A América Latina está chegando ao fundo do poço e começará, a partir de agora, a se recuperar, afirmou nesta sexta-feira,24, o Fundo Monetário Internacional (FMI), que, assim como o Banco Mundial (BM), elogiou o fato de a região ter pilares mais sólidos do que no passado para enfrentar a crise.
"Estamos chegando ao fundo do poço provavelmente enquanto conversamos", disse em entrevista coletiva o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo, Nicolás Eyzaguirre.
As declarações do representante do FMI foram feitas apenas dois dias depois que o Banco Mundial acusou a instituição de ser "pessimista demais" sobre a região, ao prever uma contração da economia de 1,5%, frente ao 0,6% do BM. Nesta sexta, porém, o Fundo deu um pouco de esperança, ao ressaltar que a América Latina sairá do buraco antes que os países desenvolvidos, que só começarão a se reerguer no começo de 2010.
As palavras de Eyzaguirre coincidiram com a realização de um seminário sobre as perspectivas da região na sede do BM, que contou com a participação do presidente eleito de El Salvador, Mauricio Funes, e do ministro das Finanças colombiano, Óscar Zuluaga.
Os dois contaram com a companhia do presidente do Banco Central do Chile, José de Gregorio, do subsecretário de Fazenda mexicano, Alejandro Werner, e do ex-ministro venezuelano de Planejamento Ricardo Hausmann, atualmente professor da Universidade de Harvard.
Os palestrantes concordaram em ressaltar que a região está muito mais bem preparada para enfrentar a crise do que no passado, apesar de precisar encarar desafios sérios, como a proteção das conquistas em matéria econômica e social observada dos últimos anos.
Nesse sentido, Funes afirmou que, no caso da América Central, a atual crise é o principal risco para a democracia e à convivência pacífica, pelos potenciais efeitos no desemprego, na pobreza e no aumento do abismo social.
O presidente salvadorenho ressaltou que, apesar das restrições orçamentárias pelas quais passam países como o seu, é preciso manter os programas de proteção social para que os mais pobres não precisem pagar a conta da crise desta vez.
O ministro da Fazenda colombiano insistiu também na necessidade de garantir as conquistas dos últimos anos.
Zuluaga explicou que o Governo colombiano implementou políticas anticíclicas, que incluem a proteção das redes sociais para fazer frente a um desemprego crescente e os investimentos em setores como infraestrutura, para estimular a criação de postos de trabalho. Ele destacou a necessidade de encontrar o equilíbrio entre a estabilidade econômica e o progresso social.
Em linha com o defendido pelo FMI, o subsecretário de Fazenda mexicano, Alejandro Werner, explicou que o México começa a ver os primeiros sinais de estabilização no mercado de trabalho e nas vendas internas, que começaram a aumentar.
Por sua vez, a responsável do BM para a América Latina, Pamela Cox, afirmou que a contração da demanda por emprego afetará, principalmente, os trabalhadores urbanos do setor formal da economia. Isso leva o Banco Mundial a concluir que a crise afetará mais, "proporcionalmente", a classe média da região.
Cox lembrou que a América Latina conseguiu tirar da pobreza quase 60 milhões de pessoas durante o período de crescimento que experimentou entre 2002 e 2008. "Agora, quatro milhões poderiam cair na pobreza devido à crise", alertou.
A especialista do BM ressaltou que a crise já afeta todos os aspectos da economia latino-americana através da queda dos preços das matérias-primas, da redução da demanda, da diminuição dos fluxos de remessas e do investimento direto. De qualquer forma, ela insistiu em que não há uma crise financeira sistêmica, como em outras regiões do mundo. "A América Latina não é o Leste Europeu", afirmou.
"A maioria dos mercados latino-americanos se livrará dos sintomas de crise passadas: enormes desvalorizações, aumentos nas taxas de juros, altas da inflação, colapsos bancários, moratórias da dívida", apostou.
Cox afirmou que isso é possível graças ao fato de a região ter "feito o certo" ao adotar as políticas macroeconômicas e fiscais adequadas, assim como regulações sensatas no setor financeiro.
Investimentos - Os principais bancos de desenvolvimento anunciaram na quarta-feira,22, que oferecerão US$ 90 bilhões em empréstimos à América Latina e ao Caribe nos próximos dois anos. Fazem parte da iniciativa o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial (BM), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco de Desenvolvimento do Caribe (CBD) e o Banco Interamericano de Integração Econômica (Cabei, em inglês).
Os representantes das instituições financeiras fizeram o anúncio em entrevista coletiva sede do BM em Washington, no marco dos atos que antecedem a reunião da entidade e do Fundo Monetário Internacional (FMI) que será realizada no próximo fim de semana na capital americana.
Espera-se que o BID contribua com US$ 29,5 bilhões do valor total, enquanto o BM se propõe a fornecer US$ 35,6 bilhões nos próximos dois anos. Além disso, a CAF planeja fornecer US$ 20 bilhões, enquanto o Cabei e o CBD esperam contribuir com US$ 4,2 milhões e US$ 500 milhões, respectivamente.
Enrique García, vice-presidente executivo da CAF, disse que a cooperação anunciada na quarta era incomum no passado. Por sua parte, tanto Luis Alberto Moreno, presidente do BID, como Jyrki Koskelo, vice-presidente da Corporação Financeira Internacional (CFI), braço privado do BM, insistiram em que as instituições cooperarão em diferentes projetos, os quais seriam difíceis de ser abordados individualmente.
A atual crise global com epicentro nos Estados Unidos interrompeu mais de cinco anos de crescimento econômico sustentado na região, com taxas médias de expansão anual de 5,3%. Durante a apresentação do relatório "Perspectivas Econômicas Mundiais", o FMI revelou suas previsões de crescimento para a América Latina e ao resto do planeta.
O organismo previu uma contração da economia mundial de 1,3%, e antecipa que a América Latina entrará em recessão este ano e voltará a crescer em 2010, com uma expansão esperada de 1,6%. O número também está abaixo da previsão do BM, que antecipa um crescimento de 2,2% da América Latina no próximo ano.
Nas projeções por países também há divergências semelhantes, já que enquanto o FMI prevê uma contração de 3,7% no México este ano, o BM acredita que o percentual será de 2%. Em 2010, o país crescerá 1,8%, de acordo com o banco, e só 1%, segundo o FMI.
Percepções divergentes - Augusto de la Torre, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina, explicou em entrevista que há "uma bifurcação de percepções" entre os analistas que estão em Wall Street e os que estão na região. Ele destacou que os analistas que estão em Wall Street "são mais negativos", e acrescentou que os economistas do FMI parecem estar vendo a situação com "os olhos do centro", em vez de com os da periferia.
De qualquer forma, De La Torre admitiu que prever esses dados é um trabalho difícil atualmente, e lembrou que, desde a falência do banco de investimento americano Lehman Brothers, em meados de setembro, os prognósticos parecem ser atualizados toda semana. O economista destacou que a América Latina é menos vulnerável agora que em algumas ocasiões anteriores e ressaltou que a região será capaz de evitar "uma crise sistêmica financeira interna".
Por sua vez, o analista lembrou que, na América Latina, a palavra "crise" esteve associada tradicionalmente a "hecatombes financeiras", o que não ocorrerá nesta ocasião. A instituição previu ainda que a região cresça 1,6% em 2010.
De La Torre insistiu em que a região é vulnerável do ponto de vista social, e alertou para que quatro milhões de pessoas podem cair na pobreza este ano como resultado da crise global. Além disso, é possível que outros dois milhões permaneçam estagnados na pobreza e não escapem dela, como teria podido acontecer se a crise não tivesse existido. No total, 60 milhões de latino-americanos saíram da pobreza entre 2002 e 2008.