tempo administrativo e burocrático não está sendo condizente com o tempo necessário para a plena realização dos festivais”, afirma a coreógrafa Cristina Castro, diretora e curadora do VIVADANÇA.
De acordo com ela, há um entendimento por parte dos proponentes da existência de uma “demanda gigante de análise de prestações e afins, sem uma equipe necessária para que as coisas fluam”, além de um reconhecimento dos esforços da Secretaria para promover os eventos e a cultura no estado, que acabam esbarrando na questão burocrática.
“Reconhecemos que tanto os diretores de festivais como a própria Secult têm um interesse imenso de que isso aconteça. Não existe conversa sobre uma descontinuidade dos festivais. É um dos pilares do planejamento da Secretaria de Cultura e nós vemos esse reconhecimento por parte deles. Por isso que estamos espantados”, enfatiza.
Um dos primeiros eventos do calendário, o VIVADANÇA, que geralmente ocorre em abril, foi um dos que mais sofreram com o início da pandemia da Covid-19, que afetou o setor cultural em todo o país. De acordo com Cristina, toda uma cadeia econômica e logística que transita em torno do evento precisou ser cancelada por conta das condições sanitárias.
“Para ocorrer em abril, meu festival fica pronto em dezembro. Já estava tudo pronto e, em março, começou a questão da pandemia. Precisamos suspender o festival todo e foi um problema muito grande para a gente. Suspender um festival é tão difícil quanto fazer um. Voos comprados, hotéis reservados, gente que estava trabalhando há meses, é toda uma logística que precisou ser desfeita”, explica.
Ainda de acordo com ela, foi pedido pela secretaria que os festivais, que tiveram o apoio prorrogado até 2021, apresentassem um novo formato para a realização de forma virtual.
“Abriu-se a possibilidade de fazermos festivais virtuais para que não se parasse o fluxo da produção. É um momento muito difícil para a cultura e nós não podemos parar, pois seria parar toda uma cadeia produtiva. Então a gente mostrou um plano de trabalho do qual eu não tenho nenhuma aprovação formal, apesar de saber que foi bem aceito. O que falta agora é afinar um diálogo muito transparente, conversar e tentar tirar esse descompasso que está prejudicando”, pontua a coreógrafa, que reconheceu a dificuldade do momento de pandemia e afirmou que o intuito dos proponentes é o de buscar uma conciliação.
“Sabemos que estamos em uma crise. Tanto nós quanto o governo. É muito difícil governar agora e é muito difícil dirigir um festival agora. O importante é que a gente não se agrida. Precisamos nos unir. Estamos no meio de uma pandemia e todos temos consciência disso”.
Prestação de contas
Um dos eventos que não optaram pela realização em um novo formato foi o Festival de Jazz do Capão, que ocorre no segundo semestre do ano no Vale da Capão, na Chapada Diamantina. De acordo com o organizador, Tiago Tao, a formatação de um evento tão importante para o turismo e para a economia da região acabaria por descaracterizar o evento.
“Quem fosse fazer esse ano teria que mudar para um formato virtual, o que não funciona pra gente por conta da relação do público com a natureza e o espaço onde ocorre o festival. É algo essencial pra nós”, diz ele. “Como o Vale do Capão está fechado por conta da pandemia, nós somos um dos poucos Eventos Calendarizados que já haviam decidido que só seria realizado no ano que vem. Então mandamos para a Secult uma solicitação de mudança da data, que seria em setembro, e ainda não recebemos resposta”.
Festival de Jazz do Capão não terá versão online | Foto: Divulgação
Tao, que também é signatário da carta, compartilha da reclamação relativa aos prazos e atrasos da Secretaria. De acordo com ele, a demora na liberação dos repasses acaba atrasando a prestação de contas, que é exigida para a liberação de uma parcela seguinte.
“A principal discussão com a Secretaria de Cultura é com relação ao cumprimento dos prazos pela parte deles. O tempo de análise das prestações de contas acaba levando um tempo muito maior do que deveria. A prestação de uma das parcelas do Festival de Jazz do Capão acabou levando mais de 400 dias para ser analisada, o que acabou atrasando o repasse dessa última parcela que recebemos. Então o depósito dessa parcela, que seria referente a 2019, já fica muito próxima dessa nova parcela referente a esse ano. Precisamos receber o recurso e fazer uma prestação de contas super rápida, se não quisermos atrasar o repasse da próxima parcela”, afirmou.
Reclamação que também é feita por Claudio Marques, diretor artístico e um dos coordenadores o Panorama Internacional Coisa de Cinema. De acordo com ele, que pretende realizar o festival ainda neste mês, o plano de trabalho desta edição ainda não recebeu aprovação e a primeira parcela deste ano não foi paga. Claudio completa que a edição de 2019 do Panorama teria sido realizada sem o patrocínio da Secult, já que a primeira parcela foi paga dois meses após a realização do festival, e a última foi quitada no último dia 30 de outubro.
Em relação ao Panorama, a Secretaria de Cultura informou, em nota enviada ao Portal A TARDE, que ‘o pagamento da 7ª parcela (edição 2020) está condicionado à apresentação da 6ª prestação de contas e aprovação do plano de trabalho adequado ao contexto da pandemia. A prestação de contas da 5ª parcela foi aprovada, mas o repasse depende da apresentação da 6ª prestação de contas e da aprovação do plano de trabalho atualizado ao contexto pandêmico’. A Secult explica ainda que, após análise financeira/contábil da prestação de contas da 3ª parcela, identificou que o proponente do evento precisa sanar pendências de ordem fiscal e documental.
Sobre a nota, Cláudio Marques alega que as pendências foram geradas pelo atraso no repasse da Secult. “O Panorama, por exemplo, recebeu a segunda parcela do evento realizado em 2019 somente na semana passada. Há meses o Panorama não tinha nenhuma pendência burocrática. Tudo aprovado desde junho ou julho. Agora, para receber o dinheiro para a edição de 2020, temos que prestar contas do que acabamos de receber. Então, claro, nesse momento, o Panorama tem pendências graças ao atraso da Secult. Existe uma lógica perversa na burocracia que está a inviabilizar a atividade artística no país”, afirmou.
Panorama Internacional Coisa de Cinema estava previsto para ocorrer neste mês | Foto: Amanda Oliveira | GovBA
Além dos três citados na matéria, foram signatários da carta, que apresenta outras demandas gerais e específicas, os seguintes projetos: Festival de Dança de Itacaré, Festival Internacional de Artistas de Rua, Projeto Cantoria de São Gabriel, FILTEBAHIA – Festival Internacional Latino Americano de Teatro da Bahia, IC – Encontro de Artes, Festival Internacional da Sanfona e FENATIFS - Festival Nacional de Teatro Infantil de Feira de Santana.
Secult responde
Ainda na nota (confira abaixo), a Secretaria de Cultura informou que todos os proponentes tiveram os planos de trabalho para a execução em 2020 atualizados e aprovados entre os meses de fevereiro e março deste ano mas, em função da pandemia, houve a necessidade de readequações à nova realidade.
Além disto, o órgão ressalta que a liberação de parcelas está condicionada à apresentação e aprovação da prestação de contas de parcelas anteriores, e que os repasses financeiros só ocorrem após os proponentes atenderem a obrigações legais (tributárias, contábeis, orçamentárias, cláusulas do Termo de Acordo e Compromisso - TAC); estarem aptos no momento do desembolso (situação de aprovação de marco executivo, regularidade fiscal, dentre outros); e entregarem e aprovarem as prestações de contas das parcelas anteriores, além de valor e período de concessão de recursos por parte da Secretaria da Fazenda (Sefaz).
“A SecultBA tem uma equipe multidisciplinar de gestão, direção, coordenação e técnica, que zela pelo bom desempenho das funções e procura realizar as atividades de acordo com os princípios da administração pública. O trabalho realizado pela Diretoria de Acompanhamento e Controle e pela Comissão Gerenciadora do FCBA ocorre de forma transparente, objetiva e isenta, em consonância com os trâmites legais previstos nos regimentos internos da SecultBA e com as determinações do Tribunal de Contas do Estado (TCE) para aprimoramento do controle interno, notadamente, quanto aos mecanismos de acompanhamento e fiscalização da execução contratual”, completa.
Perspectivas
Mesmo sem garantias de um retorno à normalidade para a realização dos festivais de forma presencial, Cristina Castro afirma que não pode ficar parada. Ainda sem o retorno da secretaria para a execução virtual, a organizadora já projeta a edição de 2021 do VIVADANÇA, a última como parte contemplada deste edital, e prefere ser otimista ao pensar no futuro.
“Eu tenho que projetar. Eu tenho uma responsabilidade gigante, trabalho com muitas pessoas e elas esperam o VIVADANÇA. Mesmo tendo todas essas dúvidas, eu não posso dizer que não sei o que vai acontecer. Já estou projetando o festival para acontecer em abril, para retomar o calendário original no mês que comemoramos o Dia Internacional da Dança. Os parceiros já estão sendo avisados, já fecharam comigo e isso é muito bom”, destaca. “Essa é a previsão para nosso projeto e queremos cumprir o compromisso com a sociedade”.
Algo compartilhado pelo organizador do Festival de Jazz do Capão, Tiago Tao. Com a execução do evento sendo fundamental para uma área tão icônica do turismo baiano, as condições sanitárias são essenciais para que ele retorne com a aura de tranquilidade que caracteriza a região.
“Programamos para março, até para não ficar tão distante da data original em setembro, mas não sabemos se teremos as condições sanitárias necessárias para a realização. Se não for possível, jogamos para frente e só vamos fazer quando, de fato, for seguro. Quando houver todas as condições de segurança para que seja de forma presencial, com todo mundo bem à vontade, tranquilo. Queremos voltar a fazer o festival como ele é”.