Oito anos depois da privatização do serviço, 2,4 mil municípios brasileiros permanecem sem acesso às linhas móveis
Mirelle de França, Luciana Rodrigues e Letícia Lins
AGÊNCIA GLOBO
RIO DE JANEIRO A tão propagada concorrência na telefonia celular ainda é um privilégio de menos da metade dos municípios brasileiros. Enquanto em locais como Salvador e Rio de Janeiro o consumidor pode escolher entre quatro diferentes operadoras, em 2.443 cidades do País não há sequer acesso ao serviço, oito anos após a privatização do setor.
E, até o ano passado, outros 576 municípios contavam com a cobertura de apenas uma empresa, segundo levantamento do Atlas Brasileiro de Telecomunicações. Os sem-celular vivem em localidades remotas, pouco populosas e, em geral, de baixa renda. Ou seja, com pouco ou nenhum atrativo que justifique os investimentos das operadoras.
De acordo com cálculos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), os 11,54% de brasileiros (21,2 milhões de habitantes) que vivem em locais sem acesso à telefonia móvel, caso fossem atendidos, representariam um acréscimo de apenas 1,5 milhão de novas linhas.
É pouco mais que a média mensal de crescimento da base de assinantes do País, que hoje soma 88 milhões. Além disso, segundo dados da consultoria Target, que foram usados no Atlas, os municípios não atendidos por telefonia celular respondem por só 4% do potencial de consumo dos brasileiros.
Especialistas e executivos de operadoras reconhecem que o alcance geográfico do serviço está próximo de seu limite. Nos últimos anos, as empresas vêm batendo recordes no número de clientes mas sempre nas mesmas cidades ou regiões. Em 2005, foram 20 milhões de novas linhas, mas apenas 185 novos municípios passaram a ser atendidos. Para driblar a falta de interesse por seus mercados, prefeituras estão buscando soluções alternativas, como a doação de terrenos para a instalação de antenas.
O gerente-geral de Comunicações Pessoais Terrestres da Anatel, Nelson Takayanagi, afirma que a agência incentiva as parcerias entre municípios, governos estaduais e operadoras. Um município com seis mil habitantes na área rural, por exemplo, tem um potencial de venda de 800 linhas, com gasto médio mensal de R$ 4. Isso significa uma receita para a operadora de R$ 3.200. Como (dependendo do equipamento) apenas o custo da antena é de R$ 100 mil, o investimento não é atraente nesses lugares, disse.
Ele explicou, ainda, que ao contrário das concessionárias de telefonia fixa, as operadoras móveis não têm metas de universalização, o que significa que elas podem decidir quando e onde fazer seus investimentos.
SATURAÇÃO Para o presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, a ampliação da cobertura chegou ao seu limite. Nas condições atuais, nenhuma (empresa de telefonia) móvel mexe em mais nada. O Brasil já está coberto.
Para o presidente da TIM Brasil, Mario Cesar Pereira de Araujo, o mercado de celular não está saturado e há alternativas para atender à população que ainda não tem acesso ao serviço. Ele cita a redução dos impostos e a utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para incentivar os investimentos nas regiões não atendidas.
Luiz Guilherme Schymura, presidente do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e ex-presidente da Anatel, concorda. Tem que haver uma negociação entre Estados, municípios e operadoras. Algum tipo de redução de ICMS para municípios, que podem colaborar fornecendo estrutura, cedendo mão-de-obra ou o terreno para instalar as antenas.
Para o chefe do Departamento de Telecomunicações do BNDES, Roberto Zurli, o mapa da cobertura de telefonia móvel no Brasil é típico de um país com grandes vazios demográficos e econômicos. A universalização da telefonia se deu de forma vertical, ou seja, pelas diferentes classes de renda, e não por meio de sua extensão geográfica, diz Zurli. Os dados da Anatel mostram que, em alguns Estados do Norte e do Nordeste, como Roraima, Paraíba ou Maranhão, menos de 30% dos municípios são cobertos.
Pré-pagos impulsionaram setor
RIO Se nos municípios mais remotos do interior o celular ainda é um sonho de consumo distante, nas cidades maiores foi através das linhas pré-pagas que o serviço de telefonia se tornou praticamente universal. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 1998, apenas 32% dos domicílios brasileiros tinham telefone.
Em 2004, esse percentual mais do que dobrou, para 65,4%. Mas em 16,5% dos lares do Brasil há apenas telefone celular, taxa próxima ao dos 17,6% de domicílios onde há somente a linha fixa.
Técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Gabriel Fiuza afirma que, desde a privatização das empresas de telefonia, a universalização dos serviços, na prática, se deu pelos telefones celulares pré-pagos. No cômputo geral, principalmente em comparação com outros setores de infra-estrutura do País, a universalização na telefonia foi de fato alcançada, diz Fiuza.
Os celulares pré-pagos tornaram-se uma opção sobretudo para os consumidores de baixa renda, que não conseguem arcar com os cerca de R$ 40 mensais da assinatura básica de telefonia fixa. São quase 71 milhões de linhas pré-pagas no Brasil, com gastos médios de R$ 4 por mês - apenas um décimo do custo da linha fixa. Mas essa alternativa não existe nos municípios sem-celular.
DISPARIDADES Essas cidades provavelmente não seriam atendidas nem pela telefonia fixa, se as empresas não fossem obrigadas pelas metas de universalização. Trata-se de um problema típico de um País com grandes dimensões territoriais e enormes disparidades de renda entre suas diferentes regiões, afirma Fiuza.
O técnico do Ipea lembra que as estatísticas da União Internacional de Telecomunicações (UIT) colocam o Brasil entre os dez primeiros países com maior número de telefones fixos. Porém, o País cai para a 64ª- posição em densidade de telefonia fixa (ou seja, número de linhas por cada cem habitantes) e em 73º- lugar em densidade na telefonia móvel.
Para Renato Guerreiro, ex-presidente da Anatel e hoje responsável pela consultoria Teleconsult, o crescimento para as regiões ainda não atendidas por celular se dará, apenas, se houver algum tipo de financiamento às operadoras.
Número de assinantes deve ficar estagnado
RIO e PASSIRA A base de assinantes de telefonia celular, que viveu nos últimos anos uma expansão acelerada e constante, poderá ficar, em breve, estagnada. A previsão de especialistas é de que o freio virá quando o mercado chegar à marca de cerca de 110 milhões de linhas, 22 milhões a mais do que existe hoje. Levando-se em conta um crescimento médio mensal de um milhão de novos acessos, isso significa que a festa das operadoras pode terminar em pouco menos de dois anos.
Acredito que a base de celulares atingirá o esgotamento entre 100 e 110 milhões de linhas, disse Renato Guerreiro, sócio da Guerreiro Teleconsult, ex-Anatel. O presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, também acredita que a inércia do mercado está próxima. Vejo um crescimento para até 108 milhões. A curva (de crescimento do número de assinantes) está agora no seu vôo de cruzeiro.
Enquanto esse dia não chega, os consumidores vão aproveitando. O guarda municipal Antônio Augusto de Olinda Santos usa bem a ampla oferta de celulares do Rio, um dos Estados mais bem atendidos e que tem cobertura de quatro operadoras e mais da Nextel. Santos usa três linhas diferentes: Vivo, TIM e Claro.
Todas são pré-pagas. Como se desloca muito durante a semana além de guarda municipal, ele trabalha como segurança e professor de lutas Santos escolhe o celular que vai usar de acordo como o horário e a cidade de onde faz a chamada.
Também vejo para quem vou ligar. Para a minha esposa, que tem um celular TIM, só uso o meu TIM. Na Vivo, o horário não importa. Mas na Claro e na TIM, o preço do minuto varia ao longo do dia. É um verdadeiro malabarismo, enumera o guarda.
Algumas operadoras ainda acreditam que é possível expandir mercado. O diretor de marketing da Claro, Roberto Guenzburger, explica que no ano passado a empresa passou a oferecer o serviço em 700 novos municípios. Estamos avaliando a entrada em mais cidades este ano. Achamos necessário que isso continue acontecendo.
A Vivo, que cobre 2.221 municípios, também vê possibilidade de expansão do número de clientes. Por causa disso, de acordo com o gerente de rede da empresa, Leonardo Capdeville, a operadora vai continuar investindo em cobertura.
Na cidade de Passira, em Pernambuco, a falta de celular atrapalha os negócios. O comerciante Marconi Souza Silva queixa-se das dificuldades com fornecedores e clientes. A cidade é vizinha ao município de Salgadinho, onde há uma estação de águas termais que envia turistas a Passira para comprar seus bordados. Vem gente de todo canto do País.
Quando entram na loja querem usar seus celulares para perguntar aos parentes a cor que eles preferem de lençol, toalha, passadeiras. Acabo cedendo o meu fixo para as ligações interurbanas e a conta só faz subir, diz Marconi.