Artistas residentes, curadores e outros colaboradores no encontro realizado no Casarão do MAM
Ilhados em Itaparica e com a Baía de Todos-os-Santos como quintal, artistas residentes da 3ª Bienal da Bahia se reuniram por 60 dias, entre março e maio deste ano, com o objetivo de realizar pesquisas e pensar ações para o evento.
Eles vieram de toda parte do mundo: Líbano (Oriente Médio), Congo (África), Porto Rico (Caribe) e estados brasileiros como São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. Uma pluralidade de formações culturais e de linguagens artísticas que se revezaram de acordo com o tempo de pesquisa de cada um.
Para contar sobre essa imersão, os últimos residentes se reuniram no Casarão do MAM no dia 10 de maio, num bate-papo mediado por Marcelo Rezende, diretor do museu.
Omar Salomão, carioca com incursões na literatura, artes visuais, teatro, televisão e música, ficou o máximo de tempo na residência. Na mesa, ele relatou como a sensação de estar "à deriva" contribuiu para a reflexãoe diz a experiência lhe pareceu um momento para recarregar as baterias. "Em algum momento, você se deixa infectar pelo clima da Ilha".
Além do lugar aprazível pela natureza, os artistas ressaltam o contato com a comunidade como fator importante. Para Rodrigo Matheus, paulista e mestre em escultura pelo Royal College of Art (Londres, Reino Unido), o processo foi "quase como redescobrir o Brasil", devido também ao que a ilha guarda de história.
"A experiência é quase como ver o Brasil dentro de uma perspectiva que não é a do Sudeste. E isso demanda estar aqui. Para viver na Bahia, você tem que abandonar um certo senso crítico", diz Rodrigo. Em sua visão, isso se justifica pelas relações humanas muito genuínas e é preciso estabelecer um diálogo com a comunidade.
Nordeste X Sul
Lisette Lagnado, que nasceu e viveu quase 14 anos no Congo e já trabalhou como editora de revistas de arte e como curadora, provoca a mesa com uma pergunta: "Qual a diferença entre Sul e Nordeste?", questionamento que dialoga com o tema central da bienal, É Tudo Nordeste?.
Para Alejandra Muñoz, arquiteta e curadora-adjunta, estamos começando a tomar maior consciência dessas narrativas que estão sendo construídas sobre Sul e Nordeste. "E a quem cabe o papel de narrador?", questiona Augusto Albuquerque, gerente do Instituto Sacatar, fundação que os hospedou na Ilha.
Para ele, essa indagação "É tudo Nordeste?" traz uma reflexão para os baianos, que precisam saber até que ponto e em que ponto a Bahia é Nordeste. "A cultura dita da Bahia difere muito de cidades como Juazeiro, Vitória da Conquista", ressalta Albuquerque.
O artista visual cearense Ícaro Lira comenta que se incomoda com o que se fala sobre a Bahia. "A minha visão da Bahia sempre foi a de extensão do território. Percebo uma Bahia sempre virada para o Sul e Sudeste e não para Pernambuco, Nordeste, etc", afirma.
Fernando Oliva, curador-adjunto da Bienal, que cuida especialmente da exposição Reencenação, relembra a importância de pensar na Bienal de 1968, que teve obras censuradas pelo Regime Militar. "A 2ª Bienal da Bahia é sempre uma nota de rodapé. Sendo que é talvez um dos maiores casos de censura", afirmou.
Ações e obras
Em sua pesquisa, Omar Salomão começou a pensar no candomblé e na relação entre memória e apagamento dos arquivos. "O candomblé é uma religião que não tem um livro. Cada pessoa é um livro. Elas traziam em si a vivência".
Como um dos resultados dessa pesquisa, ele conta que fará um livro sobre toda a experiência da residência e depois levará a obra para ser apagada no mar. "Quero escrever todo esse pensamento de candomblé, culto literário, culto oral, culto religioso, e apagar isso no mar. Vou botar na água e vão ficar só pequenas marcas".
Marcelo Rezende diz que a residência pretendia colocar os artistas em situações muito particulares para refletir a Bahia e o Nordeste. "A partir dessas pesquisas, eles começaram a imaginar como responder a esse universo que começou a ser apresentado a eles".
Essas experiências foram traduzidas em obras, conversas, rodas de samba, oficinas para aprender a comer bem, entre outras ações. Além do que foi materializado, porém, Rezende diz que o que se pode esperar da Bienal é um lugar de encontro e, sobretudo, de pensar a arte. Exatamente como se viu nesse bate-papo.