Distorção: IPTU da Ceasa saltou de R$ 598 mil para R$ 8,5 milhões a partir de 2014
Três anos após o aumento dos fatores que integram a base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) de Salvador, os questionamentos sobre a legalidade da medida voltam agora à cena. Com parecer já concluso, o desembargador Roberto Frank, relator do processo, espera ainda este mês, “ou no mais tardar até abril”, pedir pauta ao Conselho Pleno e levar seu parecer e voto sobre o assunto para o julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), movida pela Ordem dos Advogados do Brasil e três partidos políticos.
>>Lei já foi aprovada com erros, dizem tributaristas
>>MP alerta para peso do reajuste do valor venal também no ITIV
A seção baiana da OAB defende que a medida gerou distorções generalizadas nos valores do IPTU, com casos extremos de alta que alteram o valor terrenos para até 15 vezes mais, de um ano para o outro. Já a prefeitura alega que há quase 20 anos não havia uma atualização cadastral do preço de venda dos imóveis (valor venal), um dos itens de peso nos cálculos do imposto.
Insegurança jurídica
O fato é que a indefinição quanto ao tema tem gerado insegurança jurídica no mercado, afetando projetos e negócios em andamento na cidade, envolvendo desde grandes empreendimentos imobiliários à simples venda de um imóvel pela pessoa física. A situação torna-se ainda mais polêmica nos casos em que o novo valor venal do imóvel – o que consta no cadastro atual da prefeitura- supera o valor real de venda, sobretudo após a crise.
Caso o TJ-BA acate a Adin movida pela OAB e partidos, a prefeitura da capital seria obrigada a baixar os valores atuais do tributo para os níveis cobrados em 2013, concedendo apenas os reajustes inflacionários previstos, “pelo menos, até que se promova uma atualização dos fatores usados como base de cálculo do imposto, dentro dos padrões reais e aceitáveis, considerando as normas constitucionais e demais princípios jurídicos, a exemplo da capacidade contributiva do cidadão”, conforme ressalta o presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB, Oscar Mendonça. O mais provável, entretanto, é que a Procuradoria do Município recorra da decisão, caso esta não lhe seja favorável.
Cobrança mantida
Na primeira etapa do processo, por exemplo, em que só foi julgada a medida cautelar que pedia a suspensão imediata da cobrança do tributo até o julgamento do mérito da Adin, a prefeitura saiu na frente na batalha, mesmo após a divulgação do voto do relator Roberto Frank, favorável à OAB.
Segundo o relator, o aumento teria violado o princípio constitucional da legalidade. Ou seja, foi considerado ilegal pelo relator, mas não convenceu: Frank acabou sendo voto vencido pela maioria dos desembargadores do Pleno do TJ que entendeu que a cobrança do tributo não deveria ser suspensa cautelarmente, objeto da ação naquele momento.
Os valores com aumento em 2014, portanto, foram mantidos até os dias atuais, apenas com a correção inflacionária dos últimos anos, seguindo lei posteriormente editada pelo prefeito ACM Neto, em meio à polêmica acerca da inconstitucionalidade da medida. A exceção ocorreu agora, em 2017, quando não houve a atualização monetária do imposto, devido ao impacto do fim do desconto de 10% previsto para imóveis que foram recadastrados.
Após as críticas quanto à demora no envio da pauta para julgamento, o relator Roberto Frank, que concluiu este mês a análise do processo que avalia o mérito da ação, assegura que a tramitação da Adin no TJ-BA segue rito semelhante ao adotado pelo Supremo Tribunal Federal, já que não há na Bahia legislação específica para o caso. “Foi necessário ouvir novamente todas as partes, além de instituições, como o Ministério Público, para que o voto quanto ao mérito da ação fosse embasado em todos os argumentos, contra-argumentos e pormenores”, justifica.
Até o Supremo
A expectativa da OAB é de que, mesmo ouvindo novamente as partes, o relator mantenha o mesmo voto pela ilegalidade do aumento, também agora ao considerar o mérito da ação. “Ainda assim, caso haja derrota novamente no julgamento pelo Pleno, vamos recorrer e levar o caso até o Supremo, se for possível, pois estamos convictos dos princípios e regras que foram desrespeitados e que vão além da legalidade, a exemplo da razoabilidade, isonomia, segurança jurídica, capacidade contributiva e moralidade”, antecipa Oscar Mendonça.
Para Mendonça, o julgamento da medida cautelar para suspensão da cobrança em 2014 acabou sendo prejudicado pela lentidão na tramitação do processo. “A ação demorou muito para ser apreciada, permitindo inclusive que a prefeitura, ao perceber as distorções, adotasse no período alguns paliativos. como a edição de uma nova lei que impôs, por exemplo, travas temporárias limitadas ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), cuja vigência já se encerra no final deste ano, por exemplo”, alerta o tributarista. Para ele, as próprias travas atreladas ao IPCA, adotadas posteriormente, já são "uma vitória da OAB, de qualquer forma".
“Toque de Caixa”
Travas à parte, entre as “distorções” apontadas pela OAB, há casos emblemáticos, como o aumento do IPTU de uma concessionária de automóveis que saltou de R$ 30 mil para R$ 240 mil. “E, assim, ocorreu com muitas outras empresas, gerando uma série de processos judiciais, até por conta do peso do tributo nos custos dessas organizações, o que acaba afetando toda a economia local”, frisa Mendonça.
Outro exemplo foi o da Ceasa/Ebal, cujo IPTU saltou de R$ 598 mil para R$ 8,5 milhões, entre 2013 e 2014, em cobrança que, isoladamente, acabou sendo suspensa pela justiça. “A OAB reconhece que os valores dos imóveis no cadastro municipal até precisavam ser reajustados, mas de forma gradativa e levando-se em conta a razoabilidade e a capacidade contributiva da população, entre outros princípios do Direito”, frisa Mendonça.
“O que Mauro Ricardo (ex-secretário da Fazenda) fez, à época, foi importar um modelo de São Paulo para Salvador, cuja realidade é bem diferente, tudo muito a toque de caixa, aprovado em menos de dois meses, sem uma maior discussão pela sociedade”, completa o advogado, que espera que o TJ-BA julgue logo o mérito da ação.
Prefeitura confiante
A Procuradoria Geral do Município está confiante de que a ação da OAB e partidos também deva ser derrubada pelo TJ-BA quanto ao julgamento do mérito. "A maioria dos desembargadores já se pronunciou quanto ao mérito no momento da votação da cautelar, justificando seus votos de que não havia inconstitucionalidade; e, de lá para cá, não aconteceu nada que possa mudar substancialmente a avaliação sobre o tema", frisou o procurador Pedro Caymmi, que fez a sustentação no TJ-BA em defesa das mudanças promovidas no cálculo do IPTU.
"Ao contrário, até mesmo a questão da atualização anual da tabela de alíquotas, questionada pela OAB, comprovou, com o passar do tempo, ser um recurso que mantém a correção das faixas de tabelas", diz Caymmi. Ele antecipou à reportagem de A TARDE que a prefeitura deve mesmo reeditar o projeto de lei para assegurar a manutenção das travas para o aumento do imposto, limitadas à correção inflacionária pelo IPCA.
Para Caymmi, "toda essa celeuma" acerca do IPTU foi gerada pela contestação do aumento ocorrido em São Paulo, onde a cobrança chegou a ser suspensa, sendo depois liberada após análise do Tribunal de Justiça paulista. E revela: assim como a OAB, a Prefeitura também tem um "Plano B": recorrer ao STF, se preciso, para manter os aumentos contestados no TJ.

